Busca

O arcebispo Víctor Manuel Fernández, novo prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé O arcebispo Víctor Manuel Fernández, novo prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé 

Dom Fernández: a prioridade é colocar em diálogo teologia e vida do Povo de Deus

Na entrevista que o novo prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé concedeu ao diretor cessante de "La Civiltà Cattolica", padre Antonio Spadaro, disponível no próximo número da revista, o arcebispo argentino fala sobre sua experiência teológica e formação filosófica, dos seus professores e do trabalho que está iniciando nestes dias. Reitera o “primado da caridade na teologia moral” e lamenta o escarso desenvolvimento da teologia desde o final do século XX

Alessandro Di Bussolo - Cidade do Vaticano

“A Igreja rejeita o fideísmo, defende o valor da razão e a necessidade do diálogo entre fé e razão, que não estão em contradição”. Mas às vezes é colocada no centro da Igreja uma certa razão, uma série de princípios que tudo regem, mesmo que se trate, em última análise, de uma forma mentis, mais filosófica do que teológica, à qual todo o resto deve submeter-se, e que no final assume o lugar da Revelação!”.

E os depositários da “correta interpretação da Revelação e da verdade seriam aqueles que possuem esta forma mentis, esta forma de raciocinar”. Somente eles “seriam 'sérios', 'inteligentes', 'fiéis'. Isto explica o poder que alguns eclesiásticos se arrogam, chegando ao ponto de estabelecer aquilo que o Papa pode ou não dizer, e apresentando-se como garantes da legitimidade e da unidade da fé”. Em última análise, esta sua forma mentis “é uma fonte de poder que se quer salvaguardar contra tudo. Não é razão, é poder."

A entrevista concedida pelo novo prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, dom Víctor Manuel Fernández, ao padre Antonio Spadaro, diretor cessante de “La Civiltà Cattolica”, e publicada no último número da revista jesuíta.

O mestre São Boaventura e a inspiração de Rahner, Ratzinger, Congar e von Balthasar

 

A primeira parte do longo diálogo com o arcebispo argentino de 61 anos, desde 2018 arcebispo de La Plata e que em 30 de setembro será criado cardeal pelo Papa Francisco, é dedicada à sua formação teológica e filosófica. Fernández, que estudou Teologia Bíblica na Universidade Gregoriana e doutorou-se em Buenos Aires, considera seu grande mestre São Boaventura, um "gigante da escolástica", pela sua teologia "capaz de alimentar a vida espiritual e, ao mesmo tempo, ter uma impacto na existência concreta das pessoas”.

Entre os teólogos do nosso tempo, cita Karl Rahner, Hans Urs von Balthasar, Yves Congar e Joseph Ratzinger-Bento XVI, e entre os filósofos Maurice Blondel e os tomistas mais próximos Étienne Gilson e Réginald Garrigou-Lagrange, mas também Hans-Georg Gadamer e Jacques Maritain. E recorda teólogos latino-americanos como Gustavo Gutiérrez, Lucio Gera e Rafael Tello, que lhe transmitiram “um grande amor pela Igreja” e “a capacidade de conectar a teologia com as ansiedades, sonhos e esperanças do povo sofredor”.

O primado da caridade na teologia moral

 

Autor de um volume de Teologia espiritual sistemática e de muitos ensaios, o futuro cardeal recorda que sempre se interessou pela “Teologia das Pessoas divinas” e pela nossa relação com cada uma delas. Seu Los cinco minutos del Espíritu Santo foi impresso em mais de 350 mil exemplares em vários países, e ele diz aos teólogos "para não se vergonharem de escrever também este tipo de livros, que sabem expressar a teologia de maneira tal que responda às necessidades populares, das pessoas".

No que diz respeito à teologia moral, dom Fernández, que participou nos Sínodos dos Bispos sobre a família de 2014 e 2015, sublinha que não pode ignorar "como enfrentam a vida as pessoas mais pobres, limitadas, excluídas dos benefícios da sociedade, que devem apoiar todos os dias a luta para sobreviver." Para eles, recorda, Francisco, na Amoris Laetitia, pede “um cuidado especial para compreender, consolar, integrar, evitando impor-lhes uma série de regras como se fossem pedras”. E então o novo prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé recorda, na teologia moral, "o primado da caridade", como São Tomás de Aquino, "quando coloca a misericórdia no ápice das virtudes, na medida em que ela regula um agir externo e assim produz uma semelhança com a ação divina”. Uma moral reduzida ao cumprimento dos mandamentos, afirma, não responde de forma alguma a esta dinâmica.

O escarso desenvolvimento da teologia desde o final do século XX

 

Na última parte da entrevista, centrada no trabalho que o espera no Prédio do Santo Ofício, o arcebispo argentino refere-se várias vezes ao que o Papa escreveu na carta com a qual “acompanhou a minha designação”, em 1° de julho deste ano. Francisco, recorda, o convida “a colocar o conhecimento teológico em diálogo com a vida do santo Povo de Deus”, e o novo prefeito, pároco de Santa Teresita em Rio Quarto (Córdoba) por 7 anos, comenta que o Papa se preocupa sobretudo, que a teologia “não se curve do alto somente para 'iluminar' o povo de Deus, mas que se deixe estimular por ele, que se deixe ferir e desarmar por ele”.

O Pontífice convida-o também a “guardar o ensinamento que brota da fé”, o que “significa também melhorá-lo”, na sua compreensão e comunicação. Infelizmente, admite o entrevistado, “sobre este ponto as últimas décadas não nos mostraram um resultado confortante”, e não houve teólogos da estatura dos já mencionados “Rahner, Ratzinger, Congar ou von Balthasar”. Grandes teólogos “que pensaram em diálogo com a realidade” e “provocaram amplos impactos, de diversas maneiras, até na pastoral das paróquias menores e mais pobres”. “Houve verificações, sim, mas poucos desenvolvimentos”, explica, e a teologia desde o final do século “teve escarso desenvolvimento”.

Tolerar com caridade a agressividade de muitos contra o pensamento cristão

 

Entre os últimos temas, não menos importante do “mandato” do Papa Francisco, “uma escuta mais ampla dos problemas apresentados pela sociedade” que deve estar unida “com a tentativa de mostrar as razões e a harmonia do nosso pensamento cristão”. Por isso dom Fernández convida a “propor-nos uma ascese: tolerar com caridade a recorrente a agressividade que nos atinge. O questionamento da sociedade não pode ser uma mediação que o próprio Deus utiliza para nos desarmar, para nos abrir a outra coisa?”.

Não podemos ignorar, admite ele, “que a violência verbal de alguns grupos é uma válvula de escape compreensível, depois de muitos séculos da nossa própria violência verbal, de linguagem injuriosa e muito ofensiva, ou de uma manipulação das mulheres como se fossem de segunda classe”, muito desdenhoso. .”. E se espera que com o tempo “se possa refletir e dialogar sobre estas questões sem toda esta aspereza”.

Por fim, o convite do Papa para promover um pensamento que apresente “um Deus que ama, que perdoa, que salva”, prestando atenção à hierarquia das verdades. Aquelas “mais importantes para expressar o coração do Evangelho”, recordadas na Evangelii gaudium, para o futuro cardeal, são “a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado” e que no que diz respeito à moral “as obras de amor aos outros, são a mais perfeita manifestação externa da graça interior do Espírito”.

Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui

15 setembro 2023, 08:17