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Imagem de São Pedro e sacerdotes em Celebração Eucarística na Praça São Pedro Imagem de São Pedro e sacerdotes em Celebração Eucarística na Praça São Pedro 

A Igreja vista como uma continuidade e um todo

"A proposta de Jesus de que “todos sejam um” retrata um profundo sonho da humanidade. O racionalismo colocou, como causa última de toda a realidade, a razão. O cristianismo, ao invés, propõe, como causa última, o amor. Portanto, não é o conhecimento que estabelece a causa última, mas a relação, tal qual a Santíssima Trindade. O Concílio destacou a teologia da Trindade na eclesiologia, resgatando também a Terceira pessoa da Santíssima Trindade, o Espírito Santo, alma da unidade na Igreja."

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

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“"O nosso dever não é somente guardar este tesouro precioso, como se nos preocupássemos unicamente pela antiguidade, mas dedicar-nos com diligente vontade e sem temor a esta obra, que a nossa época exige... É necessário que esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e apresentada de modo que corresponda às exigências do nosso tempo. De facto, uma coisa é o depósito da fé, isto é, as verdades contidas na nossa veneranda doutrina, e outra coisa é o modo com o qual elas são enunciadas, conservando nelas, porém, o mesmo sentido e o mesmo resultado" (João XXIII)”

Em seu discurso à Cúria Romana para as felicitações de Natal, em dezembro de 2005, o Papa Bento XVI fez algumas considerações, entre outros, sobre o Concílio Vaticano II, fazendo referência a João XXIII, Paulo VI e Pio XII. E propôs uma pergunta: "Por que a recepção do Concílio, em grandes partes da Igreja, até agora teve lugar de modo tão difícil?", respondendo que "tudo depende da justa interpretação do Concílio (...), da sua correta hermenêutica, da justa chave de leitura e de aplicação".

"Os problemas da recepção - explicou - derivaram do fato de que duas hermenêuticas contrárias se embateram e disputaram entre si. Uma causou confusão, a outra, silenciosamente mas de modo cada vez mais visível, produziu e produz frutos." Por um lado, existe uma interpretação por ele definida como "hermenêutica da descontinuidade e da ruptura", bem como uma "hermenêutica da reforma", "da renovação na continuidade do único sujeito-Igreja, que o Senhor nos concedeu; é um sujeito que cresce no tempo e se desenvolve, permanecendo porém sempre o mesmo, único sujeito do Povo de Deus a caminho". Inspirado nas palavras de Bento XVI, padre Gerson Schmidt* nos propõe hoje o tema "A Igreja vista como uma continuidade e um todo":

 

"No discurso à Cúria Romana a 22 de Dezembro de 2005, que suscitou grande interesse, Bento XVI pôs em evidência «a hermenêutica da reforma na continuidade» face a uma «hermenêutica da descontinuidade e da ruptura», interpretação essa que muitos procuravam dar ao Concilio, como sendo um ruptura da antiga Igreja tradicional. Joseph Ratzinger dizia que «continuidade» significa correspondência permanente com a origem, não adaptação daquilo que foi, que pode levar também pelo caminho errado. A tão citada palavra de ordem «atualização» não significa, portanto, «secularização» da fé, o que levaria à sua dissolução, mas a origem anunciada em tempos sempre novos, origem a partir da qual é doada aos homens a salvação; atualização significa, portanto, «tornar presente» a mensagem de Jesus Cristo. Trata-se, no fundo, daquela reforma necessária em todos os tempos, em constante fidelidade ao Christus totus, segundo as conhecidas palavras de santo Agostinho: «O Cristo todo, isto é, a Cabeça e os membros. O que significa a Cabeça e os membros? Cristo e a Igreja» (In Iohannis evangelium tractatus, 21, 8)[1]

A proposta de Jesus de que “todos sejam um” retrata um profundo sonho da humanidade. O racionalismo colocou, como causa última de toda a realidade, a razão. O cristianismo, ao invés, propõe, como causa última, o amor. Portanto, não é o conhecimento que estabelece a causa última, mas a relação, tal qual a Santíssima Trindade. O Concílio destacou a teologia da Trindade na eclesiologia, resgatando também a Terceira pessoa da Santíssima Trindade, o Espírito Santo, alma da unidade na Igreja.

O arcebispo emérito da Arquidiocese de Porto Alegre, Dom Dadeus Grings, autor de mais de 50 livros, reflete sobre a visão nova da Igreja, fruto da eclesiologia do Concílio Vaticano II: “O século XX descobriu a teologia da Igreja, apostando no todo dos cristãos, como obra de Cristo. Falamos de um Povo de Deus. Para aprofundar sua estrutura, voltou-se à consideração de S. Paulo, que a vê como Corpo Místico de Cristo. O Papa Pio XII, no século XX, desenvolveu sua teologia na Encíclica Mystici Corporis[2].  

Como bom professor de filosofia, como aluno que fui, Grings lembra as ideologias que fervilhavam no século passado: “Depois que Hegel elaborou sua filosofia do Estado, depois que Augusto Comte apresentou os três estágios de desenvolvimento da sociedade, a começar da teológica, passando pela metafísica, depois que Marx e Engels lançaram o Manifesto do Partido Comunista, começaram a pupular as ideologias. Veem a sociedade como um todo. O ser humano não é mais considerado, apenas, como indivíduo, mas como peça de um todo, bem maior”.  Na verdade, as ideologias totalitárias manupulam o ser humano como somente uma peça de uma engrenagem, desconsiderando o indivíduo em sua individualidade.

“Não foi só a sociedade civil que recebeu uma nova configuração nos Estados, dos quais alguns se tornaram totalitários, mas também a Igreja recebeu uma nova constituição. A consideração do Papa Pio XII com a Encíclica Mystici Corporis – a Igreja como Corpo Místico – tirou a Igreja da teologia fundamental, como uma espécie de base racional do embasamento da teologia, para elevá-la à categoria dogmática, como exigia o artigo de fé (ou seja, o Credo que professamos). De fato, na profissão da fé apostólica, se vê a Igreja na base da fé cristã: creio na Igreja”, afirma o filósofo, teólogo e canonista, Dom Dadeus Grings, em seu livro “Igreja do Diálogo Ecumênico”[3]."

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.

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[1] https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/muller/rc_con_cfaith_doc_20121128_riflessioni-muller_po.html
[2] GRINGS, Dadeus. “Igreja do Diálogo Ecumênico”. Evangraf, Porto Alegre, 2022, p.10. 
[3] Idem, p.11.

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16 janeiro 2023, 08:18