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Uma imagem da audiência no processo sobre o suposto uso ilícito de fundos da Secretaria de Estado (Vatican Media) Uma imagem da audiência no processo sobre o suposto uso ilícito de fundos da Secretaria de Estado (Vatican Media)

Mincione: com o petróleo a Santa Sé perderia tudo, Londres, melhor investimento

Segunda e última parte do interrogatório ao financista, na vigésima primeira audiência do processo por supostas transações ilícitas com fundos da Santa Sé. A transação do edifício da Sloane Avenue e o negócio fracassado com a Falcon Oil em Angola no centro das questões do Promotor de Justiça, das partes civis e dos advogados de defesa

Salvatore Cernuzio – Vatican News

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Novamente Londres, novamente as negociações para o Prédio da Sloane Avenue, novamente as relações com o corretor Gianluigi Torzi, Credit Suisse e a Secretaria de Estado foram o foco da segunda e última parte do interrogatório ao financista Raffaele Mincione, imputado no processo por supostas transações ilícitas com fundos da Santa Sé. Já na segunda-feira, 6 de junho, o empresário italiano residente em Londres havia se submetido às perguntas do Promotor de Justiça por mais de sete horas. A continuação do interrogatório esta terça-feira, 7 de junho, durou mais quatro horas, na vigésima primeira audiência na Sala dos Museus vaticanos, com perguntas da acusação, da defesa e das partes civis, a maioria das quais centrada no caso da transação da propriedade londrina, uma hipótese que surgiu após o fracasso de um negócio para um poço de petróleo em Angola, para o qual Mincione foi envolvido como consultor.

Nenhum relacionamento com Becciu

Antes de chegar ao cerne do interrogatório, o réu - quando solicitado pelo promotor adjunto Alessandro Diddi - negou qualquer conhecimento direto com o cardeal Angelo Becciu. "Não tenho seu número, não tenho seu e-mail, nenhum tipo de relacionamento. Em três compromissos, eu o vi por um total de 20-30 minutos." "Becciu - acrescentou o corretor - nunca forçou as diligências (sobre o negócio de Angola que o cardeal havia proposto). Para nós, ele sempre foi uma pessoa muito distante do que estava acontecendo."

Um investimento "mais conservador"

As únicas pessoas de contato da Secretaria de Estado - com as quais, disse ele, foram mantidas "relações diplomáticas" - foram Fabrizio Tirabassi, ex-funcionário da Seção Administrativa, e Enrico Crasso, ex-dirigente de Credit Suisse e conselheiro financeiro do Dicastero (ambos imputados). Foi Crasso quem apresentou Mincione como especialista no negócio de Angola. Da rejeição desse investimento, como mencionado, surgiu a hipótese da compra da prestigiosa propriedade londrina, que Mincione reiterou que queria mantê-la para si e "desenvolvê-la" com um projeto que incluía uma mudança de uso e expansão com uma estrutura adjacente. Para a Santa Sé, segundo o financista, era um investimento "mais conservador" do que o petróleo: "Com este era claro que teriam perdido tudo. Dada também a tendência do petróleo, teria sido a sepultura final".

Sair do fundo

A Secretária de Estado havia depositado ações no fundo Gof de Mincione. E, inicialmente "contente" com a gestão do negócio do petróleo, disse-lhe para "manter o dinheiro e investir". Em meados de 2018, decidiu, ao invés, sair do fundo, apesar das recomendações do "grande prejuízo" que a liquidação dos ativos poderia causar. No tribunal, as razões da escolha da Santa Sé não foram explicadas, nem quem a autorizou. Mincione, questionado sobre o assunto, explicou apenas que no início de 2018 houve "quase uma escalada: 'Vamos tentar sair'".

"Eu - disse Mincione - sempre soube que a Secretaria de Estado queria vender o Prédio, nunca me disseram que queria comprá-lo. No início, havia mal-estar por causa da existência do bloqueio (a restrição de investimento de cinco anos + dois anos). A pressão aumentou entre janeiro e março de 2018. Depois ainda mais forte em junho." "Tanto que o investimento planejado de 100 milhões de libras esterlinas para reestruturar e melhorar o Prédio, e elevar seu valor para 350 milhões de libras esterlinas, nunca foi feito. Todo o mercado sabia que, no final, queríamos vendê-lo por essa quantia."

A negociação do Prédio

"Perplexo" com esta aceleração, mas não preocupado ("No meu trabalho contam números e contratos que são assinados, o resto é conversa", repetiu várias vezes), Raffaele Mincione entendeu as reais intenções da Secretaria de Estado com um e-mail datado de 9 de junho de 2018 de Tirabassi indicando o nome de um corretor que faria uma inspeção do Prédio e depois tentaria liquidá-lo. "Possibilitamos-lhe educadamente que fizesse uma vistoria, mas ele não era qualificado". "Eu não recusei", esclareceu Mincione: "Eu só disse que se ele nos trouxesse o preço solicitado, tudo bem". Não se fez nada disso, mas a "pressão" havia agitado o financista: "Eu não dormi bem naquela noite".

Torzi e Capaldo

Do e-mail de junho se passa a 2 de novembro, com uma mensagem WhatsApp de Gianluigi Torzi (que Mincione disse ter conhecido apenas em dezembro de 2017), o qual "tinha se proposto como corretor para colocar o Prédio". "Bom êxito", escreveu ele. E Mincione respondeu com um emoji com dedos cruzados.

Sobre o imóvel, referiu o imputado no tribunal, o engenheiro Luciano Capaldo, sócio de Torzi, que mais tarde se tornou colaborador da Secretaria de Estado e foi ouvido como testemunha durante a investigação, fez uma "análise muito cuidadosa". O engenheiro, disse Mincione, havia afirmado no passado que achava que a avaliação de 350 milhões era irrealista, mas a certa altura ele trouxe uma oferta de um xeque que queria comprar o imóvel. A cifra era de 350 milhões. Entretanto, o xeque não apareceu depois.

"Novo gestor"

Torzi reapareceu alguns meses depois com uma mensagem na qual "joga a bomba": "Creio ter-lhe feito um favor, vou me tornar o novo gestor encontrado", escreveu para Mincione. "Um favor não solicitado... Eu pensei: vai ver que venderam o Prédio para o xeque e agora ele me diz que o compra por menos?" Para Torzi o "favor" era ter salvo Mincione "de um possível conflito" com a Santa Sé, até porque, como ele lhe disse uma vez: "Você não é amado no Vaticano".

"No momento, parecia gossip", disse Mincione. Acima de tudo, ele considerava impossível a realização de negociações sem sua autorização como gestor do fundo. Monsenhor Alberto Perlasca, chefe da Seção administrativa, escreveu-lhe então em meados de novembro: "Tenho certeza de que com a boa vontade de todos, será encontrada uma solução para nossa satisfação mútua".

A reunião de Londres

As perguntas do Promotor e dos advogados concentraram-se a este ponto na reunião organizada pouco depois em Londres, de 20 a 22 de novembro de 2018, no escritório de Torzi. O contrato para a transferência para o fundo Gutt de Torzi deveria ser assinado. A reunião contou com a presença de Tirabassi, Crasso e do advogado Manuele Intendente, que foi apresentado a Mincione como o "chefe da Gendarmeria". "Todos eles falavam em nome da Secretaria de Estado". Mincione só participou das reuniões no primeiro dia, "só para ouvir o preço concordado": "Não era uma negociação, era um status. Eu pensei, eles estão tirando algo que eu gostaria tanto de desenvolver. Foi uma decepção tão grande que eu não queria mais lidar com isso". Deixou a questão para o departamento jurídico, que encarregou o prestigioso escritório Herbert Smith Freehills. Sua compensação foi de 40 milhões de libras esterlinas. No final dessa reunião, como é conhecido, Torzi tornou-se o novo gestor do Prédio.

As próximas audiências serão realizadas nos dias 22 e 23 de junho com um novo interrogatório a Enrico Crasso.

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08 junho 2022, 13:00