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Dentro do Vaticano

Dicastério para o Diálogo Inter-Religioso

Com a promulgação da Constituição Apostólica 'Praedicate Evangelium', muda a organização de algumas estruturas vaticanas: o novo Dicastério modifica a precedente denominação de Pontifício Conselho, cuja história, objetivos e 'balanço de missão' apresentamos nos últimos meses.

Benedetta Capelli – Città del Vaticano

"Um pequeno grupo a serviço de três quartos da humanidade". A frase do Cardeal Arinze, que mostra uma verdade, é lembrada com prazer e carinho entre as salas do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso. Um grupo heterogêneo e multicultural, cujo balanço de missão faz parte do orçamento dos 21 milhões destinados este ano para cerca de trinta instituições do Vaticano e cujo compromisso é promover relações fraternas e amistosas com pessoas de diferentes tradições religiosas. Um livro aberto há 60 anos pelo Vaticano II e que chegou agora, com o magistério do Papa Francisco, ao capítulo sobre a fraternidade humana. O Cardeal Miguel Ángel Ayuso Guixot guia o dicastério há dois anos e meio. Explica como este tipo de diálogo tenha necessidade de constante dedicação e cuidado, onde a expressão da própria identidade não deve alimentar preconceitos e resistências.

Balanço de missão dos Dicastérios
Balanço de missão dos Dicastérios

"Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso": o nome do dicastério encerra em síntese extrema uma vasta missão, que especialmente com o Papa Francisco está se tornando uma das prioridades da Igreja, como testemunha suas mais recentes viagens internacionais, de Abu Dhabi, em fevereiro de 2019, até a recentemente concluída no Iraque, em sinal de "fraternidade humana". Que compromisso e responsabilidade isso implica para vocês?

Em primeiro lugar, gostaria de dizer algumas palavras sobre a história do Dicastério que, como Secretariado para Não-Cristãos, foi criado pelo Papa Paulo VI em 19 de maio de 1964, com o Breve, Progrediente Concilio antes da promulgação da Declaração Conciliar Nostra Aetate (1965) e da conclusão do Concílio Vaticano II. Já então se sentia a necessidade, diria o Papa Francisco, de uma Igreja em saída que dialogasse com o mundo, em particular com membros de outras tradições religiosas. Desde então, já se passaram quase 60 anos, o diálogo inter-religioso promovido pela Igreja Católica, embora encontrando dificuldades e incompreensões, nunca parou. Em 1988, de acordo com a Constituição Apostólica Pastor Bonus, o Secretariado tornou-se o que ainda hoje é: o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso (PCDI). A nova denominação do Dicastério promoveu uma ideia mais inclusiva de diálogo com pessoas de diferentes tradições religiosas.

O Dicastério está a serviço da Igreja em sua vasta missão de diálogo, e isto é feito em colaboração com os Bispos das Igrejas locais, especialmente através das Comissões Episcopais para o Diálogo Inter-Religioso. Muitos membros de nosso Dicastério são de fato os presidentes destas Comissões. Mesmo que uma atividade de diálogo seja promovida pelo Dicastério, é sempre nossa preocupação envolver tanto a Igreja local quanto a Representação Pontifícia.

Desde seu início, o trabalho do Dicastério se expandiu consideravelmente, mas também se tornou mais preciso. Tivemos muitas oportunidades de nos encontrar com pessoas de várias tradições religiosas. Estes encontros deram origem a iniciativas estruturadas de diálogo e colaboração com várias instituições, tanto multirreligiosas quanto pertencentes a uma única religião. Recordo nossa tradição de enviar mensagens de bons votos, como a enviada aos muçulmanos para o mês do Ramadã, aos budistas para a Festa do Vesakh ou Hanamatsuri, aos hindus para a festa do Deepavali, às comunidades Jain por ocasião do Mahavir Jayanti, e às comunidades sikh por ocasião do Prakash Diwas.

Gostaria também de destacar a dimensão ecumênica do diálogo inter-religioso. De fato, o PCDI mantém há muitos anos relações constantes com o Ofício para o Diálogo Inter-Religioso similar do Conselho Ecumênico de Igrejas e colabora com esta entidade em iniciativas de estudo e promoção do diálogo. Apresentar-se unidos no diálogo, ou pelo menos um pouco menos divididos, é um testemunho necessário.

O impulso dado pelos Pontífices, com a consequência de um maior compromisso por parte do Dicastério, certamente não tem faltado. Gostaria de mencionar apenas um exemplo: o Dia de Oração pela Paz, organizado em 1986 em Assis por São João Paulo II, que foi um marco no diálogo inter-religioso, assim como posteriormente o Documento sobre Fraternidade Humana pela Paz Mundial e a Convivência Comum, assinado em 4 de fevereiro de 2019 em Abu Dhabi pelo Papa Francisco e o Imã Al-Tayyeb, e a Carta Encíclica Fratelli tutti de 2020.

O próprio Papa Francisco, que, seguindo os passos de seus predecessores, promoveu o diálogo em muitas ocasiões diferentes, hoje nos encoraja a continuar no caminho da fraternidade junto com todas as pessoas de boa vontade. De minha parte e em nome do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso, posso dizer que estaremos atentos para definir os passos concretos a serem dados para que os temas da fraternidade e da amizade social possam se tornar cada vez mais um terreno de discussão e de ação entre os membros das diferentes tradições religiosas.

Embora de forma alguma renunciando à nossa identidade ou referindo-se a um irenismo fácil, com força e coragem devemos afirmar a necessidade de deixar de lado preconceitos, hesitações e dificuldades a fim de construir uma sociedade fraterna.

A placa na entrada do Dicastério
A placa na entrada do Dicastério

O diálogo com o Islã, em particular, hoje é crucial, tanto que o Pontifício Conselho tem uma comissão específica para isso. Qual é a situação atual e quais são as perspectivas futuras?

Em 22 de outubro de 1974, por vontade do Papa Paulo VI, foi criada a Comissão para as Relações Religiosas com os Muçulmanos a fim de promover e estimular as relações religiosas entre muçulmanos e católicos. É um órgão separado, mas ligado ao Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso. Tem seus próprios Consultores, cuja tarefa é promover as relações religiosas entre cristãos e muçulmanos e estudar e explorar vários tópicos relacionados ao diálogo islâmico-cristão.

O Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso sempre procurou estabelecer relações regulares com instituições e organizações muçulmanas a fim de estimular o conhecimento mútuo e a confiança, a amizade e a cooperação.

De fato, foram feitos acordos com várias instituições, tanto sunitas como xiitas, sediadas em países islâmicos ou com uma maioria muçulmana, de modo a garantir a possibilidade de reuniões regulares, de acordo com programas e procedimentos acordados pelas partes. 

Por uma questão de brevidade, não entrarei em detalhes sobre as inúmeras conversações que tivemos. Realmente são muitas.

O Papa Francisco deu o exemplo e muito material para consolidar e expandir o diálogo islâmico-cristão. Já mencionei o Documento sobre a Fraternidade Humana e a Encíclica Fratelli tutti. Em 2019, o Papa visitou em menos de sessenta dias dois países, os Emirados Árabes Unidos e Marrocos, onde o Islã é fortemente maioritário. Também, de 5 a 8 de março deste ano, a recente Viagem Apostólica ao Iraque. Do ponto de vista do diálogo com o Islã, houve dois momentos marcantes. A visita de cortesia ao Grande Ayatollah Sayyid Ali Al-Husayni Al-Sistani, uma das personalidades mais simbólicas e significativas do mundo xiita, e a oração inter-religiosa em Ur foram precisamente no sentido de construir uma fraternidade entre cristãos e muçulmanos.

Tudo isso para dizer que existe um caminho já iniciado com nossos irmãos e irmãs muçulmanos que encontrou uma nova vida e que certamente se refletirá nas futuras atividades de diálogo do Dicastério.

Por fim, gostaria de lembrar que em agosto de 2019, o Comitê Superior da Fraternidade Humana, do qual sou membro, foi criado para disseminar e implementar os valores contidos no Documento sobre a Fraternidade Humana. Um de seus frutos foi a proclamação pela ONU do Dia Internacional da Fraternidade Humana, a ser celebrado no dia 4 de fevereiro de cada ano.

O Documento de Paulo VI que institui o Dicastério
O Documento de Paulo VI que institui o Dicastério

De um ponto de vista "demográfico", não podem ser ignorados o budismo, o hinduísmo e outras religiões asiáticas.

As relações com os representantes das diversas escolas e organizações budistas continuam a se desenvolver e a se enriquecer através de encontros e visitas. Os colóquios entre cristãos e budistas têm sido realizados regularmente desde 1995. O Dicastério participa regularmente da Cúpula das Religiões que, desde 1987, após o Dia de Oração pela Paz de 1986 em Assis, tem acontecido todos os anos no Monte Hiei (Kyoto), o centro histórico do Budismo Tendai. Há encontros frequentes com representantes do movimento leigo budista Rissho Kosei-kai, com os quais mantemos relações cordiais desde o tempo do Vaticano II.

O Dicastério também organizou dois seminários cristão-taoístas, enquanto os confucionistas foram convidados a participar de eventos multirreligiosos organizados pelo Dicastério. Não faltam oportunidades para reuniões de diálogo com seguidores do xintoísmo.

O Pontifício Conselho há muito tempo mantém numerosos contatos com representantes de várias organizações hindus e continua a estabelecer relações formais com eles. Tivemos várias reuniões na Índia, nos Estados Unidos, na Itália.

Temos muito boa cooperação com representantes do Jainismo, em particular com o Institute of Jainology sediado em Londres.

Com a comunidade sikh, também tem havido uma crescente cooperação e diálogo nos últimos anos, tanto na Índia como com os sikhs da diáspora.

Todas estas tradições religiosas estão, sem dúvida, abertas ao diálogo com a Igreja Católica. Especialmente nos últimos anos, tem havido um interesse comum em mais questões sociais como paz, meio ambiente, migração, etc. Gostaria também de mencionar que em 2019, o Ano Europeu da Igreja Católica acontecerá na Índia.

Lembro também que em 2019, por ocasião da Viagem Apostólica, o Papa Francisco propôs o tema da fraternidade humana a países como a Tailândia e o Japão.

A missão do Pontifício Conselho o levou quase naturalmente a viajar muito pelo mundo para estabelecer relacionamentos pessoais e criar laços duradouros. Agora, com a pandemia, o planeta está se acostumando às reuniões "on-line". O que se economiza financeiramente é proporcional ao sacrifício ou corre-se o risco de perder algo?

Como todas as coisas, as restrições com as quais temos que conviver por causa da pandemia têm aspectos negativos e positivos. Toda a atividade do Pontifício Conselho está focada em testemunhar e difundir o encontro, tanto em nível institucional como através de uma amizade pessoal feita de proximidade, participação e proximidade. É um Dicastério que é decididamente voltado para o exterior. Tivemos, portanto, que desistir de muita coisa. Na verdade, nada pode substituir os encontros diretos e pessoais e a possibilidade de compartilhar o tempo de uma pessoa com outras em presença e não virtualmente.

Entretanto, a experiência que temos tido há mais de um ano sem dúvida nos fez economizar muito, mas gostaria de dizer que também nos deu a oportunidade, através dos webinar, de participar de muitas videoconferências sobre o diálogo inter-religioso, provavelmente muito mais do que teríamos podido participar pessoalmente. Também foi possível, graças às videoconferências, aumentar o número de participantes. Repito, porém, que o modo "virtual", embora mais barato, obviamente não é tão valioso quanto a reunião pessoal. É por isso que, com as precauções necessárias e respeitando todas as medidas, tentaremos voltar gradualmente a conduzir o diálogo no modo tradicional, enquanto continuamos a usar a modalidade on-line onde e quando possível, pelas razões descritas acima.

Cardeal Ayuso em uma reunião no Dicastério
Cardeal Ayuso em uma reunião no Dicastério

Vamos tentar fazer um perfil da comunidade do dicastério. Quantas pessoas estão envolvidas e de onde elas vêm? Quais são as áreas de trabalho e que habilidades são necessárias?

Permita-me responder a esta pergunta com as palavras de meu antecessor, o Cardeal Francis Arinze, que, quando perguntado como funciona o Dicastério, respondia: "somos um pequeno grupo a serviço de três quartos da humanidade". Hoje ainda estamos assim. Somos um pequeno Dicastério, 14 pessoas no total, incluindo cinco mulheres, de várias nacionalidades e origens, leigos, sacerdotes e religiosos, envolvidos em vários setores: Islamismo, religiões da Ásia e África, novos movimentos religiosos porque: " O Conselho favorece i regula as relações com os membros: e os grupos das religiões que não são compreendidas sob o nome cristão, e também com aqueles que de algum modo possuem o sentido religioso (Constituição Apostólica Pastor Bonus § 159). Em todo caso, gostaria de lembrar que o Dicastério não tem competência para dialogar com o judaísmo.

Os Oficiais responsáveis pelos diferentes setores são apoiados pelos funcionários técnico/administrativos. É preciso dizer que todos os funcionários são disponíveis em compartilhar seu trabalho porque muitas vezes é necessário ajudar uns aos outros devido aos muitos compromissos e pedidos que chegam. Somos uma família pequena, mas diversificada e trabalhadora. Obviamente existem diferentes habilidades dependendo do trabalho: treinamento acadêmico nas várias tradições religiosas, conhecimento de vários idiomas, experiência em áreas mais técnicas como arquivos, administração e, dadas as necessidades atuais, informático. Gostaria de salientar que o Dicastério tem seu próprio website (www.pcinterreligious.org) que oferece informações, documentos, extratos dos discursos do Papa e dos Superiores do PCDI, e em download a nossa publicação, o Pro Dialogue Bulletin.

Cardeal Ayuso em seu escritório
Cardeal Ayuso em seu escritório

Quais são os "itens" que requerem mais recursos financeiros e como o orçamento econômico do dicastério reflete sua peculiar missão?

A atividade institucional do Dicastério, inteiramente financiada pela Administração do Patrimônio da Sé Apostólica, visando promover o diálogo inter-religioso, é realizada principalmente através da organização de viagens, convenções, conferências e palestras, tanto em Roma como no exterior, com a participação de pessoas de todas as partes do mundo. Os recursos financeiros disponíveis são, portanto, utilizados principalmente para estes fins.

Devido à pandemia, de março de 2020 até hoje, os gastos financeiros foram obviamente muito reduzidos. Os recursos financeiros do Dicastério foram utilizados especialmente para a publicação de livros, coleções de atas de colóquios e a atualização dos equipamentos de informática do Dicastério.

A atividade do Dicastério de promover o diálogo inter-religioso também é realizada através da Fundação Nostra Aetate - Bolsas de Estudo, fundada em 1990, com personalidade jurídica canônica pública e civil no Estado da Cidade do Vaticano e sede no próprio Dicastério. A Fundação concede bolsas de estudo a jovens de outras religiões, residentes em países estrangeiros, que desejam aprofundar seu conhecimento do cristianismo nas Pontifícias Instituições Acadêmicas em Roma. Uma vez concluídos os estudos, aqueles que se beneficiaram das Bolsas de Estudos retornam a seus países para dar a conhecer o cristianismo, envolvendo-se em atividades que dizem respeito ao diálogo inter-religioso. A Fundação também fornece subsídios para apoiar iniciativas locais destinadas a promover o diálogo inter-religioso. De um ponto de vista econômico, a Fundação é autônoma e autofinanciada.

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18 outubro 2021, 15:00