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Carlos Moedas: Lisboa se prepara para o grande evento da JMJ

O presidente da Câmara municipal de Lisboa conta como a cidade se prepara para o evento de agosto de 2023.

Nuno André - Portugal

Carlos Moedas tem 52 anos e é natural de Beja. Formou-se em engenharia, representou Portugal na Comissão europeia e completou recentemente o primeiro ano como presidente da Câmara municipal de Lisboa. Numa altura em que a cidade se prepara para receber a Jornada mundial da juventude, aceitou ser entrevistado para falar sobre o que pensa deste acontecimento que marcará a história da Igreja e as histórias de tantos jovens.

Estamos a menos de um ano para que Lisboa receba, pela primeira vez, a Jornada mundial da juventude. Qual é, para si, o principal desafio?

O principal desafio enquanto presidente da Câmara municipal de Lisboa está na oportunidade de ser o presidente da Câmara numa altura em que Lisboa vai acolher a Jornada mundial da juventude. Jornadas que eu próprio conheci quando ainda era muito jovem ao participar no ano de 1997, em Paris — uma cidade tão grande! Guardei esta memória na minha cabeça e, portanto, quando me candidatei há um ano, confesso que pensei logo no privilégio que seria organizar este evento tão particular e que vai tão além da religião. Ver esta união entre os jovens é um sinal de esperança que a todos deve encher de alegria. Aliás, devo referir que nunca houve um evento com esta dimensão na cidade de Lisboa. Nunca recebemos a oportunidade de reunir mais de um milhão de pessoas de tantas nacionalidades. É mesmo um grande desafio.

Quando se fala em acolher milhões de pessoas devemos perguntar sobre questões de logística. Lisboa está preparada para receber tanta gente? Haverá, por exemplo, camas suficientes para os jovens dormirem com conforto e em segurança?

Sei que tudo vai correr bem, porque a solidariedade das famílias é um apoio fundamental. Vai correr bem porque os próprios lisboetas se vão envolver de corpo e alma. Recordo-me, por exemplo, que em Paris houve muitas famílias a acolher os jovens. Eu próprio, quando participei nessas Jornadas, fiquei em casa de uma dessas famílias que abriu a porta aos jovens.

Portugal organizou a Expo-98 e nessa altura construíram-se novos espaços e ergueram-se novas estruturas. Da mesma forma que surgiu o Parque das nações, a cidade também ficará diferente depois das jmj-2023?

Vou fazer tudo para que sim e por várias razões. Primeiro porque o espaço principal onde será o encontro é lindo e tem uma excelente localização. Segundo porque o próprio Papa Francisco nos pediu que tivéssemos em conta a questão da sustentabilidade. Vamos manter os jardins e a harmonia do espaço livre como um sinal que não se compara ao Parque das nações. Nesse caso tratou-se de uma questão imobiliária. Agora, queremos que aquele novo lugar seja um memorial ao Papa, à sua mensagem e aos jovens. Que seja um espaço por onde se possa caminhar, refletir, conviver e viver a vida ao ar livre. Será uma dádiva e um marco histórico.

Carlos Moedas
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É curioso que faça referência a um “marco histórico”, neste caso ligado à religião.

É deveras importante que cada vez mais as religiões possam conviver pacificamente respeitando-se na liberdade de cada uma. Esse será um legado que deverá ser deixado pelos jovens de hoje e, por essa razão, é tão importante olhar para a liberdade religiosa como um diálogo assente no respeito mútuo. Também aí estas Jornadas podem ser um caminho para a tolerância e, como tantas vezes refere o Papa Francisco, para a construção da fraternidade. Estou convencido de que esta ideia pode ser uma razão de encontro nas Jornadas para os jovens de diferentes religiões. São todos bem-vindos. Aliás, há uma história comum ao cristianismo, judaísmo e islamismo que é o Antigo Testamento e que não devemos esquecer, pelo contrário, devemos fazer uma leitura mais abrangente e humana em tudo o que nos permite aproximar, construindo pontes. Obviamente que esta é uma Jornada católica, mas penso que o legado mais bonito é deixar a ideia de que são todos bem-vindos e que é uma grande riqueza saber conviver.

Encontros que juntam pessoas de diferentes culturas são, para uns, uma riqueza. Contudo, para outros, pode ser uma preocupação, principalmente quando se trata de jovens...

É muito engraçado porque recordo-me de que na jmj da França muitos parisienses acabaram por decidir sair da cidade porque pensaram que ia ser uma grande confusão. Foi magnífico ver tanta gente a receber em sua casa os jovens de todas as nacionalidades. Eu espero que os lisboetas fiquem na cidade para viver a Jornada na primeira pessoa e que também experimentem a solidariedade de abrir as suas casas aos jovens. Alguém me perguntava se eu estava preocupado com uma possível falta de resposta hoteleira e eu respondi que não. As camas mais importantes são as daquelas famílias e grupos que vão partilhar o seu lar. E estou certo de que não serão apenas as famílias católicas a aderir a esta ideia. Serei o primeiro a dar o exemplo e por isso vou receber jovens em minha casa. Tenho consciência de que muitos dos que participam no encontro nem terão possibilidade de pensar em pagar quartos de hotel.

As gerações mais velhas queixam-se dos jovens. Facilmente encontramos quem não acredite num futuro melhor e leia nas atitudes de alguns jovens um sinal de decadência. Acredita nos jovens de hoje?

A juventude é um sinal de esperança, também por isso a Igreja precisa de jovens. Mas não é só a Igreja que precisa deles, também a política necessita de gente nova. Aliás, depois desta experiência — de uma pandemia e da experiência de uma guerra que diretamente também afeta as nossas famílias — uma vez mais fica claro que a religião é uma resposta importante. As religiões são uma resposta aos desafios da vida da Humanidade e não se pode apagar ou oprimir esta resposta. Eu não me lembro de na altura (jmj de Paris de 1997) os desafios serem assim tão grandes como são hoje. O cardeal Tolentino de Mendonça tem tecido várias considerações sobre este assunto.

Carlos Moedas
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Um português que ganhou um lugar de destaque no Vaticano e que tem chamado a atenção de muitos.

Ele é um homem de quem eu gosto muito. Realmente a vida tem coincidências incríveis. Permita-me que partilhe um episódio que passei com ele. Depois de ter ganho as eleições em Lisboa, decidi, com a minha mulher, ir até Roma para descansar durante uns dias. Quando aterrei e cheguei ao aeroporto, estava a partir para Lisboa o cardeal Tolentino. Acabámos por trocar umas palavras e ele perguntou-me até quando lá íamos ficar. Então, como ainda havia tempo para um encontro depois do seu regresso, convidou-nos para fazermos uma visitar à maravilha da Biblioteca do Vaticano. O cardeal Tolentino é um homem que também me inspira muito e tem uma abordagem fantástica em relação aos jovens e preocupa-se bastante com a questão de dar voz aos jovens.

Jovens que normalmente não ocupam lugares de liderança, não fazem parte dos grupos decisores...

A Igreja pode ajudar como instituição porque tem a capacidade de dizer aos jovens: “Gritem” — gritar no sentido positivo, ou seja, façam-se ouvir e espalhem uma ideia, espalhem uma mensagem ao mundo. Veja, o Papa Francisco tem feito exatamente esse trabalho de dizer ao mundo aquilo que o mundo precisa de ouvir. Os políticos e as instituições políticas devem fazer a mesma coisa. A Igreja é uma instituição e como instituição durou muito mais do que todas as outras e a força de um país é a força das suas instituições. De certa forma podemos olhar para a instituição — Igreja católica — e aprender com ela a valorizar os mais novos e a ensinar que nenhuma instituição pode sobreviver sem atrair a si a juventude. Sem este chamamento, as organizações desaparecem. Hoje, um dos maiores desafios democráticos é a capacidade de explicar aos jovens que os países não podem deixar perder as instituições, que as instituições são o pilar da sociedade e de cada identidade coletiva.

Não é fácil atrair os jovens de hoje. Mas, talvez por isso, seja tão desafiante.

Neste momento o mundo digital absorve-nos, vivemos num ambiente em que cada um vive cada vez mais isolado. Há graves problemas com a relação entre nós. Ora as instituições permitem e são um campo ideal onde as relações podem acontecer e enriquecer cada um de forma particular.

Como presidente de uma Câmara, como evita o risco de ficar, tal como os jovens, preso a um computador ou a um telefone?

Gosto de dizer que o meu gabinete é na rua e que o meu lugar é junto das pessoas. O presidente da Câmara de certa forma é um servidor público. No meu caso, quando chego a casa e sei que ajudei alguém, sinto-me mais feliz do que quando passo o dia a tratar de papéis e burocracias. Temos de perceber que a nossa função é trabalhar com e para as pessoas. Gosto de usar este termo — pessoas. Aliás, até já me criticaram por estar sempre a referir isto. A verdade é que também a Igreja, nomeadamente o Papa, tem tido a preocupação de recordar a ideia de que todos somos pessoas e que devemos saber respeitar todos enquanto tal. Mas, voltando à questão das instituições, a Igreja, por exemplo, sabe perfeitamente o lugar da pessoa durante os seus rituais. Somos o centro da questão — nós e Deus. Precisamos de valorizar os rituais, e agora refiro-me aos rituais no sentido mais lato, há rituais em todo o tipo de organizações. Rituais que alimentam, que unem, que expressam ideias e que interpelam cada um de nós. Por isso, quando se perdem os rituais, os hábitos, a história, entra-se numa crise de identidade e corre-se o risco de andar por aí perdido. As reuniões são rituais — ainda que eu não seja adepto de reuniões a toda a hora — os convívios são rituais, as Jornadas vão ser um ritual.

No começo da nossa conversa perguntei-lhe sobre os desafios de organizar um evento como as Jornadas. O dinheiro, os gastos, a gestão financeira não é um problema para si ou para o governo de Portugal?

Vejo a organização das jornadas como um investimento e não como um gasto. Não devemos discutir sobre quanto custa este evento porque uma cidade como Lisboa tem de olhar para a oportunidade em si. Lisboa vai estar nas bocas do mundo. Agora, é preciso que se alcance um equilíbrio e que se consiga conjugar as obrigações locais com o governo e com a Igreja.  Tenho acompanhado várias reuniões e fico feliz em saber, por exemplo, que o Dom Américo, que é um homem extraordinário e muito prático, é um dos responsáveis pela organização. Estamos todos empenhados em resolver problemas e, portanto, temos aqui uma equipa muito competente.

Referiu que Portugal nunca tinha recebido um evento com esta dimensão. Será que vai estar à altura?

Estamos a trabalhar 24 horas por dia para garantir que tudo corra bem. Estamos comprometidos com o mesmo objetivo e cada um deverá cumprir a sua parte. Estou certo de que o Papa Francisco ficará com o coração cheio pela forma como tudo vai decorrer. Assim como um ator não pode estar preocupado com as luzes ou com o palco, também a Igreja não se deve preocupar com a nossa parte.

Haverá problemas, imprevistos, incidentes...

A proteção civil estará preparada para todo o tipo de intervenções necessárias, haverá médicos, enfermeiros, polícias, haverá um número para apoio logístico, aliás já tivemos essa rede a funcionar quando foi necessário responder com a gestão dos centros de vacinação. Teremos profissionais destacados por toda a cidade e, claro, muitos voluntários da parte da Igreja a garantir que tudo funcione em pleno.

No mundo atual continuamos a testemunhar crimes contra a humanidade, nomeadamente contra a liberdade religiosa. Como podemos educar os jovens de hoje para que amanhã o mesmo não se repita?

Estive recentemente em Paris para inaugurar uma rua com o nome Aristides de Sousa Mendes e penso que quando nós contamos a história é a única maneira de preparar o futuro. Fico preocupado quando ouço alguém desvalorizar a religião ou as religiões em geral. A intolerância, as perseguições, os extremismos… são uma preocupação real e presente. As novas gerações precisam de exemplos, precisam olhar para algumas referências e seguir o seu exemplo. Não se pode aceitar que em pleno século xxi continuem a matar pessoas porque pensam de forma diferente ou porque seguem uma religião diferente da sua. Temos de deixar sinais pela cidade, contar histórias aos jovens para que eles aprendam com os erros do passado e para que se inspirem com os bons exemplos — e há tantos. E lembrar que, os que fazem o bem, não podem nem devem cair no esquecimento. Por isso referi o caso de Aristides de Sousa Mendes, que acabou por morrer sozinho, sem dinheiro, sem apoio… depois de ter dado tanto de si em prol dos outros.

É também por isso que acreditamos que esta Jornada pode ser um sinal permanente na nossa história de uma esperança lançada no coração de cada jovem que participar neste encontro tão extraordinário e no qual estou muito desejoso em participar.

 

Nuno André é investigador de história e filosofia

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03 novembro 2022, 15:23