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Missão de Nangololo em Cabo Delgado é ocupada e destruída

População foge dos terroristas e lideranças relatam horrores dos ataques e massacres. A terrível situação de guerra que Cabo Delgado em Moçambique enfrenta há três anos, exige hoje a presença samaritana e profética da Igreja. O rosto sofrido do povo, pede dos cristãos a partilha e a solidariedade. Os ataques já causaram mais de 2 mil mortos e 500 mil deslocados Cabo Delgado quer paz!

Padre Edegard Silva Júnior - Cabo Delgado

Desejo atualizar informações sobre a situação da Diocese de Pemba, a partir do testemunho de Luiz Fernando Lisboa, o nosso bispo. Não se trata de uma leitura personalista, mas de um projeto missionário. Luiz Fernando sempre pautou a sua vida na defesa dos Direitos Humanos, no trabalho com as CEBs, no compromisso com a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), com a missiologia, em seu amor pela missão na África...“Filho de peixe, peixinho é”, diz o ditado.

O querido Papa Francisco o convida a pastorear a Diocese de Pemba, norte de Moçambique. Ele aceita e traz toda essa sua “bagagem” para o exercício da sua missão episcopal, numa terra por ele conhecida.

Servir o povo moçambicano

Luiz conhecia de perto as dificuldades de Cabo Delgado porque já estava aqui como padre. Sabia bem os desafios que iria encontrar. Tenho certeza que seu “sim” à esta missão não passava por uma mera “vaidade”, mas pelo seu compromisso de servir o povo moçambicano.

Como bispo, Luiz sabia da necessidade de investir na formação dos padres moçambicanos, de acreditar nas jovens que se encantam com a Vida Religiosa, e formar os missionários filhos desta terra. No entanto, conhecemos as dificuldades do processo formativo sobretudo aqui na África. Não tem faltado este esforço. Atualmente cerca de cinquenta jovens estão nas diversas etapas da formação presbiteral.

Cabo Delgado
Cabo Delgado

Assegura a Palavra de Deus que o verdadeiro pastor é aquele que sente compaixão pelo povo. Para atender pastoralmente as regiões sem a presença dos Agentes de Pastoral, Luiz não pensou duas vezes: bateu em muitas portas solicitando a presença de padres, religiosas e religiosos, leigos e leigas que pudessem abraçar a missão ad gentes. Não se tratava de uma presença para aniquilar a ação missionária do animador, do catequista, dos ministros que já atuam nas comunidades, mas para somar. Para colaborar no que fosse preciso como uma Igreja ministerial.

Esta presença exige de nós, a pedagogia da ação missionária. Elementos que “estudamos” para uma melhor atuação pastoral. Não posso esconder que este é um desafio, um aprendizado constante. Sempre caímos na tentação de nos apegar às nossas referências, de dizer “porque lá no nosso país”... Por isso paramos muito na parte do Pai Nosso quando diz: “não nos deixeis cair em tentação”... tentação de trazer projetos elaborados de fora para um outro Continente e tantas outras tentações.

Missionários Saletinos

Fiz esta introdução para dizer que, Dom Luiz Fernando Lisboa, enquanto Bispo de Pemba, bateu à porta da comunidade religiosa da qual faço parte: Congregação dos Missionários de Nossa Senhora da Salette. Inicialmente, escreveu uma carta ao Superior Geral e depois, passando por Roma, visitou nossa casa. O convite foi muito bem acolhido até pela força do nosso carisma e pela visão do Conselho Geral daquele momento.

Quem conhece a dinâmica da Vida Religiosa sabe que esta resposta não é imediata. Existem palavras que fazem parte do processo de uma instituição: vamos discernir, rezar, colocar nas mãos de Deus. Também dos aspectos jurídicos: passar pela discussão das instâncias da Congregação.

Este processo levou quase três anos. Foi no dia 19 de setembro de 2017, data significativa para a nossa comunidade religiosa, pois celebramos o dia da Aparição de Nossa Senhora da Salette, que veio a decisão oficial, e a data da abertura desta missão: 12 de dezembro de 2017.

 

Missão de Muidumbe – Nangololo

Perguntamos: “Dom Luiz Fernando, onde a Diocese precisa de nós”? Ao qual ele respondeu: “Na Paróquia Sagrado Coração de Jesus, no Distrito de Muidumbe, na Região Pastoral Norte”. Para lá seguimos!

Esta missão é a segunda mais antiga da Diocese. Foi fundada em 1924 pelos padres monfortinos. É constituída por 26 comunidades, numa região conhecida como o Planalto do Povo Maconde.

No decorrer destes quase cem anos já trabalharam lá os Freis Capuchinhos, as Irmãs Missionárias da Consolata, os padres e irmãs diocesanos e desde 2017, os Missionários Saletinos.

A presença missionária na África, exige uma prática na área social. Embora sejam construções simples, os antigos missionários edificaram nesta missão as escolas (temos três mil alunos matriculados em 2020), uma Creche (com 80 crianças), Centro de Formação, Ambulatório Dentário, a casa dos padres, a casa das irmãs, uma rádio comunitária, o poço para fornecimento de água, etc.

Nosso dia a dia é corrido para atender estas demandas. Tudo isso com muita dificuldade. Estamos no “mato”. É uma missão com rosto rural. A diocese está em uma região muito pobre. Viemos conscientes de que não somos “salvadores da pátria”. No entanto não podemos ficar parados diante dos gritos que clamam por ações que podem ser encaminhadas.

As prioridades e a solidariedade

Fomos então priorizando algumas áreas: a saúde, o poço da água, a rádio comunitária, a creche, etc. Foram surgindo algumas dificuldades. Algumas delas acolhidas por amigos e amigas com gestos concretos. Desejávamos formar um grupo de costureiras para costurar os uniformes das crianças da creche e confeccionar bonecas de pano... Algumas amigas enviaram uma pequena máquina de costura do Brasil. Também a máquina de juntar as folhas secas na época do verão, os remédios para as doenças mais simples, o material para esporte, os terços ou material religioso... tudo isso chegava aqui com muita dificuldade. Nossos olhos brilhavam quando recebíamos. Parecíamos adolescentes ao receber um presente... Sempre priorizamos o que trazer. Mas em todos estes gestos era muito amor envolvido. Não se tratava de mandar para África o “presente para o coitadinho”, ou enviar o que não serve mais...

Tudo o que fomos construindo nestes três anos da nossa presença, foi fruto de amor e cumplicidade. Amigos e amigas movidos pelo sentimento da partilha e da solidariedade. Para nós cristãos não pode ser diferente, porque o mestre assim ensina: “os grandes pisam e oprimem, mas entre vocês não deve ser assim. Eu vim para servir” (Mc 10,45).

Tudo é conquistado com muita dificuldade. Tem gestos que pode parecer tão pequeno, no entanto, para quem recebe tem um sentido tão grande... Por exemplo, a alegria de um animador ao receber um terço... Como dói na alma o pessoal vir procurar Bíblia e não termos para oferecer nem onde comprar... Em nossa missão de 120 catequistas apenas 20 possuem a Bíblia.

Nestes três anos na missão em Muidumbe tudo foi sendo encaminhado com muita dificuldade: este mês vamos comprar uma lata de tinta, no próximo vamos ver de dar para comprar a porta... tudo é assim... Enfrentamos o ciclone, as enchentes, a falta de alimentos nos mercados... A naturalidade de tomar banho de caneco e limpar o vaso sanitário com o balde d’água...

Sei que estamos falando de “coisas” e cada investimento foi realizado a partir de critérios. Fomos aos poucos ajeitando a missão: arrumamos os livros da secretaria; a sacristia, os objetos e livros litúrgicos que ganhamos da Casa Geral; a Via Sacra que fizemos em forma de banner; as pastas com a história da missão, a pesquisa sobre a realidade da catequese que estava em andamento...

Em um dos cômodos da Casa Paroquial, quando fugimos da guerra, juntamos todo material da rádio (notebook, amplificador, microfones) o projetor... os equipamentos e máquinas, todo material de suporte dos projetos da missão, livros e pastas...

Os ataques terroristas

Como sabem, Cabo Delgado enfrenta uma guerra insana, que nunca nos foi dado uma explicação das suas reais motivações... No dia 30 de outubro os terroristas voltaram a ocupar o Distrito de Muidumbe onde fica a nossa Missão. Homens armados e violentos tomam conta por vinte dias de toda área da missão... Toda população foge para o mato. Nós nos refugiamos em Pemba, a capital e não tínhamos notícias da real situação que estava sob o controle dos terroristas. O povo no mato passando por momentos delicados, situações desumanas. Nós tentando contato com os animadores e favorecendo o envio de recursos para o transporte.

Finalmente, no dia 19 de novembro os terroristas abandonaram a Missão. Então algumas lideranças que estavam na única cidade que não havia sido atacada, mesmo correndo perigo, foram até a Aldeia de Muambula e, com muita dificuldade conseguem ligar para nós e comunicaram: “Está tudo destruído... a casa onde residíamos se transformou em cinzas... todos os equipamentos foram queimados. O templo onde fica a sede da Paróquia destruído... a sala da rádio comunitário queimada. A casa das irmãs destruída...”. Uma grande dor perpassa nosso coração! Não pelas “coisas”, entende? Mas pelo esforço de cada passo dado nessa Missão.

Aconteceram massacres e destruição

As lideranças relatam que, pelos caminhos, estão encontrando muitos corpos já em decomposição e que aconteceram massacres. As ações dos terroristas são violentas, muitas pessoas foram decapitadas, casas queimadas e derrubadas...

Esta dor não é apenas dos missionários. É a dor de um povo. Gente que continua sem localizar seus familiares. Pessoas que tiveram suas casas queimadas. Muitas pessoas assassinadas. Fala-se de massacres e de 500 mil deslocados. Vidas e vilas destruídas.

Temos recebido palavras de conforto de diversas partes. Todos nos dizem:  “o importante é a vida e saber que vocês estão seguros. Que estão na sede da Diocese para um dia ajudar o povo a reconstruir sua vida!”

É verdade! Mas tudo isso é muito dolorido. O povo espalhado por todos os lados. A solidariedade internacional é importante neste instante, mas imagine o que é encaminhar hospedagem, comida, remédio, água, barracas, lonas... para 500 mil pessoas...

Cabo Delgado quer paz!

Que cesse esta guerra cruel! Vem paz querida! Volte para junto de nós... Vem Espírito consolador a recuperar vidas destroçadas... Traz de volta o sorriso escancarado dos lábios deste povo, do olho vivo que fala, das danças e cantos... porque vivemos no luto, no canto sufocado, nas dores do corpo fraco da fuga das matas...

Nós missionários estamos seguros. Estamos com saúde. Estamos nos alimentando (realidade que não é para todos). Mas, neste momento, mesmo se não temos muito o que fazer, nosso lugar é aqui. Esta realidade exige a presença samaritana da Igreja. Esta guerra exige a voz profética da Igreja. O povo com o rosto da fome exige dos cristãos a partilha e a solidariedade.

Por favor, entenda-nos! Apoie-nos! Rezem e atuem em favor de Cabo Delgado. Cabo Delgado quer paz!

Pe. Edegard Silva Júnior é brasileiro, Missionário Saletino na Missão de Muidumbe, Cabo Delgado.

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22 novembro 2020, 12:48