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"Pedimos espaço na Igreja"

Uma escuta atenta? É mais fácil "respostas pré-fabricadas". Na “Christus vivit”, o Papa toca um ponto delicado da relação jovens-adultos na Igreja. O risco à espreita são as "leituras" desencorajadas do mundo juvenil, que espezinham uma realidade de sonhos e desejos de ser protagonistas do Evangelho. Raluca Cocut, romena de 26 anos, afirma com força: a Igreja é nossa "mãe", mas queremos ter voz em capítulo.

Christus vivit

parágrafos 64-85

 

64. Depois de observar a Palavra de Deus, não podemos limitar-nos a dizer que os jovens são o futuro do mundo: são o presente, estão a enriquecê-lo com a sua contribuição. Um jovem já não é uma criança, encontra-se num momento da vida em que começa a assumir várias responsabilidades, participando com os adultos no desenvolvimento da família, da sociedade, da Igreja. Mas os tempos mudam, colocando-se a questão: Como são os jovens hoje? Que sucede agora aos jovens?

Em positivo

65. O Sínodo reconheceu que os fiéis da Igreja nem sempre têm o comportamento de Jesus. Em vez de nos dispormos a escutá-los profundamente, «prevalece a tendência de fornecer respostas pré-fabricadas e receitas prontas, sem deixar assomar as perguntas juvenis na sua novidade e captar a sua interpelação».[24]Mas, quando a Igreja abandona esquemas rígidos e se abre à escuta pronta e atenta dos jovens, esta empatia enriquece-a, porque «permite que os jovens deem a sua colaboração à comunidade, ajudando-a a individuar novas sensibilidades e colocar-se perguntas inéditas».[25]

66. Hoje nós, adultos, corremos o risco de fazer uma lista de desastres, de defeitos da juventude atual. Alguns poderão aplaudir-nos, porque parecemos especialistas em encontrar aspetos negativos e perigos. Mas, qual seria o resultado deste comportamento? Uma distância sempre maior, menos proximidade, menos ajuda mútua.

67. A clarividência de quem foi chamado a ser pai, pastor ou guia dos jovens consiste em encontrar a pequena chama que continua a arder, a cana que parece quebrar-se (cf. Is 42, 3) mas ainda não partiu. É a capacidade de individuar percursos onde outros só veem muros, é saber reconhecer possibilidades onde outros só veem perigos. Assim é o olhar de Deus Pai, capaz de valorizar e nutrir os germes de bem semeados no coração dos jovens. Por isso, o coração de cada jovem deve ser considerado «terra santa», diante da qual nos devemos «descalçar» para poder aproximar-nos e penetrar no Mistério.

Muitas juventudes

68. Poderíamos procurar descrever as caraterísticas dos jovens de hoje, mas, antes de mais nada, quero registar uma observação dos Padres Sinodais: a própria «composição do Sínodo tornou visível a presença e a colaboração das diferentes regiões do mundo, evidenciando a beleza de ser Igreja universal. Embora num contexto de crescente globalização, os Padres Sinodais pediram para salientar as múltiplas diferenças entre contextos e culturas, inclusive dentro do mesmo país. Existe uma pluralidade de mundos juvenis, a ponto de se tender, nalguns países, a usar o termo “juventude” no plural. Além disso, a faixa etária considerada pelo presente Sínodo (16-29 anos) não representa um todo homogéneo, mas compõe-se de grupos que vivem situações peculiares».[26]

69. Partindo do ponto de vista demográfico, alguns países têm muitos jovens, enquanto outros possuem uma taxa de natalidade muito baixa. «Outra diferença deriva da história, que torna distintos os países e continentes de antiga tradição cristã, cuja cultura é portadora duma memória que não deve ser perdida, dos países e continentes marcados por outras tradições religiosas e onde o cristianismo tem uma presença minoritária e, por vezes, recente. Além disso, noutros territórios, as comunidades cristãs e os jovens que fazem parte delas são objeto de perseguição».[27]Deve-se distinguir também os jovens «que têm acesso às crescentes oportunidades oferecidas pela globalização de quantos, ao contrário, vivem à margem da sociedade ou no mundo rural suportando os efeitos de formas de exclusão e descarte».[28]

70. Existem muitas outras diferenças, que seria complexo referir aqui em detalhe. Por isso, não me parece oportuno demorar-me a oferecer uma análise exaustiva dos jovens no mundo atual, de como vivem e do que lhes sucede. Mas, como também não posso deixar de observar a realidade, assinalarei brevemente algumas contribuições que chegaram antes do Sínodo e outras que pude recolher durante o mesmo.

Algumas coisas que sucedem aos jovens

71. A juventude não é algo que se possa analisar de forma abstrata. Na realidade, «a juventude» não existe; o que há são jovens com as suas vidas concretas. No mundo atual, cheio de progresso, muitas destas vidas estão sujeitas ao sofrimento e à manipulação.

Jovens dum mundo em crise

72. Os Padres Sinodais assinalaram, com tristeza, que «muitos jovens vivem em contextos de guerra e padecem a violência numa variedade incontável de formas: raptos, extorsões, criminalidade organizada, tráfico de seres humanos, escravidão e exploração sexual, estupros de guerra, etc. Outros jovens, por causa da sua fé, têm dificuldade em encontrar um lugar nas suas sociedades e sofrem vários tipos de perseguição, que vai até à morte. Numerosos são os jovens que, por constrangimento ou falta de alternativas, vivem perpetrando crimes e violências: crianças-soldado, gangues armados e criminosos, tráfico de droga, terrorismo, etc. Esta violência destroça muitas vidas jovens. Abusos e dependências, bem como violência e extravio contam-se entre as razões que levam os jovens à prisão, com incidência particular nalguns grupos étnicos e sociais».[29]

73. Muitos jovens são mentalizados, instrumentalizados e utilizados como carne de canhão ou como força de choque para destruir, intimidar ou ridicularizar outros. E o pior é que muitos se transformam em sujeitos individualistas, inimigos e difidentes para com todos, tornando-se assim presa fácil de propostas desumanizadoras e dos planos destrutivos elaborados por grupos políticos ou poderes económicos.

74. «Ainda mais numerosos no mundo são os jovens que padecem formas de marginalização e exclusão social, por razões religiosas, étnicas ou económicas. Lembramos a difícil situação de adolescentes e jovens que ficam grávidas e a praga do aborto, bem como a propagação do SIDA/HIV, as várias formas de dependência (drogas, jogos de azar, pornografia, etc.) e a situação dos meninos e adolescentes de rua, que carecem de casa, família e recursos económicos».[30]E quando se trata de mulheres, estas situações de marginalização tornam-se duplamente dolorosas e difíceis.

75. Não podemos ser uma Igreja que não chora à vista destes dramas dos seus filhos jovens. Não devemos jamais habituar-nos a isto, porque, quem não sabe chorar, não é mãe. Queremos chorar para que a própria sociedade seja mais mãe, a fim de que, em vez de matar, aprenda a dar à luz, de modo que seja promessa de vida. Choramos ao recordar os jovens que morreram por causa da miséria e da violência e pedimos à sociedade que aprenda a ser uma mãe solidária. Esta dor não passa, acompanha-nos, porque não se pode esconder a realidade. A pior coisa que podemos fazer é aplicar a receita do espírito mundano, que consiste em anestesiar os jovens com outras notícias, com outras distrações, com banalidades.

76. Talvez «aqueles de nós que levamos uma vida sem grandes necessidades não saibamos chorar. Certas realidades da vida só se veem com os olhos limpos pelas lágrimas. Convido cada um de vós a perguntar-se: Aprendi eu a chorar, quando vejo uma criança faminta, uma criança drogada pela estrada, uma criança sem casa, uma criança abandonada, uma criança abusada, uma criança usada como escravo pela sociedade? Ou o meu não passa do pranto caprichoso de quem chora porque quereria ter mais alguma coisa?»[31]Procura aprender a chorar pelos jovens que estão pior do que tu. A misericórdia e a compaixão também se manifestam chorando. Se o pranto não te vem, pede ao Senhor que te conceda derramar lágrimas pelo sofrimento dos outros. Quando souberes chorar, então serás capaz de fazer algo, do fundo do coração, pelos outros.

77. Às vezes o sofrimento dalguns jovens é lacerante, um sofrimento que não se pode expressar com palavras, um sofrimento que nos fere como um soco. Estes jovens só podem dizer a Deus que sofrem muito, que lhes custa imenso continuar para diante, que já não acreditam em ninguém. Mas, neste grito desolador, fazem-se ouvir as palavras de Jesus: «Felizes os que choram, porque serão consolados» (Mt 5, 4). Há jovens que conseguiram abrir caminho na vida, porque lhes chegou esta promessa divina. Junto dum jovem atribulado, possa haver sempre uma comunidade cristã para fazer ressoar aquelas palavras com gestos, abraços e ajuda concreta!

78. É verdade que os poderosos prestam alguma ajuda, mas muitas vezes por um alto preço. Em muitos países pobres, a ajuda económica dalguns países mais ricos ou dalguns organismos internacionais costuma estar vinculada à aceitação de propostas ocidentais relativas à sexualidade, ao matrimónio, à vida ou à justiça social. Esta colonização ideológica prejudica de forma especial os jovens. Ao mesmo tempo, vemos como certa publicidade ensina as pessoas a estar sempre insatisfeitas, contribuindo assim para a cultura do descarte, onde os próprios jovens acabam transformados em material descartável.

79. A cultura atual promove um modelo de pessoa estreitamente associado à imagem do jovem. Sente-se belo quem se apresenta jovem, quem realiza tratamentos para cancelar as marcas do tempo. Os corpos jovens são constantemente usados na publicidade comercial. O modelo de beleza é um modelo juvenil, mas estejamos atentos porque isto não é um elogio para os jovens. Significa apenas que os adultos querem roubar a juventude para si mesmos, e não que respeitam, amam e cuidam dos jovens.

80. Alguns jovens «sentem as tradições familiares como opressivas e abandonam-nas sob a pressão duma cultura globalizada que às vezes os deixa sem pontos de referência. Entretanto, noutras partes do mundo, entre jovens e adultos não há um verdadeiro e próprio conflito geracional, mas um alheamento recíproco. Por vezes, os adultos não procuram ou não conseguem transmitir os valores basilares da existência ou então assumem estilos próprios dos jovens, transtornando o relacionamento entre as gerações. Assim, a relação entre jovens e adultos corre o risco de se deter no plano afetivo, sem tocar a dimensão educativa e cultural».[32]Quanto dano faz isto aos jovens, embora alguns não se deem conta! Os próprios jovens nos fizeram notar que isto dificulta imenso a transmissão da fé, «nalguns países, onde não há liberdade de expressão vendo-se impedidos de participar na vida da Igreja».[33]

Desejos, feridas e buscas

81. Os jovens reconhecem que o corpo e a sexualidade são essenciais para a sua vida e para o crescimento da sua identidade. Mas, num mundo que destaca excessivamente a sexualidade, é difícil manter uma boa relação com o próprio corpo e viver serenamente as relações afetivas. Por esta e outras razões, a moral sexual é frequentemente «causa de incompreensão e alheamento da Igreja, pois é sentida como um espaço de julgamento e condenação». Ao mesmo tempo, os jovens expressam de maneira explícita o desejo de se confrontar sobre «as questões relativas à diferença entre identidade masculina e feminina, à reciprocidade entre homens e mulheres, e à homossexualidade».[34]

82. No nosso tempo, «os progressos da ciência e das tecnologias biomédicas incidem fortemente na perceção do corpo, induzindo a pensar que se pode modificar sem limites. A capacidade de intervir no DNA, a possibilidade de inserir elementos artificiais no organismo (cyborg) e o desenvolvimento das neurociências constituem um grande recurso, mas ao mesmo tempo levantam questões antropológicas e éticas».[35]Podem levar-nos a esquecer que a vida é um dom, que somos seres criados e limitados, podendo facilmente ser instrumentalizados por quem detém o poder tecnológico.[36] «Além disso, em alguns contextos juvenis, difunde-se a atração por comportamentos de risco como instrumento para se explorar a si mesmo, procurar emoções fortes e obter reconhecimento. (…) Estes fenómenos, a que estão expostas as novas gerações, constituem um obstáculo para o amadurecimento sereno».[37]

83. Nos jovens, encontramos também, gravados na alma, os golpes recebidos, os fracassos, as recordações tristes. Muitas vezes «são as feridas das derrotas da sua própria história, dos desejos frustrados, das discriminações e injustiças sofridas, de não se ter sentido amado ou reconhecido». Além disso, temos «as feridas morais, o peso dos próprios erros, o sentido de culpa por ter errado».[38]Jesus faz-Se presente nestas cruzes dos jovens, para lhes oferecer a sua amizade, o seu alívio, a sua companhia sanadora, e a Igreja quer ser instrumento d’Ele neste percurso rumo à cura interior e à paz do coração.

84. Nalguns jovens, reconhecemos um desejo de Deus, embora não possua todos os delineamentos do Deus revelado. Noutros, podemos vislumbrar um sonho de fraternidade, o que já não é pouco. Em muitos, existe um desejo real de desenvolver as capacidades de que são dotados para oferecerem algo ao mundo. Nalguns, vemos uma sensibilidade artística especial, ou uma busca de harmonia com a natureza. Noutros, pode haver uma grande necessidade de comunicação. Em muitos deles, encontramos o desejo profundo duma vida diferente. Trata-se de verdadeiros pontos de partida, energias interiores que aguardam, disponíveis, uma palavra de estímulo, luz e encorajamento.

85. O Sínodo tratou de maneira especial três temas de grande importância, cujas conclusões desejo acolher textualmente, embora nos exijam ainda avançar numa análise mais ampla e desenvolver uma capacidade de resposta mais adequada e eficaz.

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17 outubro 2019, 12:00