O processo do Tribunal Vaticano sobre a gestão dos fundos da Santa Sé (Vatican Media) O processo do Tribunal Vaticano sobre a gestão dos fundos da Santa Sé (Vatican Media)

Mincione: eu não queria vender o Prédio de Londres, para mim foi uma derrota

Vigésima audiência no processo por suposto uso indevido de fundos da Secretaria de Estado. O financista foi interrogado por cerca de sete horas e continuará esta terça-feira: "Não era apenas um edifício, era um projeto que eu queria desenvolver"

Salvatore Cernuzio – Vatican News

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Cerca de dezoito pastas azuis cheias de papéis, faturas, documentos, e-mails e mensagens impressas foram levadas esta segunda-feira, 6 de junho, à sala multifuncional dos Museus vaticanos, poucos minutos antes do início da vigésima audiência no processo por supostos ilícitos envolvendo fundos da Secretaria de Estado. O financista Raffaele Mincione as consultou vez ou outra durante as aproximadamente sete horas em que foi interrogado por três membros do Gabinete do Promotor de Justiça, respondendo na maioria das vezes com base em suas próprias lembranças ou na experiência que desenvolveu em mais de trinta e cinco anos - como ele especificou no início da audiência - no mundo das finanças estruturadas. E é justamente a esse mundo, com seus investimentos de risco, taxas, depósitos, bens e vaivéns, que Mincione se referiu com jargão técnico, às vezes difícil de entender, para responder às perguntas do Ministério Público, sugerindo que se teria que trabalhar nessas áreas para entender como certas práticas e negociações que podem parecer especulativas, são ao invés disso parte da normalidade.

As acusações

Mincione foi acusado de desvio de fundos, fraude, abuso de cargo, apropriação indébita e lavagem de dinheiro. Entre as várias acusações, todas relacionadas à transação de compra e venda do edifício 60 da Sloane Avenue, encontra-se a de que o corretor teria sido o principal recebedor do dinheiro do qual a Secretaria de Estado teria sido "depauperada", mais de 350 milhões de euros. "Alegadas perdas", segundo Mincione, que seriam "todas a serem atribuídas à Secretaria de Estado, que renunciou às aprovações do edifício sem vendê-lo ou iniciar os trabalhos". Para os Promotores de Justiça, ao invés, os bens da Santa Sé (cerca de 46%) foram supostamente desviados para empresas que se referiam a Mincione ou nas quais ele tinha interesses pessoais, dos quais teria se apropriado indevidamente.

Interrogatório de cerca de sete horas

Acusações rejeitadas por Mincione no longo interrogatório, conduzido por sua vez pelos promotores Roberto Zannotti, Gianluca Perone e, na parte da tarde, por Alessandro Diddi. Antes de se submeter às perguntas, o réu quis denunciar a "humilhante exposição midiática" que o "esfolou como um delinquente". Ele, um profissional de longa data, como ele mesmo se definiu, com papéis de responsabilidade para bancos centrais e gigantes até mesmo no setor petrolífero (citou Gazprom e Petrobras), com experiência em Londres, Nova Iorque, Tóquio e Moscou, que também tinha lidado com o Vaticano no final dos anos 90, conduzindo um negócio que "tinha feito ganhar muito dinheiro antes da entrada do Euro". "Esta é a primeira vez que me encontro em tal situação", disse ele. "Nunca fui multado em meus 35 anos de carreira, nunca recebi uma reprimenda dos bancos centrais que regulam nosso trabalho". Agora, disse Mincione, "além da narrativa da mídia, extraída das atas, onde sou pintado de uma forma terrível, estou aqui me defendendo dos rumores, porque até agora ainda não entendi os fatos contestados". Palavras às quais o presidente do Tribunal vaticano, Giuseppe Pignatone, respondeu: "Os rumores e a mídia, o Tribunal não os leu no passado, não os considerará no futuro. Agimos de acordo com a consciência".

A operação de Londres

Os fatos foram, portanto, o foco das sete horas seguintes da audiência. E também os números. Começando com os milhões do Prédio de Londres, comprado em 2012 por 137 milhões de esterlinas, que se tornaram 260 milhões de esterlinas após várias avaliações. Mincione reivindicou repetidamente a validade deste "belo projeto". "Um projeto", frisou ele, porque "a confusão nesta história é falar de um prédio quando se trata de um projeto". Na verdade, a ideia era comprar o antigo depósito Harrod’s, mudando seu destino para escritórios e renovando-o como habitação, e depois revendê-lo. "É um belo edifício, passo por ele todas as manhãs quando levo minha filha à escola. Eu não queria vender o edifício, esperava mantê-lo e desenvolvê-lo".

O negócio de Angola rejeitado

A hipótese de compra e venda surgiu após a rejeição do negócio com um poço de petróleo em Angola. Foi o próprio Mincione que impediu a Santa Sé de prosseguir com o investimento, pois não oferecia garantias suficientes e havia muitos aspectos reputacionais em jogo. Mincione estava envolvido no assunto porque foi indicado como consultor especializado pelo banco histórico de referência da Secretaria de Estado, o Credit Suisse, cujo antigo gerente de área Enrico Craso era consultor financeiro do Dicastério desde os anos 90. Mincione realizou diligências durante um ano e meio para detectar várias questões críticas no negócio do petróleo. Sua taxa era de 500 mil dólares "em caso de aprovação ou não". Do fracasso dessa operação, para a qual foi criado o fundo Athena, surgiu a proposta ao Credit Suisse e ao Banco Suíço italiano de investir na 60SA, a empresa que possuía a propriedade londrina, com a transferência das ações em outro fundo, o Goff. Em certo ponto das duas diligências, parecia que o investimento em Angola deveria ser de 100 milhões de esterlinas, ao invés dos 200 milhões hipoteticamente estipulados no início". A certa altura, explicou Mincione, foi proposto a Crasso devolver o dinheiro investido, mas "a Secretaria de Estado, contente com a forma como a operação em Angola tinha sido tratada, nos disse que ‘o dinheiro havia, guarde-o, invista-o’". Era também um momento em que as taxas de juros eram zero e custava para manter o dinheiro no banco. Investir era a escolha certa, disse Mincione na sala do Tribunal, esclarecendo que, como gestores independentes, "não precisávamos de nenhuma autorização para administrar os fundos confiados. Só tivemos que administrá-los de acordo com um prospecto que o investidor aceita". 

Desinvestir

Logo, a Secretaria de Estado decidiu sair do fundo. Para Mincione, esse foi um dos principais erros: "Meu fundo - explicou ele - não investe em operações ordinárias, nunca é um morde e foge, os fundos investidos são bloqueados por um período fixo de 5 anos + 2... Se a Secretaria de Estado tivesse esperado pelo período de bloqueio, ela teria até tido um ganho de capital de cerca de 20 milhões". Entre outras coisas, o réu prosseguiu explicando que haviam sido criados instrumentos "adequados" para a Santa Sé, considerada um "investidor profissional" como um "Estado soberano", com fortes implicações em termos de reputação. Ou seja, tinha sido criado um "fundo equilibrado" (o Goff, precisamente) que diferia das atividades habituais dos fundos de Mincione, que sujeitam aqueles que os subscrevem a um "risco". A Secretaria de Estado decidiu desinvestir mesmo assim: "Fiquei perplexo, não haveria nenhuma perda".

O papel de Torzi

Foi nesta fase, como já reconstruído por Tirabassi e Crasso em seus interrogatórios, que o corretor Gianluigi Torzi entrou nas negociações. Ele deveria convencer Mincione a encontrar um acordo para tirar a Santa Sé do fundo Athena. Como é sabido, em dezembro de 2018 foi organizada uma reunião em Londres, no próprio escritório do corretor, para redigir o contrato que iria decretar a transação. Torzi "era totalmente fundamentado pela Santa Sé", disse Mincione, explicando que o corretor certa vez lhe confidenciou "que sentia que estava sendo usado por Crasso, que o havia enviado à frente para convencer-me a vender minha parte. Se me tivessem pedido, eu a teria vendido". Todo o caso 'foi uma derrota para mim', concluiu Mincione, "fui mandado embora por um cliente que eu tanto admirava". O interrogatório continua esta terça-feira, 7 de junho.

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07 junho 2022, 12:15