Crianças iemenitas caminham próximas à prisão destruída pela guerra em Saada, norte do Iêmen. (Photo by AFP) Crianças iemenitas caminham próximas à prisão destruída pela guerra em Saada, norte do Iêmen. (Photo by AFP) 

Entre 2005 e 2020, mais de 266 mil violações graves de crianças em mais de 30 conflitos

Entre 2005 e 2020, mais de 104.100 crianças foram mortas ou mutiladas em situações de conflito armado; mais de 93.000 crianças foram recrutadas e usadas por partes em conflito; pelo menos 25.700 crianças foram sequestradas por partes em conflito; as partes em conflito estupraram, forçaram o casamento, exploraram sexualmente e cometeram outras formas graves de violência sexual em pelo menos 14.200 crianças; as Nações Unidas verificaram mais de 13.900 incidentes de ataques a escolas e hospitais.

Mais de 266.000 violações graves contra crianças em mais de 30 situações de conflito na África, Ásia, Oriente Médio e América Latina. É o que revela o relatório "25 anos de crianças e conflitos armados: tomando medidas para proteger as crianças na guerra", divulgado nesta terça-feira, 28, pelo Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância.

Longe de representar a totalidade dos casos, os dados representam apenas uma fração das violações que se acredita terem ocorrido, visto que o acesso e a segurança limitados, entre outros fatores, somados à vergonha, à dor e ao medo que as crianças sobreviventes e suas famílias muitas vezes sentem, dificultam a denúncia, documentação e verificação de violações graves contra crianças em situações de conflito armado.

 

No detalhe, o relatório observa que entre 2005 e 2020 foram verificados mais de 104.100 casos de crianças mortas ou mutiladas em situações de conflito armado, mais de 93.000 crianças foram recrutadas e usadas pelas partes em conflito; pelo menos 25.700 crianças foram sequestradas por partes em conflito; as partes do conflito estupraram, forçaram o casamento, exploraram sexualmente e cometeram outras formas graves de violência sexual em pelo menos 14.200 crianças. As Nações Unidas verificaram mais de 13.900 incidentes de ataques a escolas e hospitais e nada menos que 14.900 incidentes de negação humanitária de acesso para crianças desde 2005.

A diretora-geral do UNICEF, Catherine Russell, afirma que "este relatório destaca nos termos mais cruéis possíveis a incapacidade do mundo de proteger suas crianças de graves violações durante conflitos armados (...). Graves violações – acrescenta - devastam crianças, famílias e comunidades – e rasgam o tecido da sociedade, tornando ainda mais difícil restaurar e manter a paz, a segurança e a estabilidade. Devemos nos recusar a aceitar violações contra crianças como um resultado inevitável da guerra".

Baseado em 16 anos de informações do Relatório Anual do secretário-geral da ONU sobre crianças e conflitos armados, o relatório apresenta o impacto que os conflitos armados tiveram sobre as crianças, apresentando o estado das graves violações em todo o mundo e ao longo do tempo.  O relatório examina como as informações sobre modelos documentados de violações graves são usadas para atender às necessidades das crianças e como o empenho com as partes conflitantes - atores estatais e não estatais - permite o fim e a prevenção de violações graves.

Aumento das violações a partir de 2005

 

O número anual de violações verificadas tem aumentado gradativamente desde 2005, ultrapassando 20.000 por ano pela primeira vez em 2014 e chegando a 26.425 em 2020. Entre 2016 e 2020, a média diária global de violações graves verificadas atingiu a alarmante cifra de 71. O elevado número de violações observado nos últimos anos demonstra o impacto dramático que os conflitos armados – e as crises de proteção cada vez mais complexas e prolongadas– têm sobre as crianças.

O relatório observa que muitas crianças sofrem mais de uma violação, aumentando sua vulnerabilidade. Por exemplo, o rapto está frequentemente associado a outras violações, nomeadamente ao recrutamento e uso de crianças e à violência sexual. Crianças - especialmente meninas - que foram sequestradas e/ou associadas a partes em conflito estão expostas a altos riscos de violência sexual, incluindo estupro, exploração sexual e casamento forçado.

O relatório mostra que graves violações de crianças foram cometidas por todas as partes do conflito, tanto por atores estatais como não estatais. Entre 2016 e 2020, atores estatais - incluindo forças e coalizões nacionais e internacionais - foram responsáveis ​​por pelo menos 26% de todas as violações, enquanto atores não estatais por cerca de 58% de todas as violações verificadas, ressaltando a importância de envolver todas as partes no conflito, incluindo atores não estatais, para pôr fim e prevenir violações contra crianças.

Para fortalecer a responsabilidade, as partes em conflito listadas no Relatório Anual do secretário-geral sobre crianças e conflitos armados desenvolvem e implementam Planos de Ação com ações específicas, concretas e com prazo determinado para estabelecer medidas sustentáveis ​​para proteger as crianças do impacto dos conflitos.

Planos de Ação

 

Entre 2005 e 2021, um total de 37 Planos de Ação em 17 situações de conflito foram assinados pelas partes em conflito. Cerca de 70% dos Planos de Ação foram assinados com atores não estatais, enquanto os 30% restantes foram assinados com atores estatais. O relatório apresenta vários exemplos que destacam o valor fundamental e o impacto dos Planos de Ação na produção de mudanças positivas para as crianças, tanto imediatamente quanto a longo prazo, bem como delineando desafios e obstáculos.

O número cada vez maior de atores não estatais armados, o desenvolvimento e implantação de novos meios e métodos de guerra, o uso de IED e outras armas explosivas, particularmente em áreas povoadas, são apenas alguns dos muitos fatores que contribuem para criar desafios sem precedentes. para a proteção de crianças em situações de conflito armado.

O relatório também mostra que crianças de origens mais pobres e crianças com status ou características específicas – incluindo refugiados, pessoas deslocadas internamente e crianças indígenas, entre outros - continuam a correr um maior risco de violações graves.

Afeganistão, Israel e Palestina, Síria, Iêmen e Somália

 

Os dados disponíveis por sexo, indicam que os episódios verificados de violações graves afetaram principalmente os meninos. Por exemplo, em 2020, os meninos representaram 73% das vítimas entre as crianças, a maioria delas vítimas de recrutamento e uso (85% meninos), sequestro (76% meninos), assassinato e mutilação (70% meninos). As meninas, por outro lado, representavam um quarto (26%) de todas as crianças vítimas e 98% das crianças vítimas de estupro e outras formas graves de violência sexual.

Entre 2016 e 2020, 79% de todas as mortes infantis confirmadas – ou aproximadamente 41.900 crianças – ocorreram em apenas cinco situações: Afeganistão (30%), Israel e Estado da Palestina (14%), Síria (13%), Iêmen (13 %) e Somália (9%).

O uso de armas explosivas, particularmente em áreas povoadas e de amplo efeito, representa uma ameaça permanente para as crianças e suas famílias. Somente em 2020, armas explosivas e restos explosivos de guerra foram responsáveis ​​por pelo menos 47% de todas as mortes de crianças, com mais de 3.900 crianças mortas e mutiladas.

É importante notar que o aumento das violações ao longo do tempo também ressalta a força crescente do mecanismo de monitoramento e comunicação ao longo dos anos. O desenvolvimento de diretrizes sobre monitoramento e notificação, formação e capacitação do pessoal da ONU e seus parceiros na documentação de violações graves e na conscientização de famílias e comunidades sobre os riscos de proteção à criança contribuíram para fortalecer o mecanismo e permitir que ele reúna mais informações sobre violações graves contra crianças.

As recomendações do relatório, com base nos dados e análises apresentados visam, entre outros, mobilizar todas as partes interessadas, incluindo partes conflitantes, Estados e o Conselho de Segurança das Nações Unidas, para proteger as crianças de forma eficaz e sustentável e acelerar a ação a nível local, nacional, regional e global.

*Com UNICEF

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28 junho 2022, 12:52