Imagens desta segunda-feira (17) no Sudão Imagens desta segunda-feira (17) no Sudão  (faiz)

Núncio Apostólico no Sudão: esperamos que não degenere em guerra civil

Da capital Cartum, a entrevista com dom Muñoz Cárdaba, preocupado com o que ele chama de uma situação "arriscada" e "séria". Os combates também chegaram muito perto da Nunciatura, onde grupos de soldados invadiram a missa de domingo, 16 de abril. Os combonianos também estão assustados, trancados em casa, sem a possibilidade de sair. De Roma, fala a conselheira geral, Irmã Reboldi: "para estes povos, a paz é um sonho"

John Baptiste Munyambibi e Antonella Palermo - Vatican News

Os confrontos entre o exército governamental e as forças paramilitares no Sudão se intensificaram. O Sindicato dos Médicos informou sobre o número de feridos desde o início dos eventos: 942, incluindo civis e militares. O chefe da missão da ONU no Sudão, Volker Perthes, disse estar "extremamente desapontado" com o fato de que os dois lados só haviam "cumprido parcialmente" as três horas de "trégua humanitária" que haviam confirmado aceitar no domingo, um dia após o início das hostilidades no Sudão.

Os interesses econômicos no país

O exército de Burhan, presidente do Conselho Soberano Transitório - de fato chefe de estado do Sudão após o golpe de Estado de 25 de outubro de 2021 - mas também as milícias paramilitares de Hemdti, têm enormes interesses econômicos. O exército controla grande parte da atividade econômica do país, as FSR tem várias minas de ouro nas mãos, uma delas delas até compartilhariam com mercenários russos da Companhia Wagner. Hmedti, de fato, tem laços estreitos com Moscou, enquanto o maior parceiro comercial do Sudão continua sendo a China. Os dois nunca tiveram uma cooperação sincera, mas apenas o interesse contingente de expulsar os civis do poder. Hemedti tem denunciado repetidamente o "fracasso" de um golpe que, segundo ele, restauraria o antigo regime de al-Bashir. A verdadeira dissidência, entretanto, surgiu quando se tratou de assinar o acordo para iniciar o processo político que devolveria o poder no Sudão às mãos de civis.

O presidente da Itália, Sergio Mattarella, também comentou sobre os acontecimentos no país no final de sua conversa com o presidente polonês Andrzej Duda: "o que está acontecendo no Sudão é alarmante", disse ele, "e a ação de Wagner em tantos países africanos chama a OTAN e a UE para um grande alarme e requer uma ação ativa e de liderança da União Europeia que está comprometida com esta frente".

Muñoz Cárdaba sobre acordo de transição 

No centro de Cartum, a capital, na manhã desta segunda-feira (18) houve "bombardeios aéreos, fogos de canhão e lançamento de mísseis terra-terra", inclusive na área onde se encontra a embaixada italiana: isso foi relatado pela agência italiana de notícias Ansa, citando fontes informadas. A situação humanitária é crítica: a União dos Médicos Sudaneses relatou que hospitais em Cartum e outras cidades do país foram atacados com canhões e armas de fogo e vários deles estavam "completamente inativos" durante os confrontos.

Por telefone, o núncio apostólico Luís Miguel Muñoz Cárdaba, conta: "hoje é o terceiro dia desse combate, na verdade uma guerra entre os militares das Forças Armadas e os paramilitares das Forças de Apoio Rápido. Após dias e semanas de tensão, infelizmente uma guerra de fato eclodiu. A situação é grave, séria, com combates na capital, mas também em outras cidades do país. Combates fortes e pesados, com artilharia, aeronaves.... Estamos em uma situação preocupante e até ameaçadora para a vida, especialmente para os civis. As pessoas estão trancadas em suas casas, incapazes de sair, sem poder ir ao mercado para comprar, porque é realmente arriscado".

Perto da Nunciatura, localizada em uma área ao norte da capital que é tradicionalmente "pacífica e serena", onde as embaixadas e a residência do primeiro;ministro (atualmente ausente) estão localizadas, "infelizmente no domingo a situação pela manhã foi muito grave", explica o núncio. "Os combates estavam muito próximos. Três grupos de soldados entraram na Nunciatura durante a missa, os soldados chegaram, queriam talvez usar o jardim da Nunciatura como um posto para combater com os outros, os inimigos. Mas, graças a Deus, depois de meia hora eles partiram sem incidentes. Aqui as balas estão voando como em toda a cidade". Estes são "vários soldados" que "entraram, talvez fugindo dos outros, subiram a cerca da Nunciatura e ficaram aqui por meia hora. Outros passaram, fugindo, mas sem nenhum incidente em particular".

Apelo para parar os combates

O apelo de Muñoz Cárdaba está na esteira da mensagem que o Papa dirigiu no domingo ao povo sudanês ao final do Regina Coeli. Em particular, o núncio dirige-se aos "atores da guerra", pedindo "para parar os combates e encontrar soluções de diálogo e paz". Uma mensagem compartilhada por muitos outros grupos, países, organizações internacionais que estão tentando mediar e deter esta tensão", enfatizou o representante diplomático. "Chegou em um momento muito triste porque com estes confrontos talvez a possibilidade de alcançar um acordo político entre diferentes partidos, grupos armados, a sociedade civil possa ser frustrada. Havia esperança. A assinatura deste acordo de transição democrática e também a formação de um novo governo civil era esperada no início de abril. Mas infelizmente existe agora o risco de que isto possa não vier a acontecer e que este conflito possa ser prolongado e até provocar, Deus nos livre, uma guerra civil, esperemos que não, esperemos o melhor".

Combonianas: fechadas em casa, sem luz, tiros contínuos

Na verdade, muitos analistas concordam que é improvável que as negociações sejam retomadas antes que um lado prevaleça sobre o outro, ou antes que ambos os lados sofram perdas pesadas na medida em que sejam forçados a negociar. Muitos argumentam que mesmo que um lado ganhe, particularmente na capital Cartum, a guerra pode continuar em outras partes do país. Entretanto, é a população civil que sofre. Mais de um terço dos 45 milhões de habitantes sudaneses já precisavam de ajuda humanitária antes da eclosão desta crise.

As missionárias combonianas no país também estão passando por dias de grande agitação. De Roma, a conselheira geral da Congregação, Ir. Eleonora Reboldi, relata sua situação, baseando-se apenas nas poucas mensagens via WhatsApp que consegue receber: "nossas irmãs que estão na cidade de Cartum estão fechadas em casa há três dias sem qualquer possibilidade de sair. A luz foi cortada, elas estão praticamente cercadas e há tiroteio contínuo", relata a freira. "Há estes grupos que estão lutando principalmente para chegar ao aeroporto". As irmãs estão lá e estão pedindo para rezar. Elas estão esperando que a situação se acalme um pouco. Estou em contato por telefone com as outras congregações do país e com as outras comunidades".

O pedido por orações fortes

O serviço das Irmãs Combonianas no país está concentrado principalmente nos setores escolar e de saúde. Há cerca de trinta irmãs desta congregação no Sudão, em Cartum há de sete a oito irmãs. Na ala da maternidade, que elas dirigem na capital, assim como nas escolas, elas estão tentando realizar seus ministérios em uma situação tensa que agora se precipitou.

À luz dos preocupantes acontecimentos no Sudão, Ir. Eleonora expressa a beleza que permeou as irmãs que viveram a recente visita do Papa à África, particularmente no vizinho Sudão do Sul: "elas sentiram a perspectiva de paz que o povo está experimentando como uma oportunidade e uma abertura para passos concretos em direção a esta paz desejada que infelizmente está lutando para ser realizada. Esta situação de conflito", observa ela, "traz as pessoas de volta a uma condição de grande sofrimento porque a falta de paz coloca a todos em uma condição de desânimo e para estes países, onde a paz tem faltado por tanto tempo, a paz é um sonho que as pessoas carregam em seus corações".

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18 abril 2023, 08:00