Mons. Bernard Munono Muyembe, na Sala Marconi, Rádio Vaticano, no dia 1 de Julho de 2018 no lançamento do livro "Itinerários de Amílcar Cabral" Mons. Bernard Munono Muyembe, na Sala Marconi, Rádio Vaticano, no dia 1 de Julho de 2018 no lançamento do livro "Itinerários de Amílcar Cabral" 

Paulo VI e o desenvolvimento humano hoje - Mons. Munono

Em véspera da canonização do Papa Paulo VI, evocamos a sua atenção para com a África e a encíclica “Populorum Progressio”, cuja actualidade foi recentemente ilustrada por Mons. Munono Muyembe numa conferencia/apresentação do livro “Itinerários de Amílcar Cabral”, na Sala Marconi da Radio Vaticano.

Dulce Araújo - Cidade do Vaticano 

Domingo 14 de Outubro, o Papa VI será proclamado Santo. É um Papa que ficou gravado no coração dos africanos por algumas razões específicas: foi o primeiro pontífice a visitar a África: o Uganda, em 1969, ocasião em que inaugurou o Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagáscar – SCEAM; ordenou doze bispos para vários países do continente e encorajou a levar avante a missão evangelizadora com vigor, método e coragem.

Na sua, na sua mensagem “Africae Terrarum” (Terra da África), de 1967 ficou patente o seu respeito e valorização (crítica) da cultura africana. Célebres estas suas duas frases aos bispos, aos fiéis africanos: “Vós já sois os missionários de vós mesmos”, ou “vós podeis e deveis ter um cristianismo africano”, aludindo assim à necessidade de inculturar, ou seja adaptar o Evangelho de Cristo à cultura africana.

Nessa mesma ocasião, o Papa Paulo VI consagrou o altar do Santuário dos vinte e dois mártires católicos do Uganda, que havia canonizado no Vaticano em 1964.

Um outro gesto do Papa Paulo VI que ficou no coração dos africanos, foi a breve audiência que concedeu a 1 de Julho de 1970 aos líderes da luta de libertação das então colónias portuguesas,  audiência que teve uma grande importância, ao ponto de Portugal ter rompido as relações diplomáticas com a Santa Sé.

Paulo VI fez esse gesto com base nas suas reflexões sobre o desenvolvimento, na convicção do direito dos povos todos a uma vida melhor e à autodeterminação, enfim, com base numa leitura dos sinais dos tempos, muito evidente na sua famosa encíclica “Populorum Progressio” – que aliás ofereceu aos três líderes: Agostinho Neto, de Angola; Marcelino dos Santos, de Moçambique; Amílcar Cabral, de Cabo Verde e Guiné-Bissau.

Populorum Progressio

Da encíclica Populorum Progressio e o Desenvolvimento Humano Integral hoje, falou pormenorizadamente Mons. Bernard Munono Muyembe oficial do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. Foi no dia 1 de Julho deste ano, na Sala Marconi da Rádio Vaticano, por ocasião da conferencia/apresentação do livro “Itinerários de Amílcar Cabral”.

Mons. Munono que representava o Cardeal Peter Turkson, Prefeito do referido Dicastério, sublinhou que uma reflexão aprofundada sobre a encíclica do Beato Papa Paulo VI pode ajudar a compreender a questão do desenvolvimento  que hoje anda na boca de todos. Basta pensar nos objectivos do desenvolvimento sustentável de que se fala tanto. Paulo VI já tinha consciência, no seu tempo dessa importante questão. Então, nas pegadas do Concílio Vaticano II e em continuidade com o magistério da Igreja sublinhou que o desenvolvimento era o novo nome da paz, ou seja que sem um desenvolvimento digno e équo entre todos os habitantes da terra, não haverá paz. Enfim, justiça, paz e desenvolvimento caminham juntos e se sustentam um ao outro.

Um outro ponto importante que Paulo VI sublinhava na sua enciclia – recordou Mons. Munono - é que “o autentico desenvolvimento do homem diz respeito unitariamente à totalidade da pessoa em todas as suas dimensões. (…). “Para ser autentico o desenvolvimento deve ser integral, isto é orientado para a promoção de cada homem… O que conta para nós é o homem, cada homem, cada grupo de homens, até compreender a humanidade inteira.”

Nesta linha Paulo VI instituíra o Conselho Pontifício Justiça e Paz para levar avante o ideal expresso na Populorum Progresso, documento que inspirou diversos outros, dos Papas sucessivos, sobre o desenvolvimento. E passados 50 anos da encíclica e da criação do Conselho Pontifício Justiça e Paz, o Papa Francisco fez coincidir com este aniversário o surgimento do novo Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral que engloba o antigo Pontifício Conselho Justiça e Paz e outros organismos vaticanos de caracter social.

O que entedia Paulo VI por desenvolvimento? 

Mas, afinal de contas, o que se entende exactamente por desenvolvimento? Mons. Munono fez questão de explicar o conceito na linha de Paulo VI:

O Beato Paulo VI parte da aspiração dos homens, isto é do seu desejo de “fazer, de conhecer, de ter mais, para ser mais.” Daí que ele entenda o desenvolvimento como uma passagem, isto é uma passagem,  para cada um e para todos, de condições menos humanas para condições mais humanas” e, portanto, como um ideal a perseguir, porque o desenvolvimento não é um ponto de chegada, mas sim uma meta a atingir, uma chamada, uma vocação ao florescimento pessoal e social.”

Isto implica para a Igreja e não só, ter uma visão antropológica correcta do homem e ajudá-lo a atingir esse pleno florescimento a que aspira. Para isso é preciso estar atentos aos sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho como preconizava o Papa Paulo VI. Uma Igreja viva na história do homem, acompanhando-a com a luz de Cristo ressuscitado, e com olhos postos em todas as dimensões do desenvolvimento – o desenvolvimento integral, expressão lançada por Paulo VI e que o Papa Francisco explicou magistralmente no dia da inauguração do novo Dicastério – frisou o oficial, Mons. Munono.

Integração de diversos povos da terra; integração social que permite a cada membro da sociedade dar algo para o bem de todos no espírito do princípio da subsidiariedade; integração de vários elementos do desenvolvimento (economia, finanças, trabalho, cultura, vida familiar, religião) ninguém excluído; integração da dimensão individual e comunitária, longe de visões ideológicas e poderes políticos que esmagam a pessoa, destituindo-a de liberdade e explorando-a mediante imposição de regras de um mercado global; por fim, integração entre corpo e alma, porque o desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento humano, mas – como dizia Bento XVI “ - requer, para além disso, uma visão transcendente da pessoa, precisa de Deus: sem Ele, o desenvolvimento ou é negado ou é confiado unicamente às mãos dos homens que cai na presunção de auto-salvação e acaba por promover um desenvolvimento desumanizado”.

O desenvolvimento implica, portanto, atenção à vida espiritual, à relação com Deus, fonte de misericórdia, de perdão, de acolhimento do próximo, de justiça e de paz.  E cada um deve ser protagonista consciente e responsável do desenvolvimento, do bem comum. Sem pessoas rectas, profissionalmente preparadas e moralmente coerentes, não é possível o desenvolvimento.

Trata-se de construir um mundo em que cada homem, sem exclusão de raça, de religião, de nacionalidade, possa viver uma vida plenamente humana (…)”.

Necessidade de reforma estruturais urgentes

Mas está claro que tanto no tempo do Papa Paulo VI como hoje, são necessárias reformas estruturais a urgentes, seja a nível nacional, seja global para que não se perca de vista o homem e o desenvolvimento preconizado na encíclica de Paulo VI e em documentos subsequentes da Igreja possam verificar-se.  

Então o desenvolvimento precisa de uma “escala de valores”, valores que tenham no centro a dignidade humana – pôs em relevo Mons. Munono. A concluir ele recordou o apelo do Papa Paulo VI ao diálogo, o seu impulso a favor de uma Igreja que dialoga com o mundo em que se encontra, uma Igreja que é palavra, uma Igreja que se faz mensagem, que faz colóquio (…):  

Ela deve estar pronta a suster o dialogo com todos os homens de boa vontade, dentro e fora do seu âmbito próprio. Ninguém é estranho ao seu coração. Ninguém é indiferente para o seu ministério. Ninguém é sua inimiga, a não ser que queira ele próprio sê-lo.

Estamos a viver um momento favorável à união de esforços, ao diálogo com todos os homens de boa vontade, para  não arruinar o homem e não perder a sua alma – rematou o oficial do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, Mons. Munono – mas se construir juntos um humanismo solidário e promover a paz entre as pessoas e entre os povos, “porque também hoje, e hoje mais do que nunca, “o desenvolvimento é o novo nome da paz”. 

Oiça tudo na rubrica "África Global"

 

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13 outubro 2018, 17:23