Monsenhor Romero: a voz da paz e dos direitos humanos
José Graziano da Silva - Roma
Foi com enorme satisfação que recebi o convite da Santa Sé para a cerimônia de canonização de Monsenhor Romero, nesse domingo.
Monsenhor Romero pregou sua mensagem de paz numa San Salvador cindida por uma sangrenta guerra civil que durou quase uma década. Nunca se calou diante das barbaridades praticadas por esquadrões da morte contra a população campesina, que reivindicava o direito ao trabalho e à alimentação.
Mesmo em face de reiteradas ameaças de mortes, seus sermões denunciava o arbítrio e a exclusão social. Até que no fatídico 24 de março de 1980, durante mais um apelo contundente pelo fim da violência armada, Romero recebeu um tiro certeiro no peito e veio a falecer dentro da Igreja da Divina Providência. Foi um ato deliberado, profissional, que ficou impune por falta de provas.
Durante seu funeral, cerca de 40 mil salvadorenhos, jovens e idosos, cantavam e oravam naquela derradeira homenagem. Sem piedade alguma, os extremistas de então fizeram explodir uma bomba ao lado da Igreja, para espalhar o pânico. Em seguida, dispararam tiros na multidão, um massacre que levou com o pastor uma parte de seu rebanho.
As imagens deste massacre transmitidas pelas redes de televisão causaram profundo mal-estar na opinião pública internacional, que passou a acompanhar os relatos das atrocidades com crescente indignação. Finalmente, em 1991, as Nações Unidas mediaram um acordo de paz entre o governo e os grupos armados de oposição reunidos na Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional.
A mediação da ONU possibilitou a reconciliação nacional e o início do caminho democrático que El Salvador vem trilhando desde então. Como parte desse esforço para a consolidação da jovem democracia salvadorenha, foi constituída uma Comissão da Verdade para esclarecer os crimes contra a humanidade perpetrados por esquadrões da morte durante a década de 1980.
O relatório final da Comissão recomenda medidas legislativas para que tamanha barbaridade não se repita e tampouco seja esquecido, ou negado.
Monsenhor Romero tornou-se um símbolo da nova cidadania em construção. Sua canonização neste domingo glorifica, de certa forma, todas as vítimas do conflito armado e convida ao perdão os algozes que genuinamente se arrependeram dos crimes praticados.
Seu engajamento de Romero pela paz e pelos direitos humanos faz ecoar nos corações e mentes aquele que foi associado como o seu grande epíteto: ele era conhecido como a “voz dos sem-voz”.
Sua alcunha nunca esteve tão em moda, a julgar que esse objetivo foi elencado como prioridade pela nova Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michele Bachelet: “em meio à reaparição do nacionalismo e do populismo, as pessoas tem medo, medo do desconhecido...temos que atacar problemas de fundo para evitar que voltemos a uma situação de hostilidade importante...precisamos dar voz a quem não tem voz, trabalhando com a sociedade civil e com os defensores dos direitos humanos, e trabalhar também com governos, para que eles assegure, o pleno exercício desses direitos”, disse ela em sua primeira entrevista no cargo.
Vejo o espírito do Arcebispo Oscar na imagem de um romeiro que caminha por terras latino-americanas, a propor o diálogo democrático no lugar da violência armada e a lutar incessantemente pelos direitos humanos.
No momento em que a sociedade brasileira vê preocupantes sinais de que o debate de ideias é substituído pelo ódio, pelo rancor e até mesmo pela força bruta, proponho uma reflexão sobre o legado do Arcebispo Romero e sua cruzada por uma sociedade mais justa, coesa e pacífica.
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