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Karol Wojtyła em Wadowice, dm 1938 Karol Wojtyła em Wadowice, dm 1938 

Os três amigos judeus de Lolek

O artigo de Giampaolo Mattei, publicado no L'Osservatore Romano, é sobre o livro e Gianfranco Svidercoschi "Os três amigos judeus de Lolek", que narra a história do vínculo de Karol Wojtyła com alguns de seus pares de Wadowice.

Por Giampaolo Mattei

Em Jerusalém, naqueles dias de março de 2000, também eu estava no séquito de João Paulo II, face a face com o Muro das Lamentações e no Yad Vashem, memorial às vítimas da Shoah. Estava ali para escrever no meu caderno sobre o gesto inesperado do Papa de inserir entre as rachaduras das pedras antigas do Muro o seu fituch, acompanhado pelo sinal da cruz.  E também para sorrir por aquele gato que escolheu atravessar a praça naquele momento exato. Mas como cronista "distraído" - pelos gestos do Papa e também pelo gato - não percebi os protagonistas da história que o antigo vice-diretor do meu Osservatore Romano, Gian Franco Svidercoschi, conta hoje no livro Gli amici di Lolek (Edições Terra Santa, Milão 2022, 144 páginas, euro 14).

É "a história de uma amizade – imediatamente aparece "Svider” (ele sempre foi chamado assim na redação) - entre quatro jovens nascidos e criados na Polônia no início do século XX". O fato é que um deles é Lolek. Sim, outro apelido: e é assim que amigos íntimos sempre chamaram Karol Wojtyła. Mas também é fato que os outros três amigos são judeus: Jerzy Kluger (também conhecido como Jurek), Kurt Rosenberg e Ewa (o sobrenome, explica o autor, permaneceu desconhecido).

Pelas ruas de Wadowice, se misturam os estudos, projetos, esportes, confidências, paixões e amores dos quatro amigos. A tragédia da Segunda Guerra Mundial estraçalha e varre tudo. Com a vergonhosa onda anti-semita. Auschwitz fica a 30 quilômetros de Wadowice. Os três jovens judeus são presos e embarcados em trens como deportados. Kurt salta do vagão com o trem em movimento. Os outros dois sobrevivem, em meio a atrocidades desumanas. Entre nazistas e o Exército Vermelho.

“Svider” repropõe com poucos traçados de caneta um século de história – e que história! – por meio dos acontecimentos (paralelos) dos quatro amigos. Após a guerra, Jurek e Kurt fundaram uma empresa de importação e exportação na Itália. Depois, em 1965, a reviravolta. Os dois estão entre Nápoles e Roma a trabalho (desembaraçam tratores e escavadeiras da alfândega). Leem nos jornais as notícias sobre a última sessão do Concílio Vaticano II. E eles descobrem que entre os padres do conciliares existe um certo Karol Wojtyła. O amigo deles! Jurek telefona para o Pontifício Instituto Polonês na Via Pietro Cavallini, em Roma, pedindo pelo arcebispo Wojtyła.

A atender na central telefônica está um jovem sacerdote, P. Józef Kowalczyk (será núncio apostólico na Polônia e arcebispo de Gniezno), que anota e relata a chamada, como relatou no número especial publicado pelo "Osservatore Romano" para o centésimo aniversário do nascimento de João Paulo II. E assim, pouco depois, toca o telefone de Jurek: "Olá, é Lolek, vamos nos encontrar!" O fio da amizade retoma exatamente onde foi – aparentemente – rompido pela loucura da guerra.

Mas ao chamado falta Ewa. A tragédia do conflito levou a mulher para Perth, na Austrália. Lá ela quase deu de cara com Lolek - que se tornou Papa - entre 30 de novembro e 1º de dezembro de 1986. Perdida na grande multidão, ela não conseguiu encontrá-lo. Mas 8 anos depois, em 1994, eis que chama a atenção na vitrine de uma livraria, em uma viela a poucos passos da Victoria Square, a capa de um livro cujo título a deixa sem fôlego: Carta a um amigo judeu.

Naquelas páginas, o próprio "Svider" fala de seus amigos de Wadowice. Ewa encontra no livro o endereço residencial de Jurek: via Francesco Denza, 19 - Roma. Ela entra em contato com ele e juntos eles retomam também a amizade com Kurt.

Escreve "Svider" sobre aqueles dias de março de 2000 em Jerusalém, com João Paulo II no Muro das Lamentações e em Yad Vashem: "Na volta, há um encontro entre os quatro amigos de Wadowice. Um encontro de olhares, de corações, de memórias. Lolek gesticula com a mão, como se quisesse fazer um carinho. Depois, ao afastar-se, sussurra algo. Ouve-se somente: “Reencontrar-se”.

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13 fevereiro 2022, 08:11