Busca

Crucifixo Crucifixo 

Relatório Fides, vinte missionários assassinados em 2020

Na panorâmica fornecida pela Agência vaticana, a América é o continente onde mais sangue foi derramado em 2020. Centenas de padres e religiosos, capelães de hospitais, agentes pastorais no mundo da saúde, bem como bispos, vítimas da pandemia, são também lembrados.

Paolo Affatato - Vatican News

Rufinus Tigau, catequista católico da diocese de Timika na província indonésia de Papua, só queria falar com os militares para deter a violência. Durante uma operação do exército indonésio, ele via a população da aldeia com medo e em perigo. Deu então um passo a frente pacificamente para que eles terminassem com os disparos. Foi morto a sangue frio. Tigau é um dos leigos e catequistas que são os novos protagonistas da missão da Igreja no terceiro milênio. É isto o que demostra a lista de agentes pastorais mortos em 2020, publicada anualmente pela Agência Fides, das Pontifícias Obras Missionárias. A lista apresenta um total de vinte missionários assassinados, e entre eles seis são leigos, empenhados no serviço pastoral: uma percentagem que tem aumentado consideravelmente nos últimos anos. A par deles, oito são os padres que perderam a vida de forma violenta, três as freiras, dois os seminaristas, um religioso. Em relação às áreas geográficas, a "primazia" do martírio vai, ainda que apenas ligeiramente, para as Américas, com oito na lista. A África segue com sete vítimas, a Ásia com três, a Europa com dois padres mortos, ambos - este é também um dado relevante - na Itália.

Ouça e compartilhe

No tempo da pandemia de coronavírus, além disso, a Fides observa que "centenas de sacerdotes e religiosos, capelães de hospitais, enfermeiros que morreram durante o seu serviço, fazendo o seu melhor para ajudar aqueles que foram afetados por esta doença nos locais de atendimento, devem ser lembrados. De fato, os sacerdotes e religiosos são a segunda categoria, depois dos médicos, que mais pagaram na Europa com suas vidas em consequência da Covid-19. De acordo com um relatório parcial do Conselho das Conferências Episcopais Europeias, em 2020 mais de quatrocentos sacerdotes empenhados na assistência médica ou pastoral dos fiéis morreram de Covid. A situação não é diferente em outras partes do mundo: nos cinco continentes, uma característica da missão da Igreja é o cuidado dos que sofrem e o compromisso com os cuidados de saúde, especialmente nos países em desenvolvimento. Esta presença consoladora implicou um custo elevado em vidas humanas.

Como observa a Agência Fides, à lista de vítimas deve ser acrescentada outra, muito mais longa, que inclui agentes pastorais ou simples católicos agredidos, espancados, roubados, ameaçados, sequestrados, assassinados, bem como a das estruturas católicas atacadas, vandalizadas ou saqueadas. "É certo que em todos os cantos do planeta tantos ainda hoje sofrem e pagam com as suas vidas pela sua fé em Jesus Cristo", afirma o texto. "Os mártires de hoje são mais do que os mártires dos primeiros séculos. Exprimamos a estes irmãos e irmãs a nossa proximidade: somos um só corpo, e estes cristãos são os membros que sangram do corpo de Cristo que é a Igreja", salientou o Papa Francisco na audiência geral em 29 de abril.

Também em 2020, muitos agentes pastorais foram mortos em ferozes tentativas de roubo ou furto. Alguns foram sequestrados ou viram-se envolvidos em tiroteios ou atos de violência nos contextos em que trabalhavam, marcados pela pobreza econômica e cultural, degradação moral e ambiental. Muitas vezes, explica Fides, estas são áreas onde a violência e a opressão são regras de comportamento, na total falta de respeito pela vida e por todos os direitos humanos. Nessas áreas os missionários e agentes pastorais não têm medo de permanecer, em nome de Jesus Cristo. Nenhum deles, nesta escolha de "habitar" as situações e os lugares onde foram chamados a viver, realizaram empreendimentos ou ações marcantes: simplesmente partilharam a vida quotidiana da população, trazendo um testemunho evangélico de misericórdia, proximidade e fraternidade, como sinal de esperança cristã. É uma dinâmica que o Papa Francisco explicou na audiência geral de 2 de dezembro, no 40º aniversário da morte de quatro missionárias norte-americanas que foram sequestradas, violadas e assassinadas em El Salvador por um grupo de paramilitares. O Pontífice disse: "Elas prestavam o seu serviço a El Salvador no contexto da guerra civil. Com empenho evangélico e correndo grandes riscos, levaram comida e medicamentos às pessoas deslocadas e ajudaram as famílias mais pobres. Estas mulheres viveram a sua fé com grande generosidade. São um exemplo para que todos se tornem fiéis discípulos missionários".

Esta é a chave de leitura para considerar as vicissitudes terrenas dos missionários assassinados: párocos que partilhavam as suas vidas com as pessoas sob seus cuidados, atingidos por criminosos em busca de quem sabe que tesouro escondido na igreja, como o padre Jorge Vaudagna na Argentina ou padre Adriano da Silva Barros no Brasil; outros padres e religiosos vítimas de pessoas marginalizadas a quem se dedicavam diariamente à escuta e assistência, como padre Roberto Malgesini ou o frei Leonardo Grasso na Itália. Ao lado deles, há religiosas empenhadas na educação das gerações mais jovens, atacadas enquanto tentavam desempenhar a sua missão ou sacrificadas na tentativa de salvar as crianças que lhes foram confiadas, como a irmã Henrietta Alokha na Nigéria. Ou, ainda, jovens, e até mesmo crianças (como Lilliam Yunielka e Blanca Marlene González, duas irmãzinhas de 12 e 10 anos, na Nicarágua), que partilhavam o seu compromisso cristão com entusiasmo e convicção, em situações de violência cega. Cada vez com mais frequência, catequistas e leigos estão envolvidos como pacificadores e testemunhas da fé, em comunidades dispersas nas áreas mais impermeáveis: é o caso de Philippe Yarga, no Burkina Faso, ou Rufinus Tigau, na Indonésia.

A Fides dedica uma menção especial ao testemunho luminoso do seminarista Michael Nnadi, de 18 anos, sequestrado na Nigéria, onde os sequestros estão na ordem do dia. O jovem foi morto porque, de acordo com o seu assassino, "continuou a pregar o Evangelho de Jesus Cristo" aos seus sequestradores. Todas estas testemunhas de Cristo viveram com generosidade e dedicação, silenciosamente, sem olhar aos riscos e ainda menos ao "horário de trabalho", do trabalho apostólico. Desta forma - desde o tempo dos primeiros mártires - muitos agiram antes deles: no trabalho de acompanhamento realizado pela Agência Fides, nos últimos vinte anos foram mortos no mundo 536 agentes pastorais, entre os quais cinco bispos. Globalmente, desde 1980, as vítimas são 1.224, incluindo as mortes violentas do genocídio em Ruanda, em 1994. Uma lista de testemunhas que, em cada lugar e tempo, deixam para a posteridade uma marca límpida e luminosa do Evangelho.

 

Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui

30 dezembro 2020, 13:41