Papa Francisco quando visitou o Hospital Zimpeto, em Moçambique, no início de setembro Papa Francisco quando visitou o Hospital Zimpeto, em Moçambique, no início de setembro 

Papa sobre xenofobia: não podemos viver sufocados por ‘cultura de sala operatória’, esterilizada e sem miscigenação

Francisco, em mais um trecho do diálogo que teve com os jesuítas durante a viagem apostólica à África, em setembro, condenou a xenofobia: “parece que se considera um país como se fosse uma sala operatória, onde tudo está esterilizado: a minha raça, a minha família, a minha cultura... como se tivesse medo de sujá-la, manchá-la, infectá-la. Querem impedir aquele processo tão importante que dá vida aos povos e que é a miscigenação”, como se vive na América Latina.

Andressa Collet – Cidade do Vaticano

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Em mais um trecho extraído da conversa que o Papa Francisco teve com os jesuítas na África, por ocasião da sua viagem apostólica no início de setembro, a reflexão do Pontífice sobre o clericalismo, a xenofobia e a aporofobia. A íntegra do diálogo foi publicada em reportagem especial de Pe. Antonio Spadaro e publicada na última quinta-feira (26) na revista italiana La Civiltà Cattolica.

O clericalismo hipócrita

Pe. Joaquim Biriate, secretário do Provincial, fez a seguinte pergunta ao Papa: como evitar de cair no clericalismo durante a formação ao ministério sacerdotal? Para a resposta, Francisco usou a analogia do rebanho e afirmou:

“O clericalismo é uma verdadeira perversão na Igreja. O pastor tem a capacidade de ir à frente do rebanho para indicar o caminho, estar no meio do rebanho para ver o que acontece por dentro e também estar atrás do rebanho para garantir que ninguém seja deixado para trás. O clericalismo, ao contrário, pretende que o pastor esteja sempre na frente, estabelece uma rota e pune com a excomunhão quem se distancia do rebanho. Enfim: é bem o oposto daquilo que fez Jesus. O clericalismo condena, separa, reprime, despreza o povo de Deus.”

O Papa Francisco também trouxe a experiência da América Latina e da piedade popular muito forte vivida naquela região – que “tem coisas para corrigir, sim”, disse o Pontífice, “mas expressa a soberania do povo santo de Deus, sem clericalismo. O clericalismo confunde o ‘serviço’ presbiteral com o ‘poder’ presbiteral. O clericalismo é ascensão e domínio”. Enfim, disso o Papa, um ministério interpretado “não como serviço, mas como ‘promoção’ ao altar, fruto de uma mentalidade clerical”.

Ao afirmar ainda que “o clericalismo é essencialmente hipócrita”, inclusive na vida religiosa, Francisco lembrou o que um jesuíta, “um grande jesuíta”, comentou ao alertar sobre o momento de dar a absolvição: “os pecados mais graves são aqueles que têm uma maior ‘angelicidade’: orgulho, arrogância, domínio... E os menos graves são aqueles que têm menor angelicidade, como a gula e a luxúria. Acaba se concentrando sobre sexo, e depois não se dá peso à injustiça social, à calúnia, às fofocas, às mentiras. A Igreja hoje precisa de uma profunda conversão nesse ponto”, disse Francisco.

O medo e a aversão aos pobres e estrangeiros

Uma última pergunta foi feita sobre a xenofobia em aumento. O Papa então somou ao problema da xenofobia àquele da aporofobia: o primeiro é o medo e a aversão aos estrangeiros e, o segundo, aos pobres. Os dois hoje fazem parte “de uma mentalidade populista que  não deixa soberania aos povos”, afirmou o Papa, que acrescentou:

“A xenofobia destrói a unidade de um povo, inclusive aquele do povo de Deus. E o povo somos todos nós: aqueles que nasceram no mesmo país, não importa que tenhamos raízes num outro lugar ou sejamos de etnias diferentes. Hoje somos tentados por uma forma de sociologia esterilizada. Parece que se considera um país como se fosse uma sala operatória, onde tudo está esterilizado: a minha raça, a minha família, a minha cultura... como se tivesse medo de sujá-la, manchá-la, infectá-la. Querem impedir aquele processo tão importante que dá vida aos povos e que é a miscigenação. Misturar te faz crescer, te dá nova vida! Desenvolve cruzamentos, mutações e confere originalidade. A miscigenação é aquilo que experimentamos, por exemplo, na América Latina. Lá tem tudo: o espanhol e o índio, o missionário e o conquistador, a estirpe espanhola e o mestiço. Construir muros significa se condenar à morte. Não podemos viver sufocados por uma cultura de sala operatória, asséptica e sem micróbios.”

Na versão online da revista La Civiltà Cattolica é possível conferir a conversa na íntegra em diferentes idiomas: espanhol, inglês, italiano e francês.

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02 outubro 2019, 14:56