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 Pe. Gael Giraud Pe. Gael Giraud 

Giraud: “Os Governos devem adotar a transição ecológica antes que seja tarde"

Entrevista com o jesuíta especializado em economia e finanças: a emergência levará à desestabilização de tudo, é preciso fazer investimentos “verdes” subtraindo-os aos pactos de estabilidade europeia

Andrea Tornielli - Cidade do Vaticano

Gaël Giraud, 40 anos, padre jesuíta de origem suíça, economista chefe da Agence Française de Développement e diretor de pesquisas do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas) é o autor do livro “Transição ecológica” (publicado na Itália pela EMI). O jesuíta conhece muito bem o mundo da alta finança por já ter trabalhado por algum tempo antes de seguir a vocação sacerdotal e hoje é uma das vozes que se manifesta de maneira mais lúcida para indicar a urgência da transição “verde” como propôs a encíclica Laudato si'. “A nossa geração fala, mas não age” nos diz no decorrer desta conversa que aconteceu em Roma.

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Padre Giraud, há quatro anos o Papa Francisco publicava a encíclica Laudato si'. Como o senhor julga o recebimento daquele documento?

Pe. Giraud: Na minha opinião foi ambivalente. Por um lado parece que foi recebido com muito entusiasmo: até agora Laudato si', em nível mundial, é o único documento espiritual e também político que oferece um horizonte escatológico do caminho ecológico, da aliança com a criação. E que ao mesmo tempo propõe uma análise científica cuidadosa, com recomendações marcadas pelo realismo. Não conheço nenhum outro documento equivalente por parte dos Estados leigos. Portanto teve um recebimento muito positivo no primeiro período. Porém, infelizmente os Governos europeus não fizeram nada. Na França, por exemplo, as emissões de CO2 aumentaram 3,2 por cento entre 2010 e 2017. Podemos dizer que se fala muito de ecologia mas faz-se pouco ou nada. Os jovens, pelo menos na França, estão lutando e fazendo greves para impor uma política ecológica. Atualmente o partido ecologista é o terceiro partido na França. Na minha opinião, os jovens lutarão cada vez mais pela ecologia, por causa disso pode ser que a próxima geração coloque em prática aquilo que o Papa diz na encíclica. Mas a minha geração, e a precedente à minha, fala, mas não age.

Quais são os setores com maior resistência?

Pe. Giraud: A maior resistência encontra-se sobretudo no setor bancário. Para os banqueiros a transição ecológica parece muito perigosa, pois os balanços financeiros ainda sofrem pela crise de 2008. Para eles, a prioridade é salvar os bancos, e a situação é muito arriscada mesmo sem os problemas climáticos. Muitos deles pensam que não vale a pena correr riscos pela emergência climática, pois isso levaria a maiores dificuldades. Por isso que o banqueiros dizem: para nós salvar os bancos é prioridade, o resto não vale a pena. Falei com os financeiros de Londres em dezembro passado, e discutimos muito sobre a crise ecológica e no final entendi perfeitamente que a situação é muito grave.

Mas qual foi a resposta deles diante desta constatação?

Pe. Giraud: Disseram-me: nós não faremos nada porque lutamos por mais de quarenta anos para assumir o poder com os mercados financeiros, e agora não deixaremos tudo por causa da mudança climática. Então eu perguntei-lhes como teriam se comportando para garantir um futuro aos seus filhos, e responderam-me que iriam mandá-los para a Suécia, porque graças à mudança climática será o país ideal para se viver. Enquanto isso os chineses aplicam as políticas ecológicas que gostaríamos que fossem aplicadas na Europa: estão fazendo a transição energética em favor de energias renováveis. Quando observei este ponto a eles, responderam-me citando a superioridade tecnológica europeia. Mas trata-se de pura ilusão: de fato, não há dúvida de quem em dez anos a tecnologia militar chinesa estará no mesmo nível da europeia. Senti muito ter encontrado este tipo de cinismo por parte de muitos banqueiros. Certamente não são todos assim, porque há alguns que entenderam perfeitamente o risco climático e os riscos que isso pode levar à estabilidade financeira. Posso citar por exemplo o presidente do Banco Central de Londres, Marc Carney, que depois da publicação da encíclica Laudato si’, em 2015, afirmou de modo claro que o maior risco para a estabilidade financeira é justamente o climático. Também o presidente do Banco central da França, reconheceu este risco no ano passado.

E a política? Não seria necessário um alerta de responsabilidade neste sentido?

Pe. Giraud: Em 2015 todos os políticos europeus citaram positivamente a Laudato si’. Disseram que tinham lido a encíclica, disseram que é maravilhosa, e que é preciso colocá-la em prática. Mas depois não fizeram nada, talvez por falta de tempo para pensar. Atualmente a maioria dos políticos europeus têm um ritmo de trabalho muito intenso: cinco minutos por semana para pensar, refletir, sobre um tema que sabem muito pouco ou nada. Porque quando eram estudantes, a mudança climática não era tema de estudos e pesquisas. Portanto, os atuais políticos europeus não têm tempo para refletir e não levam a sério a emergência climática. Certamente falam com seus conselheiros. Mas também os conselheiros têm pouco tempo para refletir. Percebo isso porque estou trabalhando muito com o governo francês e com os governos dos países do Sul da Europa: é a mesma coisa em todos os países, ritmos de trabalho intenso que tem como consequência o fato de que esta geração não tem tempo para refletir e planificar.

Falta uma política de longo prazo, que saiba planificar, pensar no futuro, encarregar-se das novas gerações, pensar antes de tudo no bem comum?

Pe. Giraud: Sim, falta exatamente isso, infelizmente estes são os fatos. Ao mesmo tempo, pelo menos na Europa ocidental, os funcionários de cargos elevados pensam que a ideia de Estado tenha falido, que o Estado não seja importante, e que todas as possibilidades estejam nas empresas privadas. Há um incrível neo-liberalismo entre os funcionários da Comissão Europeia, dos ministérios das Finanças na França, na Alemanha, etc… Dei alguns cursos na Escola de administração francesa onde percebi o que os jovens funcionários pensam, sabendo que trabalhar para um banco pode multiplicar de modo exponencial seu salário. Por isso criam uma imagem do mundo na qual os bancos são o paradigma da realidade capitalista. Isso é uma bobagem. Portanto é preciso trabalhar para mudar também a visão dos funcionários, porque os funcionários trabalham para o governo e não ajudam os ministros a pensarem de modo diverso. Quem afirma que Estado não pode fazer nada pensa que os únicos em condições de ajudar sejam as empresas.

Então devemos ter esperança nas grandes empresas e na iniciativa privada?

Pe. Giraud: Quando falo com os chefes das empresas francesas, eles me dizem: nós compreendemos perfeitamente o risco climático, mas há a pressão dos mercados e do valor dos títulos, das ações. E portanto os grandes empresários explicam que não podem fazer uma política “verde” porque neste caso correriam o risco de perder sua posição depois da queda do valor das ações. Há uma esquizofrenia notável por parte das empresas. Quando falamos com os grandes proprietários das ações, que são na maioria companhias de seguros e fundos de previdência complementar norte-americanos nos dizem exatamente a mesma coisa: estão no mercado financeiro e devem proteger o valor das suas ações. A mesma história. Falta apenas o indivíduo proprietário das ações, que diz: sou único entre os milhões de proprietários, por que deveria ser um herói e investir no “verde” enquanto há milhões de pessoas que ganham muito mais investindo em outras ações?

Padre Giraud, hoje todos falam de investimentos sustentáveis, todos dizem que querem uma finança sustentável...

Pe. Giraud: Infelizmente os investimentos verdes e sustentáveis tornaram-se uma marca publicitária. Todos dizem que querem ir naquela direção, é a política do “green washing” para parecer ecológico e conquistar consensos. Mas na verdade, para o setor privado na Europa não é possível pagar os investimentos para a transição ecológica. Porque o setor privado tem muitas dívidas, bem mais altas do que as dos Governos. A dívida privada na região do euro representa em média 130 por cento do PIB, enquanto que a dívida pública média é de 100 por cento. Portanto a dívida privada é muito maior. O setor privado não tem condições de pagar uma verdadeira transição ecológica, que custa muito: milhares de bilhões. Só na França, precisaríamos de 60 a 80 bilhões de euros ao ano por ao menos 10 anos. Não é muito se pensarmos que se trata de 3-4 por cento do PIB, mas todos os anos deveriam pagá-lo: o setor privado, os bancos, não têm condições porque os bancos estão enfraquecidos depois da última crise econômico financeira, mesmo se sustentam o contrário. Um exemplo é o banco italiano Monte dei Paschi di Siena.

É preciso encontrar alguém para pagar a transição ecológica. Quem deveria pagar?

Pe. Giraud: Os Governos deveriam arcar com os custos. Agora precisa compreender que os Governos investem menos do que seria necessário para preservar o capital público, como demonstra o triste caso da ponte de Gênova que caiu um ano atrás ou de estações de metrô em perigo. São exemplos do fato que o capital público se destrói quando não se investe o necessário para protegê-lo. Ao nível de contabilidade europeia a cada ano somos mais pobres no que se refere o patrimônio público. É preciso investir mais para proteger o patrimônio público e é preciso investir nas infraestruturas “verdes”, ecológicas.

Como é possível fazer isso com o vínculo europeu, o pacto de balanço que limita o déficit no máximo a três por cento?

Pe. Giraud: A solução consiste em interpretar de outro modo os tratados europeus. Isso é possível. Trabalhei com juristas especializados em direito comunitário e me explicaram que os tratados europeus permitem interpretar de modo diverso a regra do três por cento do déficit público. Por exemplo, é perfeitamente possível e perfeitamente legal dizer que um Governo pretende excluir do cálculo os custos dos investimentos públicos para a transição ecológica. É possível. E a Comissão europeia não pode fazer nada. Pode discutir, pode não concordar com esta interpretação, mas não pode afirmar que seja ilegal. Tivemos uma prova disso em dezembro passado, quando os franceses tinham medo dos “coletes amarelos” e dos seus protestos: o comissário europeu Pierre Moscovici falou em uma coletiva dizendo: não é preciso destruir toda Paris para que vocês entendam que nós podemos interpretar os tratados europeus de modo completamente diverso, e que a austeridade dos balanços fincanceiros não é uma necessidade. Agora, depois que os coletes amarelos se acalmaram, Moscovici parece ter esquecido o que disse.

Então, o que a política deveria fazer diante da emergência climática?

Pe. Giraud: A política deveria redescobrir os seus deveres, a necessidade de uma estratégia que leve em consideração o bem comum e o horizonte por 30 anos para investir na conversão ecológica e na re-industrialização “verde” da Europa. Este é o plano. Trabalhei com engenheiros e economistas na França para estudar o cenário da transição energética: é possível, podemos fazê-lo. Não precisamos de uma revolução tecnológica, podemos fazer já! E as etapas são bem conhecidas: o primeiro passo é a renovação térmica dos edifícios, de todos os edifícios. O segundo a mobilidade “verde”, vale a pena apostar em trens e em carros movidos a hidrogênio, não nos elétricos porque estes também em seu ciclo de vida produzem CO2. Enfim a terceira etapa é a industrialização verde. Trabalhei com os engenheiros para avaliar a viabilidade e os custos da primeira etapa na França: fizemos todos os cálculos e apresentei-os ao presidente Emmanuel Macron, com o acordo das empresas construtoras. Deste modo se criaria muito trabalho e um trabalho que não pode ser deslocado. É preciso fazer isso, para não continuar a poluir com o ar condicionado e a calefação. Disseram-me que eu tinha razão. Mas não aconteceu nada.

 

 

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17 junho 2019, 15:30