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Editorial: Os direitos das mulheres esquecidas

O abuso contra as mulheres se identifica também com a agressão indescritível da mutilação genital.

Silvonei José - Cidade do Vaticano

Na semana que passou foram lançadas bases fortes para se percorrer juntos – cristãos e muçulmanos – um caminho de paz e diálogo com a assinatura do documento sobre "Fraternidade humana pela paz mundial e a convivência comum", Documento assinado em 4 de fevereiro, em Abu Dhabi, pelo Papa Francisco e pelo Grande Imame de Al-Azharl Ahmad Al Tayyib.

Neste denso, histórico e importante documento, está também delineado um caminho para proteger os direitos das mulheres, especialmente nos contextos mais pobres, social e culturalmente mais atrasados: um longo caminho a ser percorrido que requer um esforço compartilhado por povos e Estados.

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No texto, que traça as bases de um renovado pacto entre líderes religiosos pelo bem de toda a humanidade, se declara a necessidade de proteger a mulher "da exploração sexual” e de não tratá-la como uma mercadoria, meio de prazer ou ganho econômico". Por isso, se pede que se "interrompam todas as práticas desumanas e os costumes vulgares que humilham a dignidade da mulher". É preciso "trabalhar para mudar as leis que impedem às mulheres de gozar plenamente de seus direitos".

O abuso contra as mulheres se identifica também com a agressão indescritível da mutilação genital.

Na última quarta-feira, dia 06 de fevereiro, celebramos o Dia Mundial contra a mutilação genital feminina. A ONU, que instituiu esse dia em 2012, mais uma vez pediu tolerância zero a esse ato desumano. Um imperativo dirigido à comunidade internacional para pôr fim a esta prática aberrante, gravemente lesiva dos direitos humanos das mulheres.

Os números também são aberrantes. Pelo menos 200 milhões - de acordo com estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) - as mulheres, jovens e meninas que foram submetidas a operações nos órgãos genitais, em cerca de trinta países. A área geográfica principal é África Subsaariana e Oriente Médio, embora essa prática também seja comum na Índia, Indonésia, Iraque e Paquistão, bem como em alguns grupos indígenas na América Latina. Mas também é praticada na Austrália e Estados Unidos. Na Europa, de acordo com um estudo realizado pelo Europarlamento, seria cerca de meio milhão as mulheres mutiladas nos órgãos reprodutivos.

Duzentos milhões de vítimas: número de uma das formas mais atrozes de violência perpetrada no corpo de mulheres, jovens e meninas. Governos e organizações internacionais têm trabalhado há anos para a eliminação global desta forma de tortura, mas ainda há um longo caminho a ser feito.

O fenômeno também afeta meninas, jovens e mulheres migrantes que vivem na Itália, muitas vezes em risco de serem mutiladas quando voltam para casa, somente para visitar parentes. Segundo um estudo da Universidade de Milão - Bicocca, seriam entre 61 e 80 mil as mulheres presentes na Itália submetidas durante a infância à mutilação genital. As mulheres mais atingidas são provenientes da Somália (83,5%), seguidas pela Nigéria (79,4%), Burkina Faso (71,6%), Egito (60,6%) e Eritréia (52,1%) .

As causas dessa prática desumana, são diversas, decorrentes de tradições culturais e superstições populares, referidas indevidamente também a convicções religiosas, ligadas a rituais de iniciação de meninas e adolescentes à vida adulta ou consideradas um requisito essencial para o casamento ou ainda utilizadas como instrumento de controle sexual de mulheres adultas, submetidas a repetidas infibulações, sempre que os maridos saem de casa por algum tempo.

Ainda segundo estimativas da ONU, cerca de 70 milhões de jovens sofrerão mutilações até 2030, se não houver uma ação acelerada para erradicar esse tipo de violência. Por esse motivo, em 2015, os líderes mundiais incluíram a meta de eliminar as Fgm na Agenda de Desenvolvimento Sustentável a ser alcançada até aquele ano.

Deve haver um engajamento maior em nível de sociedade, de governo, mas é muito mais importante trabalhar em nível de comunidade, porque são as comunidades locais que devem se envolver na proibição dessa prática, que é uma forma real de violência contra as mulheres e tem consequências que as mulheres carregam por toda a vida.

O Papa Francisco constantemente levanta a sua voz para defender as mulheres que não tem voz, e a agora com um grande aliado o líder muçulmano de Al-Azharl. Governos, sociedades, comunidades devem proteger essas mulheres que são alvo e vítimas dessa prática que humilha a mulher. Todos juntos devemos trabalhar para que essa prática seja uma recordação do passado, erradicada do presente, de uma sociedade que se diz civilizada. Nenhuma prática desumana pode ser tolerada ou justificada.

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09 fevereiro 2019, 08:00