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Na renovação liturgia, houve a necessidade de um “novo renascer partindo do mais íntimo da liturgia, como o havia desejado o movimento litúrgico quando estava no apogeu de sua verdadeira natureza" Na renovação liturgia, houve a necessidade de um “novo renascer partindo do mais íntimo da liturgia, como o havia desejado o movimento litúrgico quando estava no apogeu de sua verdadeira natureza"  

Os dois extremos do pêndulo da liturgia

A Constituição sobre a Sagrada Liturgia "corresponde às necessidades legítimas da pastoral atual. Sem dúvida, o juízo que se tem sobre as reformas efetivamente realizadas não é unânime (...) particularmente no concernente aos novos livros litúrgicos elaborados", rechaçados por alguns por refletirem demasiadamente o espírito da nova teologia sem ter suficientemente em conta a tradição. Pensa-se que a renovação dos ritos, em seu conjunto, foi longe demais.

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

No nosso espaço Memória Histórica – 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos falar no programa de hoje sobre “os dois extremos do pêndulo na liturgia”.

A reforma litúrgica e o Concílio Vaticano II são dois eventos intrinsicamente ligados. Não floresceram repentinamente, mas foram longamente preparados, como testemunha o chamado movimento litúrgico e as respostas dadas pelos Sumos Pontífices às dificuldades sentidas na oração eclesial.

 

“O Concílio Vaticano II fez maturar, como bom fruto da árvore da Igreja, a Constituição sobre a sagrada liturgia Sacrosanctum Concilium (SC), cujas linhas de reforma geral respondiam às necessidades reais e à esperança concreta de uma renovação: desejava-se uma liturgia viva para uma Igreja toda vivificada pelos mistérios celebrados”, disse o Papa Francisco aos participantes da Semana Nacional Litúrgica em agosto de 2017.

A reforma da Missa foi uma das partes mais fundamentais desta reforma de toda a liturgia, mas ao mesmo tempo, foi a sua parte mais controvertida. A reforma suscita controvérsias até hoje, passados mais de 50 anos.

“Um movimento mais influente reconhece a reforma litúrgica do Concílio, mas acha necessária “uma reforma da reforma” para corrigir alguns erros concretos na aplicação da reforma e do desenvolvimento litúrgico pós-conciliar”, aponta Helmut Hoping, professor liturgista da Universidade de Friburgo ¹. Já outros mais conservadores, querem o retorno à liturgia pré-conciliar, negligenciando os avanços, riqueza e aprimoramentos de caminhada de toda a renovação, que como diz Papa Francisco, não pode retroceder.

No programa de hoje, padre Gerson Schmidt - incardinado na Arquidiocese de Porto Alegre – nos traz a reflexão “os dois extremos do pêndulo na liturgia”:

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Na renovação liturgia, houve a necessidade de um “novo renascer partindo do mais íntimo da liturgia, como o havia desejado o movimento litúrgico quando estava no apogeu de sua verdadeira natureza, quando não se tratava de fabricar textos ou de inventar ações e formas, mas de descobrir o centro vivo, de penetrar no tecido da liturgia propriamente dita, para que seu cumprimento saísse de sua própria substância. A reforma litúrgica, em sua realização concreta, se distanciou demais desta origem.

O resultado, em tantos lugares, não foi uma reanimação, mas uma devastação. O cardeal Joseph Ratzinger, depois de 20 anos da SC, afirmava que “De um lado, tem-se a liturgia que se degenerou em “show”, onde se quis mostrar uma religião atrativa com a ajuda de tolices da moda e de incitantes princípios morais, com êxitos momentâneos no grupo de criadores litúrgicos e uma atitude de reprovação tanto mais pronunciada nos que buscam na Liturgia, não tanto o “showmaster” espiritual, mas o encontro com o Deus vivo, diante do qual toda “ação” é insignificante, pois somente este encontro é capaz de nos fazer chegar à verdadeira riqueza do ser. De outro lado, existe uma conservação de formas rituais cuja grandeza sempre impressiona, porém que levada ao extremo cristaliza num isolamento de opinião, que ao final só se torna tristeza. Certamente ficam entre os dois todos os sacerdotes e seus paroquianos que celebram a nova liturgia com solenidade; mas que se sentem inquietos pelas contradições existentes entre os dois extremos; e a falta de unidade interna da Igreja faz com que esta fidelidade apareça, aos olhos de muitos, como uma simples variedade pessoal de neoconservadorismo. Uma vez que isto acontece, necessitamos de um novo impulso espiritual para que a liturgia seja de novo uma atividade comunitária da Igreja e seja arrancada da arbitrariedade dos padres e de suas equipes de liturgia”². 

Assim apontou o cardeal Ratzinger, antes de ser Papa, avaliando os dois extremos, por um lado o modismo exagerado, por outro o conservadorismo por demais enrijecido que não permitia a reforma proposta pela SC. 

J.A. Jungman, um dos liturgistas verdadeiramente grandes de nosso século, havia definido em seu tempo a liturgia, tal como se entendia no Ocidente, baseando-se em investigações históricas, como uma "liturgia fruto de um desenvolvimento"; provavelmente em contraste com a noção oriental, que não vê na liturgia o devir e o crescimento histórico, mas apenas o reflexo da eterna liturgia, na qual a luz, através do desenrolar da ação sagrada, ilumina nossos tempos mutáveis com sua beleza e sua grandeza imutáveis.

O que ocorreu após o Concílio é algo completamente distinto: no lugar de uma liturgia fruto de um desenvolvimento contínuo, introduziu-se uma liturgia fabricada, uma fabricação que é um produto banal do momento. A liturgia romana da Igreja não se inventa, não se fabrica. Quem a criou foi Jesus Cristo e por isso precisa ser bem compreendida para não se inventar modas de qualquer jeito, mas integrá-la na história de cada tempo, nos seus aspectos possíveis de adaptação e mudança.

A Constituição sobre a Sagrada Liturgia, promulgada pelo Concílio Vaticano II, corresponde às necessidades legítimas da pastoral atual. Sem dúvida, o juízo que se tem sobre as reformas efetivamente realizadas não é unânime de nenhuma maneira, particularmente no concernente aos novos livros litúrgicos elaborados, como resultado do Concílio, por um grupo de especialistas. Uns rechaçam estes novos livros, porque refletem demasiado o espírito da nova teologia sem ter suficientemente em conta a tradição. Pensa-se que a renovação dos ritos, em seu conjunto, foi longe demais.

Sem dúvida, outros se lamentam de que ainda não se tenha ampliado o quadro estreito da visão rubricista e que se tenha assim fixado definitivamente nos novos livros litúrgicos, elementos que ainda não tinham sido provados e que por esta causa pareciam até duvidosos ³. Frente a esses dois extremos, precisamos encontrar o ponto de equilíbrio. “In medio stat virtus”- no meio está a virtude – já diziam o provérbio latino”.

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 ¹ Helmut Hoping, A Constituição Sacrosanctum Concilium. In: As Constituições do Vaticano II, Ontem e Hoje, org. Geraldo B. Hackmann e Miguel de Salis Amaral, Edições CNBB, 2015, p.120.

² Pensamentos de Joseph Ratzinger, comentário introdutório da obra Reforma da Liturgia Romana, de Monsenhor Klaus Gamber, Disponível em http://www.unavocesevilla.info/reformaliturgia.pdf 

³ cf. introdução de Monsenhor Klaus Gamber, Reforma da Liturgia Romana, disponível em http://www.unavocesevilla.info/reformaliturgia.pdf  

 

 

 

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20 fevereiro 2019, 08:38