Cardeal Blase Cupich em seu discurso no encontro sobre a "Proteção dos menores na Igreja, no Vaticano Cardeal Blase Cupich em seu discurso no encontro sobre a "Proteção dos menores na Igreja, no Vaticano 

Cardeal Cupich: abusos, reforma estrutural e jurídica na Igreja arraigada na visão colegial

"Devemos compreender que o nosso encontro desses dias é um exercício de colegialidade. A Igreja, como mãe amorosa, deve continuamente se abrir para a realidade angustiante de crianças cujas feridas nunca poderão ser curadas", disse o purpurado estadunidense.

Mariangela Jaguraba - Cidade do Vaticano

O arcebispo de Chicago, cardeal Blase Cupich, falou sobre o tema “Sinodalidade: corresponsáveis”, na manhã desta sexta-feira (22/02), no encontro sobre a “A proteção dos menores na Igreja” em andamento, na Sala Nova do Sínodo, no Vaticano, com todos os presidentes das Conferências episcopais.

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“Devemos compreender que o nosso encontro desses dias é um exercício de colegialidade. Estamos aqui, como episcopado universal, numa união afetiva e substancial com o sucessor de Pedro, para discernir através de um diálogo vivo onde o nosso ministério como sucessores dos apóstolos nos chama a enfrentar de maneira adequada o escândalo do abuso sexual por parte do clero que feriu tantos inocentes”, disse o purpurado em seu discurso.

Segundo o cardeal Cupich, é preciso considerar esse desafio “à luz da sinodalidade, aprofundando com toda a Igreja os aspectos estruturais, jurídicos e institucionais do prestar contas. Entende-se por sinodalidade a participação de todos os batizados nos vários níveis, paróquias, dioceseses, realidades nacionais e regionais, através do discernimento e uma reforma que penetra em toda a Igreja. Um discernimento pungente, vital para a Igreja neste momento, dará lugar a elementos de verdade, penitência e renovação das culturas, essencials para cumprir o mandado de proteger os jovens dentro da Igreja, e por sua vez, dentro da sociedade”.  

Provocar na Igreja uma ação global

Para isso, o arcebispo de Chicago afirmou a necessidade de “buscar a conversão de homens e mulheres em toda a Igreja, pais e sacerdotes, catequistas e religiosos, párocos e bispos, e a conversão das culturas eclesiais em todos os continentes. Somente uma visão sinodal, fundada no discernimento, na conversão e na reforma em todos os níveis, pode provocar na Igreja uma ação global em defesa dos mais vulneráveis entre nós, para os quais a graça de Deus nos chama.”

A seguir, o cardeal Cupich contou um fato que ocorreu sessenta anos atrás, com uma mãe que perdeu a filha de nove anos no incêndio da Escola Nossa Senhora dos Anjos, em Chicago, que matou noventa e duas crianças e três religiosas. A mãe da menina, que hoje tem 95 anos, disse ao purpurado, numa ocasião, que a dor pela perda da filha é ainda muito grande, como no dia em que a menina morreu. Ela mostrou ao cardeal Cupich uma foto com a imagem de sua filha. Segurava a foto na mão como algo precioso. “Manteve essa imagem sagrada por sessenta anos, desde o dia do funeral de sua filha”, sublinhou ele.

Esta história comovente de uma mãe em luto, nos coloca em contato, num nível profundamente humano, com o vínculo sagrado que um pai ou uma mãe tem com o seu filho.

“Acredito que este espaço sagrado da vida familiar deve ser o ponto de referência no qual encontrar a nossa motivação, nesses dias em que estamos empenhados na construção de uma cultura do prestar contas, com estruturas adequadas para modificar radicalmente a nossa abordagem a fim de salvaguardar os menores.”

Segundo o cardeal estadunidense, a Igreja deve se tornar como aquela mãe amorosa e entristecida que perdeu a filha no incêndio na escola, em Chicago. “Uma Igreja mortificada no sofrimento, consoladora no amor, constante em indicar a divina ternura de Deus em meio aos sofrimentos de desolação naqueles que foram esmagados pelo abuso do clero.”

“Para uma Igreja que procura ser mãe amorosa diante do abuso sexual por parte do clero, quatro são as orientações, arraigadas na sinodalidade, que devem moldar toda reforma estrutural, jurídica e institucional, projetadas para enfrentar o enorme desafio que a realidade dos abusos sexuais por parte do clero representa neste momento”, disse ainda o cardeal Cupich.

Escuta radical

A primeira orientaçao é a escuta radical. “Uma disposição perene a ouvir totalmente, a fim de entender a experiência degradante daqueles que foram abusados sexualmente pelo clero. Compreendemos o pedido do Santo Padre de nos preparar para esse encontro, entrando pessoalmente nas experiências dos sobreviventes através desse encontro”, sublinhou o purpurado.

“A Igreja, como mãe amorosa, deve continuamente se abrir para a realidade angustiante de crianças cujas feridas nunca poderão ser curadas. A nossa escuta não pode ser passiva, na expectativa de que os abusados encontrem um meio de nos alcançar. Pelo contrário, a nossa escuta deve ser ativa, procurando aqueles que foram feridos para tentar ajudá-los. A nossa escuta deve ter o desejo de enfrentar os erros graves e insensíveis do passado de alguns bispos e superiores religiosos em enfrentar os casos de abuso sexual do clero, além do discernimento para reconhecer a responsabilidade nessas falhas maciças.”

Testemunho dos leigos

A segunda orientação é o testemunho dos leigos. “Afirmar que todo membro da Igreja tem um papel essencial na eliminação dessa realidade horrível de abuso sexual por parte do clero. Na maioria das vezes, é o testemunho dos leigos, especialmente mães e pais com grande amor pela Igreja, que sublinhou de uma forma comovente e incisiva que a comissão, o encobrimento, a tolerância do clero e o abuso sexual são gravemente incompatíveis com a essência e o significado da Igreja”, disse ainda o arcebispo de Chicago.

“Pais e mães nos chamaram a prestar contas, simplesmente porque não conseguem entender como nós, bispos religiosos e superiores religiosos, fomos muitas vezes cegos diante da dimensão e danos do abuso sexual de menores. Os pais estão testemunhando a dupla realidade que deve ser perseguida hoje na Igreja: um esforço incessante para erradicar os abusos sexuais do clero e a rejeição da cultura clerical que muitas vezes gerou esse abuso.”

Colegialidade

A terceira orientação para o trabalho de reforma e orientação é colegialidade. “Os nossos esforços para uma reforma estrutural e jurídica na Igreja devem estar enraizados numa visão profundamente colegial.”

“Neste momento histórico, estamos reunidos aqui porque o Santo Padre pediu fortemente um impulso de reforma, para que a Igreja possa assumir sua responsabilidade de proteger os jovens e exercer seu papel de piedade num mundo que conhece de maneira muito trágica a realidade do abuso sexual.”

Acompanhamento

O quarto princípio da orientação, essencial para as estruturas efetivas de prestação de contas dos  abusos sexuais do clero é o acompanhamento.

“Se a Igreja realmente quer abraçar as vítimas que sobreviveram aos abusos clericais como mãe amorosa, então toda estrutura de responsabilidade deve incluir solidariedade e acompanhamento. O acompanhamento envolve uma tentativa sincera de entender a experiência e a viagem espiritual do outro. Portanto, as estruturas de denúncia, investigação e avaliação das afirmações de abuso devem sempre ser elaboradas e avaliadas, entendendo o que os sobreviventes experimentam quando se aproximam da Igreja em buscam justiça.”

Segundo o purpurado, “o que resta a ser feito são procedimentos claros naqueles casos que por ‘motivos graves’ justificam a remoção do cargo de um bispo, eparca ou superior religioso, conforme definido no motu proprio Sacramentorum sanctitatis tutela e no motu proprio Como uma mãe amorosa.”

O cardeal Cupich indicou alguns elementos relevantes sobre como as Conferências Episcopais devem adotar procedimentos que permitam uma Igreja Sinodal avaliar se os bispos estão envolvidos em más condutas e maus-tratos, conscientes de tomar medias decisivas sem demora.

Estabelecer padrões para as investigações dos bispos

O arcebispo de Chicago agrupou suas observações em três títulos. O primeiro: estabelecer padrões para as investigações dos bispos. Neste caso, as Conferências Episcopais “devem envolver e consultar especialistas leigos de acordo com o direito canônico e referir-se ao Metropolita, considerando sua função tradicional de ordenar a vida eclesial”. Tudo isso, “sem um pré-julgamento por autoridade da Santa Sé”. Se o direito civil exige “a sinalização de abuso de menores, tal lei deve ser seguida”.

Assinalar acusações, no telefone ou na internet

Todos os mecanismos “para apresentar denúncias de abusos ou maus-tratos contra um bispo, devem ser transparentes e bem conhecidos pelos fiéis”. Devem ser criados mecanismos independentes de denúncia, como “uma linha telefônica dedicada a isso ou uma página na internet a fim de receber e transmitir acusações diretamente ao Núncio Apostólico e ao Metropolita, do bispo acusado ou, se necessário, ao seu substituto e a qualquer especialista leigo previsto pelas normas estabelecidas pelas Conferências Episcopais”. “O envolvimento de especialistas leigos”, insiste o cardeal Cupich, “torna-se necessário para o bem do processo e o valor da transparência”. Devem ser estabelecidos outros requisitos e procedimentos para permitir aos ‘membros do clero, que estão cientes da má conduta de um bispo”, referirem às autoridades eclesiásticas apropriadas.

Procedimentos concretos

De acordo com as leis universais da Santa Sé sobre o tema, conforme o motu próprio Como uma mãe amorosa, segundo o purpurado estadunidente as Conferências Episcopais “deveriam levar em consideração a adoção de normas especiais para responder às exigências particulares de cada Conferência”. Normas que devem responder a onze princípios que o arcebispo citou. Primeiramente, tratar com dignidade e respeito as vítimas e suas famílias, oferecendo-lhes “uma assistência pastoral adequada”, “aconselhamento psicológico” e “financiamento feito pela diocese do bispo acusado”.

Segundo, a indicação de um crime não deve ser impedida. Terceiro:  nenhuma pessoa que apresentar uma acusação contra um bispo às autoridades eclesiásticas deve ser discriminada ou vítima de retaliação. Quarto: no processo, desde o início até o fim, mulheres e homens leigos competentes e com experiência devem ser incluídos, respeitando os princípios de prestação de contas e transparência. Quinto: Em qualquer momento durante a investigação, o Metropolita deve ser capaz de recomendar à competente congregação romana que sejam tomadas medidas cautelares apropriadas, incluindo a retirada temporária e pública do acusado de seu cargo. Sexto: se a acusação tem a aparência de verdade, que o metropolita deve determinar com a ajuda de especialistas leigos, o próprio metropolita “pode ​​pedir autorização à Santa Sé para investigar. A natureza exata da investigação, seja penal ou administrativa, dependerá das acusações”. Um pedido, que segundo o cardeal Cupich, “deve ser encaminhado sem demora e a congregação deverá responder imediatamente”.

Sétimo: após a autorização, o Metropolita “deve reunir rapidamente todas as informações pertinentes, em colaboração com os especialistas leigos, para garantir a execução profissional e rápida das investigações e sua rápida conclusão”. Oitavo: a investigação deve ser realizada “com o devido respeito pela privacidade e bom nome de todas as pessoas envolvidas”, mas a Conferência episcopal pode “informar os fiéis sobre as acusações contra o bispo em qualquer fase do processo”, concedendo no entanto ao acusado “a presunção de inocência durante a investigação”.

Nono: encaminhar todos os atos da investigação, com o voto do Metropolita, à Santa Sé. Décimo: instituir um fundo comum nacional, regional ou provincial para cobrir os custos das investigações dos bispos. Décimo primeiro: a Santa Sé toma em consideração o caso de um bispo para fins de resolução com um procedimento administrativo ou penal ou outra ação, ou pode restituir o caso ao metropolita com mais instruções sobre como proceder.

 

 

 

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22 fevereiro 2019, 12:39