Iniciados no domingo (01/03), os Exercícios espirituais da Quaresma prosseguirão em Ariccia até a próxima sexta-feira Iniciados no domingo (01/03), os Exercícios espirituais da Quaresma prosseguirão em Ariccia até a próxima sexta-feira

Exercícios espirituais, padre Bovati: não substituir o crer com o saber

A "falta de fé" esteve no centro da quarta meditação de padre Pietro Bovati, na tarde de terça-feira (03/03), no retiro quaresmal proposto pelo sacerdote jesuíta à Cúria Romana, reunida na localidade de Ariccia até a próxima sexta-feira. Do Vaticano, o Santo Padre acompanha os Exercícios espirituais

Debora Donnini, Raimundo de Lima - Cidade do Vaticano

Também “em nós existem fenômenos de cegueira, de idolatria, que é essencialmente uma falta de fé no Senhor Jesus, a incapacidade de viver verdadeiramente confiando-nos” a Ele. De fato, por trás da idolatria encontra-se a corrupção, o não mais reconhecer Deus, porque cada um faz o seu deus.

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Foi o que ressaltou o padre jesuíta Pietro Bovati na tarde de terça-feira (03/03) na quarta meditação dos Exercícios espirituais em andamento na localidade de Ariccia, partindo do episódio do bezerro de ouro, narrado no Êxodo, e como, nas outras meditações, reportando-se à história de Moisés, ao Evangelho de Mateus e aos Salmos.

Por sua vez, a Sala de Imprensa da Santa Sé informou que o Papa Francisco acompanha do Vaticano as meditações diárias do pregador jesuíta e que o resfriado “está fazendo seu decurso, sem sintomas que sejam reconduzíveis a outras patologias”.

A reflexão da tarde de terça-feira teve como centro o pecado, não como apresentado habitualmente enquanto transgressão à lei de Deus, mas como “falta de fé”. Efetivamente, o primeiro dos preceitos do Decálogo faz referência a não ter outros deuses no lugar do único Deus e a não fazer imagens da divindade.

Esta última especificação, observou o secretário da Pontifícia Comissão Bíblica, foi considerada superada pelo povo cristão: considera-se o ídolo, o fetiche, um legado do passado. Ao invés, é considerado útil, “mesmo contra as tendências iconoclastas”, recorrer a imagens da divindade para aumentar a fé. Mas a idolatria permanece “um pecado capital denunciado em toda a tradição do Antigo Testamento”.

O pecado não reconhecido

De fato, existe “uma cegueira gravíssima” que aflige a consciência, exatamente porque não é reconhecida. Como quando no Evangelho de João Jesus observa: “Como dizeis: ‘Nós vemos’, o vosso pecado permanece”. “É o pecado que não pode ser curado, porque não é reconhecido”, aliás, é negado, portanto, “e se assemelha ao pecado contra o Espírito, sem remédio”, observou padre Bovati.

Igualmente no Evangelho de Mateus, no capítulo 23, encontra-se uma crítica contundente à hipocrisia dos escribas, e também dos fariseus, os observantes que se apresentavam ao povo como modelos a ser seguido.

A hipocrisia é mentira, porque substitui o bom agir pela aparência da bondade, falseia a prática devota porque ao invés de ser “a glória de Deus”, é endereçada à exaltação e à honra do homem. A hipocrisia não sabe julgar, não sabe o que é o verdadeiro discernimento; é cega, não conhece a justiça, a misericórdia, a fidelidade, identifica o bem com práticas e realizações materiais.

O episódio do bezerro de ouro, narrado no Êxodo, capítulo 32, foi central na meditação do teólogo jesuíta. Quando Moisés está na montanha, Deus lhe diz que o povo se perverteu, e o faz usando um verbo que evoca a corrupção, um termo que se usa habitualmente, ressaltou o biblista, um termo que tem seu ponto central no não reconhecer Deus.

Propriamente disso “originam-se todos os males, porque não se ouve mais a voz do Senhor, mas se produzem distorções de diferente natureza propriamente porque se faz o seu deus, se faz a sua lei, se faz a sua beatitude”, afirmou com veemência.

Também na Carta aos Romanos, São Paulo mostra que o fato de não mais reconhecer Deus como Deus é o princípio de toda desagregação em âmbito interpessoal, nas relações sociais e causa das desordens violentas que atingem a sociedade.

Ouvir, não possuir

Propriamente a partir deste texto do Êxodo, padre Bovati desentranhou o fenômeno da idolatria evidenciando vários de seus aspectos: como nasce do desejo de certezas, do preferir “ver”, ao invés do ouvir a voz de Deus invisível.

Mas o talismã pode ter a forma de uma constituição doutrinal ou disciplinar. A sua rigidez, que é considerada sinônimo de solidez e perenidade, o aspecto claro e controlável da doutrina, até mesmo a sua qualidade intelectual, são aparências enganosas, se tal construção substitui a escuta humilde e permanente da voz de Deus que fala como espírito. Se se substitui o crer com o saber, se se cessa de aderir a Deus, se crê certamente possuir a verdade, ao invés de buscá-la e ouvi-la em humilde docilidade.

Jesus venceu o mundo

Em seguida, o episódio do bezerro de ouro levou o pregador a deter-se sobre a importância da imagem pública no mundo virtual em que vivemos e a quando, por vezes, se torna followers de um objeto idolátrico.

Daí, padre Bovati alertou para um culto talvez devoto e esplêndido na execução, mas sem o acolhimento de uma Palavra que transforma. “Não bastam as cerimônias bem feitas – observou –, se elas não são fundadas na autêntica oração que é, em primeiro lugar, escuta” de Deus.

Por fim, foi central a evocação ao Evangelho de Mateus, em particular às tentações no deserto. Jesus sai vitorioso e nos ensina o caminho para superar a nossa cegueira, ressaltou o biblista. Jesus indica o caminho do servo. E também o Salmo 106 recorda que na história de Israel, sempre, Deus intervém com gestos de salvação.

É isso que alarga o nosso coração, que nos faz entrar na ação de graças pela bondade do Senhor, porque seu amor é eterno. Jesus disse: “Tende coragem, Eu venci o mundo”. Eis que venceu também por nós, de modo que no reconhecimento também da nossa pouca fé possamos entoar o hino de louvor, voltando o olhar amoroso para Ele, nosso único Deus, o nosso Salvador.

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04 março 2020, 09:37