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Papa Francisco no Parque Sántakos em Kaunas, na Lituânia Papa Francisco no Parque Sántakos em Kaunas, na Lituânia 

Papa no Angelus: discernimento para descobrir a tempo germe do totalitarismo

"Façamos memória daqueles tempos e peçamos ao Senhor que nos conceda o dom do discernimento para descobrir, a tempo, qualquer novo germe daquele comportamento pernicioso, qualquer aragem que atrofie o coração das gerações que, não o tendo experimentado, poderiam correr atrás daqueles cantos de sereia", disse o Papa no Angelus, referindo-se à perseguição contra os judeus no Gueto em Vilnius.

Manuel Tavares - Cidade do Vaticano

Após a celebração da Eucaristia no Parque Sántakos, de Kaunas, o Santo Padre passou à habitual oração mariana do Angelus, ao meio-dia, antes da qual pronunciou uma alocução, recordando o Livro da Sabedoria, da liturgia de hoje, que fala do justo perseguido, cuja simples presença incomoda os ímpios. No ímpio, o mal procura sempre aniquilar o bem”. E Francisco recordou:

Há setenta e cinco anos, esta Nação assistia à definitiva destruição do Gueto de Vilnius e o aniquilamento de milhares de judeus. Como no livro da Sabedoria, o povo judeu passou por ultrajes e tormentos. Por isso, em memória daqueles tempos, peçamos ao Senhor que nos conceda o dom do discernimento daquele comportamento pernicioso, que atrofia o coração das gerações, que não o tendo experimentado, poderiam correr atrás daqueles cantos de sereia”.

 

Citando o Evangelho do dia, sobre a ânsia de querer ser o primeiro e predominar sobre os outros, o Santo Padre recordou o conselho de Jesus: “ser o último e o servo de todos. Se nos deixarmos guiar por este propósito, então a globalização da solidariedade se tornará uma realidade”. E o Papa concluiu com uma exortação:

Aqui, na Lituânia, há uma “Colina das Cruzes”, onde milhares de pessoas, através dos séculos, plantaram o sinal da cruz. Por isso, convido-os, a pedir a Maria que nos ajude a plantar a cruz do nosso serviço e da nossa dedicação, indo ao encontro de quem mais precisa da nossa atenção, como os excluídos, as minorias, os marginalizados, os descartados”.

Antes de abençoar e se despedir dos fiéis de Kaunas, o Santo Padre aproveitou a oportunidade para agradecer à Presidente e Autoridades da Lituânia, bem como os Bispos e todos os que contribuíram para o bom êxito da sua peregrinação ao país.

Por fim, o Papa dirigiu seu pensamento de modo especial à Comunidade judaica, anunciando que, na parte da tarde, rezará diante do Monumento das Vítimas do Gueto, em Vilnius, por ocasião do 75° aniversário da sua destruição. Que o “Altíssimo – concluiu o Papa - abençoe o diálogo e o empenho comum pela justiça e a paz”.

Ao término da celebração da Santa Missa e da oração do Angelus, Francisco dirigiu-se à Cúria Episcopal de Kaunas, para o almoço com os Bispos da Lituânia.

Texto integral da alocução do Santo Padre:

Amados irmãos e irmãs!

O livro da Sabedoria, que escutamos na primeira leitura, fala-nos do justo perseguido, daquele cuja simples presença já incomoda os ímpios. O ímpio é descrito como a pessoa que oprime o pobre, não tem compaixão da viúva, nem respeita o idoso (cf. 2, 17-20). O ímpio tem a pretensão de pensar que a sua força é a norma da justiça.

Submeter os mais frágeis, usar a força sob qualquer forma, impor um modo de pensar, uma ideologia, um discurso dominante, usar a violência ou a repressão para dobrar aqueles que, simplesmente com o seu agir honesto, simples, operoso e solidário de todos os dias, manifestam que é possível outro mundo, outra sociedade.

Ao ímpio, não lhe basta fazer o que lhe apraz, deixar-se guiar pelos seus caprichos; também não quer que os outros, fazendo o bem, ressaltem este seu modo de proceder. No ímpio, o mal procura sempre aniquilar o bem.

Há setenta e cinco anos, esta nação assistia à definitiva destruição do Gueto de Vilna; culminava, assim, o aniquilamento de milhares de judeus, que começara dois anos antes. À semelhança do que se lê no livro da Sabedoria, o povo judeu passou por ultrajes e tormentos. Façamos memória daqueles tempos e peçamos ao Senhor que nos conceda o dom do discernimento para descobrir, a tempo, qualquer novo germe daquele comportamento pernicioso, qualquer aragem que atrofie o coração das gerações que, não o tendo experimentado, poderiam correr atrás daqueles cantos de sereia.

No Evangelho, Jesus lembra-nos uma tentação a propósito da qual deveremos vigiar atentamente: a ânsia de ser os primeiros, de predominar sobre os outros; tentação esta, que pode esconder-se em todo o coração humano. Quantas vezes sucedeu que um povo se julgou superior, com mais direitos adquiridos, com maiores privilégios a preservar ou conquistar!

Qual é o remédio proposto por Jesus, quando surge tal impulso no nosso coração e na mentalidade duma sociedade ou dum país? Fazer-se o último de todos e o servo de todos; permanecer no lugar para onde ninguém quer ir, aonde nada chega, na periferia mais distante; e servir, criando espaços de encontro com os últimos, com os descartados.

Se o poder se deixasse guiar por isto, se permitíssemos ao Evangelho de Cristo chegar às profundezas da nossa vida, então a globalização da solidariedade seria verdadeiramente uma realidade. «Enquanto no mundo, especialmente nalguns países, se reacendem várias formas de guerras e conflitos, nós, cristãos, insistimos na proposta de reconhecer o outro, de curar as feridas, de construir pontes, de estreitar laços e de nos ajudarmos “a carregar as cargas uns dos outros” (Gal 6, 2)» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 67).

Aqui, na Lituânia, há uma colina das cruzes onde milhares de pessoas, através dos séculos, plantaram o sinal da cruz. Convido-vos, enquanto rezamos o Angelus, a pedir a Maria que nos ajude a plantar a cruz do nosso serviço, da nossa dedicação onde precisam de nós, na colina onde moram os últimos, onde se requer a delicada atenção aos excluídos, às minorias, para afastar dos nossos ambientes e das nossas culturas a possibilidade de aniquilar o outro, marginalizar, continuar a descartar quem nos incomoda e perturba as nossas comodidades.

Jesus coloca uma criança no centro, coloca-a à mesma distância de todos, para que todos se sintam provocados a corresponder-Lhe. Lembrando o «sim» de Maria, peçamos-Lhe que torne o nosso «sim» generoso e fecundo como o d’Ela.

Angelus Domini…

Bom domingo! Bom almoço! – Gražaus sekmadienio! Skaniu pietu!

Missa e Angelus em Kaunas
Veja um trecho da alocução do Santo Padre

 

 

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23 setembro 2018, 11:08