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Dom Altevir da Silva fala do mega projeto da Hidrovia Araguaia-Tocantins

O bispo de Cametá insiste em que “nada fica nas cidades, as pessoas não são beneficiadas”. Pelo contrário, “essa hidrovia, ela vai deixar sinais de morte para muitas pessoas, para os rios, é algo realmente destruidor".

Padre Modino - REPAM

Como “um dos primeiros passos que nós estamos dando para enfrentar as grandes ameaças causadas pelos impactos da hidrovia Araguaia-Tocantins”, entende Dom José Altevir da Silva a caravana composta mais ou menos por 32 pessoas, que visitaram 11 municípios do baixo Tocantins por onde a hidrovia vai passar de 30 de janeiro a 5 de dezembro.

Estamos diante de “um mega projeto já pensado há muitos anos atrás”, segundo o bispo da Diocese de Cametá, “e aos poucos vem tomando corpo”. Esse projeto acelerou, especialmente no tempo da pandemia, insiste o bispo, que denuncia “tudo isso que está acontecendo no Brasil, com relação à Amazônia, o apoio do Governo Federal para entrar na Amazônia de uma maneira desrespeitosa como estão fazendo”.

Dom Altevir também denuncia os planos do Governo Federal, que está querendo levar adiante a hidrovia “sem o menor respeito, sem conhecimento, sem consulta prévia, sem autorização do povo local, algo garantido na Constituição”. Sabendo disso, os movimentos sociais e também a Igreja, planejaram fazer algo, e fizeram essa caravana, afirma o bispo.

Relatando a experiência, ele destaca que “esses lugares estavam preparados, com as comunidades locais, ribeirinhas, quilombolas, indígenas, estavam reunidos para poder receber essa caravana, que eram pessoas com muita consciência de luta, em defesa dos rios, do meio ambiente, do território, das pessoas”. Foi uma oportunidade para “mostrar os efeitos que essa hidrovia vai causar e junto com eles ver alguma perspectiva de vida, algum sinal de esperança”, segundo o bispo de Cametá.

O ponto de partida foi o polo industrial de Barcarena, porto grande com saída para Estados Unidos e outros lugares, e pararam em mais 10 municípios, e ali, em palavras de Dom Altevir, “apresentavam os impactos, escutavam o povo, debatiam, um processo de escuta muito próximo da realidade, o povo também apresentava seus aspectos culturais, sua religiosidade”.

Essa realidade atinge fortemente a Diocese de Cametá, que desde o início teve claro que “não tinha como ficar fora” ajudando para poder dar esse primeiro passo para a conscientização. Segundo o bispo, “dentro do barco tinha momentos de espiritualidade, voltados para nossas raízes amazônicas, os rios, o contato da natureza e o ser humano, essa integração do ser humano e os territórios”.

Dom Altevir insiste em que “nada fica nas cidades, as pessoas não são beneficiadas”. Pelo contrário, “essa hidrovia, ela vai deixar sinais de morte para muitas pessoas, para os rios, é algo realmente destruidor, um canal de exportação que vem desde o Centro-Oeste para a exportação”, insiste. Ele relata algumas situações de irão acontecer com a hidrovia, “os ribeirinhos, as crianças que atravessavam o rio em canoinha, não vão mais poder fazer isso”.

Também o desaparecimento de espécies de peixes, algo que já aconteceu com a hidroelétrica de Tucuruí, quando desapareceram no mínimo 10 espécies de peixes. “Isso significa uma morte muito grande para o meio ambiente”, insiste o bispo. Ele relata outras consequências como o derrocamento de uma pedreira que existe em Marabá, lugar onde os peixes ficam para desovar.

O Regional Norte 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), está buscando a defesa do rio e do povo. Em relação ao povo, o bispo destaca sua reação como algo fantástico. Segundo ele, “de certa forma as lutas estão um pouco adormecidas, inclusive antes da pandemia havia poucos sinais de luta, especialmente para defender o meio ambiente. Mesmo com o Sínodo, mesmo com as propostas pós-sinodais, a Querida Amazónia, com tantos materiais que nós temos, mas a gente percebe que a luta ainda era de poucos”.

Mesmo não conseguindo parar essa hidrovia, “algo fantástico já está acontecendo, o despertar para a retomada de uma luta através da consciência”, enfatiza Dom Altevir. Os aportes das comunidades por onde a caravana passou “esse já é um grande passo, porque o povo não desiste da luta facilmente, se tem uma causa clara o povo está também junto”. Por isso, o bispo de Cametá insiste em que “essa caravana começou a despertar um pouco mais a consciência dessas comunidades ribeirinhas no sentido de lutar pelos direitos com relação ao rio”.

Segundo ele, “isso simultaneamente vai aumentar a vontade de lutar por outros direitos que nos são negados, seja com relação à educação, à saúde, o transporte e a merenda escolar”. Daí a importância de ir “ao encontro dessas comunidades, algo que há muitos anos não tinha sido feito, sendo uma oportunidade para a comunidade se expressar, algo bem diferente das reuniões com os representantes das comunidades, que repassam direito o que foi discutido nas reuniões. Fazendo a escuta no território, faz toda a diferença”, enfatiza Dom Altevir.

Em relação à Querida Amazónia, que completou 12 de fevereiro dois anos de sua publicação, “ela veio despertar e aumentar em nós a esperança, porque ela, de certa forma, ouviu as intervenções ao longo do Sínodo e veio para ser um reforço para os encaminhamentos, as inspirações do Sínodo para a Amazônia”, afirma quem foi um dos padres sinodais. Segundo o bispo, “o Papa Francisco, transformando em sonhos, horizontes para a Amazônia, isso tem aumentado em nós a esperança, os sonhos, porque a Amazônia é um grande bioma, onde tudo está interligado, e tudo isso na exortação se faz presente, uma reflexão para os 9 países da Amazônia e para o mundo todo”.

Analisando o sonho social, “ele desperta em várias dioceses os projetos sociais que estavam sendo deixados de lado”, segundo Dom Altevir. Isso como consequência de que “entrou outra espiritualidade um pouco mais desvinculada da vida, do social, e o sonho social veio ajudar a voltar nossos pensamentos, nosso trabalho, para essa dimensão social, compromisso com a vida”. Ele relata alguns exemplos em que o sonho social ajuda, como “no trabalho junto aos quilombolas, indígenas, povos tradicionais, um caminho para nós para desenvolver esses trabalhos que estão parados praticamente em muitos lugares”.

Em relação com o sonho ecológico cita a luta contra a hidrovia, insistindo em que “muitos elementos na Querida Amazônia nos ajudaram a mostrar saídas diante desses impactos contra o meio ambiente”. Já o sonho eclesial “veio dando outro rumo para as nossas diretrizes, os regionais fizeram suas diretrizes a partir desse sonho”. Tem se buscando combinar os quatro sonhos e as Diretrizes para a Ação Evangelizadora da CNBB, segundo o bispo. Ele reafirma que “Querida Amazónia trouxe muita contribuição, preparou o terreno para acolher o Sínodo para a Amazônia”.

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16 fevereiro 2022, 13:53