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Paróquia Quilombola: resgatando a vida e dignidade do povo negro

Ser presença no meio de um povo que sofre. A Paróquia São Roque, na Comunidade Quilombola Matinha dos Pretos na Arquidiocese de Feira de Santana (BA) é um sinal profético de uma igreja samaritana. No Brasil será a primeira paróquia nesta região marcada pelo sofrimento e de desafios pastorais.

Ricardo Gomes – Jornalista

Desafios de ser Igreja no meio do povo que sofre. No domingo (28/11) a arquidiocese de Feira de Santana (BA) elevou a igreja de São Roque, na Comunidade Quilombola Matinha dos Pretos a paróquia. Para os moradores representa um sinal profético de esperança. Na última quinta-feira se reuniram para receber os dois sacerdotes que celebraram a primeira missa e iniciarão a missão pastoral.

A nova paróquia reunirá 13 comunidades em sua área pastoral, com o maior número de comunidades quilombolas no Município de Feira de Santana. A nova paróquia tem uma caminhada histórica na resistência, na luta pela terra, em meio aos desafios, mas nunca perdeu a esperança, a fé e a alegria com sua rica diversidade cultural.

Comunidade Quilombola
Comunidade Quilombola

Para Francisca das Virgens Fonseca, da Comunidade Quilombola Candeal II é um tempo de esperança, de uma certeza da presença profética e samaritana da Igreja. Esperança, fé e alegria são as marcas desse povo que luta para defender suas tradições culturais, raiz da africanidade.

“Para nós a criação desta nova paróquia representa expectativas e desafios de um tempo novo, mas não diferente com uma evangelização tentando recuperar as expressões culturais dos povos quilombolas com sua diversidade cultural e religiosa. É um momento para igreja agregar tudo isso em seu modelo de evangelizar. Trazer o Evangelho para a vida e manifestar a sua fé utilizando elementos da cultura e fortalecendo a nossa identidade, e através da Pastoral Afro-brasileira trazer o Evangelho para a vida do povo”, revela Francisca.

Uma construção coletiva

A paróquia São Roque, tem uma história de mais de 100 anos de lutas e resistência. Tem seu território desmembrado da Paróquia São Jose das Itapororocas. Uma comunidade com uma história iniciada com o Quilombo da Matinha dos Pretos. Surgiu com os escravos que fugiram da Senzala da Fazenda Candeal e iniciaram um lugar para resistir à escravidão, e com a fé de uma moradora que decidiu pagar uma promessa a São Roque pedindo que a Peste Bubônica não chegasse à comunidade. E com o pedido atendido comprou a imagem e iniciou a construção da capela dedicada ao santo.

Comunidade Quilombola - chegada dos padres
Comunidade Quilombola - chegada dos padres

A criação da paróquia São Roque representa a presença da igreja numa região marcada pela luta e resistência. Desde a construção da igreja foi travada a luta para a sobrevivência no cultivo da terra produzindo produtos agrícolas. Um sonho e uma conquista para Francisca das Virgens Fonseca que conta um pouco dessa epopeia de conquistas.

“A criação da paróquia para nós moradores de comunidades quilombolas representa o momento de expectativas e desafios pelo novo, de uma forma de evangelização tentando recuperar as expressões culturais do povo quilombola com sua diversidade cultural, religiosa, do jeito de ser e de produzir e uma expectativa da igreja agregar tudo isso”, revela Francisca.

Comunidade Quilombola - padres Ibrahin e  Luiz Antônio
Comunidade Quilombola - padres Ibrahin e Luiz Antônio

Igreja solidária e samaritana

Padre Luiz Antônio destaca a necessidade de ser uma Igreja solidária a dor do povo quilombola que traz na sua história a luta e a resistência. Um povo sofrido que sobrevive às intempéries e influencias do centro urbano com a violência e dificuldades de acesso aos meios e benefícios sociais. O sacerdote tem como proposta a construção de uma paróquia que seja comunidade de comunidades.

Maria das Neves

Na opinião do missionário da Consolata, padre Luis Antônio, que está assumindo a nova paróquia com uma presença da igreja numa comunidade quilombola sendo a primeira no Brasil. O sacerdote teve a sua formação teológica no Quênia, na África, atuando como Diácono em Uganda e depois da ordenação sacerdotal teve uma experiência em Luanda, como primeira missão.

“Os valores tradicionais da cultura africana ainda não são bem vistos e o desafio é trabalhar com o povo para que sinta orgulhoso da cultura e recorde aqueles que lutaram pela libertação dos negros. Nesse momento inicial vamos aprender com eles, e vamos acompanhar e formar uma rede de comunidades. É necessário estar na comunidade para acompanhar as lutas do povo, seus anseios. Nesse caso da Matinha são muitas as dificuldades como transporte público”. Padre Luiz Antônio – Missionário Consolata.

Comunidade Quilombola
Comunidade Quilombola

“Assumindo essa missão na Comunidade Quilombola Matinha dos Pretos reconhecida na Paróquia São Roque com um tom muito forte da africanidade, essa minha experiência na África é de muita importância. Na África vi muitos valores que na cultura brasileira aos poucos vai se perdendo como a acolhida, a alegria que é muito presente nas terras africanas e no Brasil com o passar dos tempos esses valores se perdem. Nesta comunidade paroquial vamos tentar resgatar. Já estamos em duas comunidades quilombolas reconhecidas. Um grande desafio é uma comunidade rural e por estar muito próxima à cidade, sofre as influências do meio urbano, como a violência que vai chegando, a insegurança, desemprego e a maioria das pessoas passa a trabalhar na cidade e o campo fica um pouco esquecido”, relata padre Luiz.

Comunidade Quilombola - os pdadres chegando
Comunidade Quilombola - os pdadres chegando

Cuidar da Terra

A agricultura está na base da economia das comunidades quilombolas. Produzem o milho, feijão e a mandioca, lavouras de subsistência. Com esse trabalho ajuda a geração de renda e a permanência das mulheres no cultivo da terra. Assim preserva a cultura ancestral

A lavoura de subsistência produzindo o milho, feijão e a mandioca e a preservação dos valores culturais de produção de alimentos. Uma cultura rica, mas ainda desvalorizada pela sociedade moderna com as influências da cultura urbana. E este um desafio para Maria das Neves que relata um pouco do cotidiano das mulheres quilombolas.

Ibrahin

“Aqui na comunidade Matinha dos Pretos temos a cultura de subsistência que é o milho, feijão e a mandioca e temos o trabalho com a fruticultura com o beneficiamento da polpa de frutas realizadas pelo Grupo de Mulheres Quilombolas com produção de beneficiamento da manga, tamarino, caju e goiaba. Esse projeto é para agregar valores e melhorar a renda das mulheres e a permanência dessas trabalhadoras rurais no campo. Nós mulheres abraçamos a causa e estamos de pé e queremos fazer a diferença”, relata Maria das Neves.

“A produção agrícola comunitária está voltada para o cultivo da mandioca, milho, feijão, frutas e folhas, num trabalho desenvolvido pelo coletivo familiar, o que garante o sustento das famílias. Também é diversa na configuração do trabalho, composta por lavradores e trabalhadores assalariados que se deslocam para a cidade em busca de emprego para complementar a renda familiar. É uma região que está inserida num espaço de muita fé e lutas reivindicatórias pelos direitos a saúde, educação e inclusão produtiva. Mas que encontra na religião uma forma de manifestar sua devoção e fé, seja através de seus benditos, ladainhas entre outros modos de devoção popular”. Francisca das Virgens Fonseca- Comunidade Quilombola Candeal II.

Roda de samba

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29 novembro 2021, 13:00