Cerimonias fúnebres para mortos pela Covid 19 Cerimonias fúnebres para mortos pela Covid 19  

Pandemia: o cuidado pastoral às familias que perderam entes queridos

A Pandemia tem causado transtornos nos familiares das vítimas da Covid 19, impedidos da realização de velórios e despedidas dos familiares. Padre Marcelo José da Arquidiocese de Niterói destaca a importância do cuidado da igreja em dar assistência as famílias enlutadas e nos casos de vítimas da Covid 19 o zelo em realizar as cerimonias fúnebres com todos protocolos sanitários. As cerimônias são breves e restritas aos familiares. Na Diocese experiências pastorais nas paróquias Nossa Senhora da Penha, Morro do Coco e Santo Antônio, Porciúncula.

Ricardo Gomes – Diocese de Campos

Padre Marcelo José, da Arquidiocese de Niterói e psicólogo recomenda que as cerimonias fúnebres para mortos pela Covid 19 devem ser breves, com número restrito e obedecendo todos os protocolos sanitários, mas destaca a importância desses momentos de conforto aos familiares enlutados.

“Neste tempo de pandemia, algumas pessoas não tiveram um velório adequado, conforme o costume, mas sim, apressado e com isso, pode acentuar, ainda mais, o luto. Outro fato que ainda pesa é que algumas pessoas não tiveram uma assistência religiosa e com isso, gera-se mais um peso de luto, ou seja, de não ter o apoio da Igreja, da comunidade.  No início da pandemia, fiz alguns velórios por vídeo chamada, para amenizar um pouco o sofrimento da família.  Alguns meses depois pude realizar algumas exéquias e ser criativo ao realizar as orações com 5 - 10 minutos fazendo um rito breve de exéquias. Uma vez, a instituição chegou atrasada com o corpo do falecido, e estavam correndo querendo fechar o caixão e com isso, a família pediu por favor para fazer uma oração”, disse ele.

Observa padre Marcelo que o contexto litúrgico das exéquias desempenha um papel significativo, pois representa o apoio da comunidade aos familiares para que possam dar o último adeus ao seu ente querido. Caso não consiga esse ato litúrgico, a comunidade pode ajudar no pós-luto através de telefonemas, realizações de missas (7° dia, meses, ano), apresentando livros sobre o assunto (Morte, minha irmã; Cura dos traumas da morte), vídeos na internet, a indicação de um profissional ou orientador espiritual, para que possam orientá-los nesse momento de luto.

“Outra vez, no velório de um afilhado comecei a cantar e com isso, amenizar o sofrimento presente que estávamos sentindo. Veio uma pessoa e me falou: "Nossa como a música conforta o coração" (Dica: utilize o YouTube para pegar belíssimas músicas e ouvir no velório), conta padre Marcelo.

Enterro
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Assistência Pastoral

Na Paróquia Nossa Senhora da Penha, em Morro do Coco, Diocese de Campos a situação tem levado o padre José Mauricio Peixoto a realizar todos os ritos exequiais com todos os cuidados necessários para evitar o contágio com a Covid. Da porta do cemitério que fica nas proximidades da matriz procura estar presente para amenizar a dor dos familiares diante da perda de uma pessoa da família e relata a preocupação com famílias com mortes pelo vírus.

“Tivemos numa semana uma família que perdeu duas pessoas num curto espaço de tempo, e como nossa missão e ajudar a cuidar das vidas temos procurado realizar as cerimônias fúnebres com todos os cuidados, mas pensando no bem das almas e dos familiares abalados pelas mortes sem terem como estarem juntos na hora mais dolorosa. E graças a Deus temos realizados essas cerimonias com presença da família”, conta.

Medo, mas responsabilidade pastoral

Padre Thiago Linhares, da Paróquia Santo Antônio, na cidade de Porciúncula (RJ) não esconde o medo, mas destaca a importância da responsabilidade pastoral neste tempo marcado pela dor e pela morte. Com todo cuidado procura realizar as cerimônias com tempo reduzido e com a presença dos familiares. E revela que partir de cada situação e dentro de cada realidade a Igreja precisa acompanhar, como sempre fez ao longo da história, também este momento, novo e exigente, do nosso tempo. Oferecer um sepultamento cristão.

Padre Thiago Linhares
Padre Thiago Linhares

“Além de ser sinal do cuidado da Igreja para com o fiel defunto, é também um conforto espiritual e humano para os familiares, que já passando pela dor da perda ainda tem de se submeter à traumática despedida exigida pelas medidas sanitárias. Aos que não puderam realizar pelo menos as orações finais, há sempre a mesma queixa: ‘parece que o ciclo não se completa’. Aqui em nossa realidade podemos assistir as famílias e os fiéis defuntos vítimas da covid atendendo as medidas de segurança. Geralmente, à porta do cemitério, com o caixão ainda no carro da funerária, e com a presença reduzida de familiares, fazíamos um rito breve -ou até brevíssimo, segundo as condições de exéquias”, relata.

E completa que quando a família não estava presente as orações estavam sendo feitas pelas pastorais da paróquia rezando o terço, e com todos cuidados e medidas sanitárias. E neste tempo o cuidado pastoral exige o encontro de formas de presença que promova apesar do distanciamento a proximidade espiritual.

“O distanciamento não pode ser desaparecimento, por isso a importância de se redescobrir novas formas de presença”, conclui padre Thiago.

O bispo diocesano de Campos, dom Roberto Francisco Ferreria Paz chama a atenção que o velório e os ritos exequiais elaboram o luto para os familiares como oportunidade de prestar gestos e atitudes que reverenciam a parentalidade e a entrega a Deus. O velório com todos os cuidados é muito importante porque permite realizar o luto de forma natural, sacral.

“Tirar esses ritos necessários para a reconciliação com a morte traz muito prejuízo para a nossa consciência religiosa, para a nossa psique que fica muito abalada por não permitir a manifestação de nosso sentimento diante do féretro e do ser querido, fazer a despedida que tem todo um sentido. Tudo isso é muito importante o funeral, toda uma simbologia do novo nascimento que é a morte, essa transformação de toda a nossa vida. Participar com a fé e a esperança neste momento é muito significativo e nós devemos como religiosos defender esse direito”, pontua Dom Roberto Francisco.

Ressignificando despedidas

“Perdi na semana que passou três pessoas muito queridas pela Covid-19. Isso me fez de novo ficar em luto, viver meu luto, refletir sobre o luto.” Padre Lício de Araújo Vale.

Padre Lìcio de Araújo Vale, da Diocese de São Miguel Paulista (SP) fala de sua experiencia pessoal da perda de pessoas próximas e o efeito psicológico e a necessidade de ressignificar despedidas e perdas.

Padre Lìcio de Araújo Vale
Padre Lìcio de Araújo Vale

Dor talvez seja a palavra que mais se encaixa ao recebermos a notícia do abrupto rompimento de um vínculo: a morte de alguém amada. Depois da rasteira da informação recebida, o primeiro sentimento dolosíssimo nos toma o âmbito emocional e, no âmbito racional, e a hora de buscar os meios de compreensão desse momento tão difícil: “Por que ele? Por que agora?”  São muitos os porquês cujas respostas (quando existem não parecem fazer sentido algum. Além disso, a dor da perda, o período de quarenta nos trouxe uma nova dor: como dizer adeus a quem a pessoas sem os tradicionais rituais de despedida?

“Despedidas são parte essencial da vida, despedir-se é validar as experiências vividas com o outro, uma boa relação é aquela que permite que a experiência seja vivida em seu ciclo completo, começo, meio e fim. Portanto, o fim faz parte de um contato saudável. Uma das coisas que acompanha durante o processo da vida é a necessidade de cuidar dos mortos e esse é um dos sentidos fundamentais dos rituais de despedida”, destaca padre Lício.

A função de um velório é permitir que possibilite sofrer juntos, compartilhar emoções, abraços, afetos e o conforto falando da pessoa amada que é a função fundamental de um velório, ou seja, dizer adeus a pessoa amada. Neste tempo de quarenta pela Covid-19 os velórios estão cercados de restrições: duração máxima de duas horas, poucas pessoas, caixões lacrados etc....

Padre Lício

“O velório como estávamos acostumados a fazer, o despedir-se, as últimas homenagens necessitam serem repensadas e como já disse exacerbam a dor da perda. Esses limites nos forçam a descobrir juntos novas atitudes tais como desenvolver rituais e cerimônias de despedidas simbólicas. Dou um exemplo. As famílias e os amigos destes 3 amigos que perdi na semana passada, combinamos pelas redes sociais em determinada hora fazer uma prece por elas. Um de nós escreveu o texto e repassamos a um número maior possível de pessoas e no horário combinado estávamos “emocionalmente conectados e juntos, rezando e nos despedindo. Foi o jeito criativo que encontramos de cultivar intimidade, proximidade, de nos despedirmos delicadeza diante de restrições tão fortes de distanciamento social”, revela.

Não existe receita, mas é a hora de fazer exercícios de comunhão. Conversar e compartilhar fotos e vídeos com as lembranças boas e de convivência com a pessoa que partiu. Ouvir, tocar músicas que a pessoa gostava, criar um momento orante em comum pela pessoa. “Escolher um alimento que do gosto do ente querido e se alimentar, simultaneamente em reuniões on-line.  Plantar uma árvore. São algumas dicas podem nos ajudar a despedir de uma maneira simbólica e significativa e por isso também, vivenciada, o que ajuda muito a ressignificar.

“Daí a importância dos rituais de despedida, graças a eles é possível iniciar o processo de luto e que se plenamente vivido será mais leve com o passar dos dias, meses e anos. A partir das despedidas e como já dito, destas novas formas de demonstração de amor e gratidão, você terá um marco divisor em sua vida para que, a partir dele, as memórias comecem a ser ressignificadas pouco a pouco, de acordo com o tempo de cada um. E a memória seja guardada nas lembranças. E assim vamos tentando ressignificar nossas despedidas das pessoas que amamos e partiram desta vida”, conclui o sacerdote.

Fotos : Carlos Grevi ( Terceira Via) e Divulgação

Velório em tempo de pandemia

 

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21 junho 2021, 13:33