Os novos Beatos foram martirizados in odium fidei no contexto da guerra civil que assolou o país entre 1980 e 1991. Os novos Beatos foram martirizados in odium fidei no contexto da guerra civil que assolou o país entre 1980 e 1991. 

Beatificação dos mártires de Quiché, um chamado à reconciliação da Guatemala

Na sexta-feira foram beatificados os 10 mártires mortos por 'ódio à fé' na Guatemala. O bispo da diocese de Quiché, Dom Rosolino Bianchetti, explicou ao Vaticano News como seu sacrifício inspira a construção de um país unido diante das ameaças do tempo presente como a pobreza, a exploração e as migrações forçadas. Para o povo guatemalteco, são modelos de fé e coragem

Sofia Lobos e Adriana Masotti – Vatican News

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Os 'mártires de Quiché' foram beatificados na sexta-feira, 23, na Guatemala: três sacerdotes espanhóis, missionários do Sagrado Coração de Jesus; José María Gran, Faustino Villanueva e Juan Alonso, junto com sete catequistas leigos; Rosalío Benito, Reyes Us, Domingo del Barrio, Nicolás Castro, Tomás Ramírez, Miguel Tiú e Juan Barrera Méndez, assassinados, este último aos 12 anos, em 'ódio à fé' no contexto da guerra civil que assolou o país entre 1980 e 1991. A cerimônia de beatificação teve lugar na Catedral de Santa Cruz del Quiché e foi presidida pelo cardeal guatemalteco Álvaro Leonel Ramazzini.

Homens de fé, dedicados ao serviço

 

Décadas depois do martírio, o sangue derramado por estes "homens de fé", dedicados totalmente ao serviço do Evangelho e da Igreja, continua a dar frutos em abundância. Foi o que afirmou ao Vatican News Dom Rosolino Bianchetti Boffelli, de origem italiana, atual bispo da diocese de Quiché, no altiplano guatemalteco, na fronteira com o México, e missionário 'fidei donum' no país.

“Os nossos mártires eram realmente missionários em movimento - diz o prelado -. Iam de casa em casa, mantendo viva a fé, rezando com os irmãos, evangelizando, implorando ao Deus da vida. Eram homens de grande fé, de grande confiança em Deus, mas ao mesmo tempo de muita dedicação para que houvesse uma mudança, uma Guatemala diferente”.

 

Dom Bianchetti refere-se a eles como "líderes na Igreja" que conjugavam muito bem "o compromisso de fazer viver as suas comunidades segundo o desígnio de Deus, fazendo crescer o Reino de Deus, anunciando a libertação, a vida em abundância que Jesus oferece todos nós".

Evangelização e assistência aos pobres e enfermos

 

Movidos pelo desejo de contribuir para a missão apostólica da Igreja em suas terras, esses homens corajosos não se detiveram diante de nenhum tipo de ameaça e "abraçaram sua cruz", acrescenta o bispo de Quiché, sendo perseguidos, torturados e mortos por aqueles que consideravam os ensinos do Evangelho como "um perigo" para os interesses dos poderosos.

“Eram homens de grande estatura”, continua Dom Bianchetti, sublinhando que, com a Palavra de Deus e o Rosário nas mãos, visitavam as suas comunidades para ajudar os mais necessitados: os sacerdotes apoiavam os fiéis, enquanto os leigos, depois de terminarem os seus trabalhos, iam visitar os enfermos, anunciavam a Boa Nova, serviam na Igreja e ajudavam os camponeses a recuperar a terra que lhes havia sido roubada injustamente.

Contemplativos em ação

 

Dom Bianchetti sublinha ainda o profundo significado que a beatificação destes mártires tem para a Igreja na Guatemala e, em particular, para a sua diocese. “Para nós – diz ele - significa chegar ao ápice de um longo caminho que Jesus chamou estes homens a empreender, com aquela nova evangelização que se realizou então na Guatemala. Um caminho de fidelidade, de dedicação, de paixão pelo Reino. Chamo-os de “contemplativos em ação” - diz Dom Bianchetti -, por aquela fé que carregavam no coração, com aquela espiritualidade herdada de seus ancestrais que combinava uma fé profunda com uma confiança total, uma dedicação ilimitada a Jesus no serviço aos irmãos e irmãs". E observa que para todos os guatemaltecos esta beatificação significa "ser entusiastas, apaixonar-se sempre mais pelo seguimento de Jesus, como seus discípulos", mantendo esta "tocha da fé" que os mártires deixaram.

Juanito, o 'Carlo Acutis' da Guatemala

 

Dom Bianchetti dedica algumas palavras em particular ao mais jovem dos mártires, Juan Barrera Méndez, conhecido como "Juanito" que, explica o prelado, aos 12 anos demonstrou uma profunda maturidade espiritual como catequista de crianças que se preparavam para receber a Primeira Comunhão e até mesmo recebeu o Sacramento da Confirmação.

“A nossa pérola preciosa - afirma - é Juanito que era catequista entre os seus pares da comunidade. Segundo os testemunhos que temos, ele carregava no coração aquela chama, aquela paixão em seguir Jesus. Queria até construir uma igreja perto de sua casa para que seu pai, que a princípio se recusava frequentar a igreja, pudesse ali participar.

Juanito foi torturado no dia em que foi capturado em um ataque do exército em sua comunidade e as solas de seus pés foram cortadas. Em seguida, eles o fizeram caminhar ao longo da margem do rio. Ele foi pendurado em uma árvore e atiraram nele ... E hoje Juanito brilha. O seu testemunho - continua o prelado - se tornou 'viral', aqui os jovens o chamam de 'Carlo Acutis' da Guatemala”. “A Guatemala constrói uma sociedade reconciliada”. Combater como os mártires contra as “novas ameaças”.

Um chamado à caridade e à reconciliação no país

 

O bispo de Quiché também destaca que o exemplo de coragem destes cristãos é uma fonte de inspiração para as comunidades de hoje na Guatemala, que se deparam com as ameaças do nosso tempo, como a pobreza, a falta de trabalho, a exploração e as migrações forçadas: “Neste momento no terceiro milênio - destaca o bispo - ainda há muitas comunidades sem eletricidade, inclusive algumas que estão muito próximas às hidrelétricas. Há também o sofrimento de nossos migrantes, muitos deles partem para os Estados Unidos”.

Dom Bianchetti recorda que esta beatificação é também um chamado para construir uma sociedade reconciliada na Guatemala com a contribuição de todos. Não há um único testemunho que diga "este se vingou" pela morte dos mártires, observou o bispo. “Ninguém se vingou porque matou seu parente, pai ou amigo, ou porque incendiou as casas. Mas há muito sofrimento e feridas abertas. Para isso devemos continuar caminhando para curar essas feridas com os olhos e o coração fixos em Jesus crucificado e ressuscitado. Esta é a nossa missão”.

Guatemala diante da pandemia e outras calamidades

 

Referindo-se à atual pandemia causada pela Covid-19, o bispo de Quiché afirma que os guatemaltecos representam um povo que sempre "carregou sua cruz". "É um povo que luta em meio a esta pandemia para sobreviver com dignidade. As remessas são a principal contribuição das pessoas para movimentar a economia. É o que conhecemos como economia informal, porque na Guatemala também a macroeconomia se sustenta graças ao microinvestimento no comércio e na educação das crianças”, explica dom Bianchetti, destacando que o povo guatemalteco soube enfrentar muitos sofrimentos e calamidades, não somente naturais.

Apesar da incerteza do panorama global atual, Dom Bianchetti conclui a entrevista com uma mensagem encorajadora: “A Igreja aqui em Quiché, humildemente, mas com muita esperança, caminha e quer continuar construindo de mãos dadas com nossos mártires, novos Céu e nova terra com muita fé, com muita esperança e com muita paixão pelo Reino de Deus”.

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24 abril 2021, 07:08