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Mons. Sampaio: Pontes de misericórdia e de diálogo!

“O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito” (Jo 3,8)

Mons. André Sampaio de Oliveira – Vatican News

No mundo atual, em diversas partes, mediante o sopro da graça do Espírito Santo, empreendem-se, pela oração, pela palavra e pela ação, muitas tentativas de aproximação daquela plenitude de unidade que Jesus Cristo quis. Desejo ardente expresso na oração sacerdotal na qual pediu ao Pai para seus discípulos, isto é, para todas as pessoas que se encontram na convivência com Ele e que N’Ele crêem: “Não rogo apenas por eles, mas também por todos aqueles que, por meio de sua palavra, vão crer em mim, para que todos sejam um, assim como, Pai, estais em mim e eu em Vós; para que eles seja um em nós…”  (Cf. Jo, 17, 20-21).

O ecumenismo não é, pois, uma convivência social. É uma afirmação nos fundamentos que constituem a única e verdadeira Igreja, independente de denominações adjetivas, que se procura superar no afã de realizar o desejo ardente de Cristo “que todos sejam um”. A superação dessas diferenças exige a graça e a nossa cooperação. Por isso, a par dos esforços de cada comunidade há necessidade da oração em união e em seguimento à prece pontifical de Jesus.

Nos ensina o Decreto Unitatis Redintegratio que por “movimento ecumênico” entendem-se as atividades e iniciativas, que são suscitadas e ordenadas, segundo as várias necessidades da Igreja e oportunidades dos tempos, no sentido de favorecer a unidade dos cristãos. Tais são: primeiro, todos os esforços para eliminar palavras, juízos e ações que, segundo a equidade e a verdade, não correspondem à condição dos irmãos separados e, por isso, tornam mais difíceis as relações com eles; depois, o “diálogo” estabelecido entre peritos competentes, em reuniões de cristãos das diversas Igrejas em Comunidades, organizadas em espírito religioso, em que cada qual explica mais profundamente a doutrina da sua Comunhão e apresenta com clareza as suas características. Com este diálogo, todos adquirem um conhecimento mais verdadeiro e um apreço mais justo da doutrina e da vida de cada Comunhão. Então estas Comunhões conseguem também uma mais ampla colaboração em certas obrigações que a consciência cristã exige em vista do bem comum. E onde for possível, reúnem-se em oração unânime. Enfim, todos examinam a sua fidelidade à vontade de Cristo acerca da Igreja e, na medida da necessidade, levam vigorosamente por diante o trabalho de renovação e de reforma. (Cf. UR 3)

“As Igrejas e Comunidades eclesiais, que se separaram da Sé Apostólica Romana naquela grave perturbação iniciada no Ocidente já pelos fins da Idade média, ou em tempos posteriores, continuam, contudo, ligadas à Igreja católica pelos laços de uma peculiar afinidade devida à longa convivência do povo cristão na comunhão eclesiástica durante os séculos passados. Visto que estas Igrejas e Comunidades eclesiais, por causa da diversidade de origem, doutrina e vida espiritual não só diferem de nós mas também diferem consideravelmente entre si, descrevê-las de modo adequado é um trabalho muito difícil, que não entendemos fazer aqui”. (UR 19)

É importante compreender que “as Igrejas e Comunidades separadas, embora creiamos que tenham defeitos, de forma alguma estão despojadas de sentido e de significação no mistério da salvação. Pois o Espírito de Cristo não recusa servir-se delas como de meios de salvação cuja virtude deriva da própria plenitude de graça e verdade confiada à Igreja católica.” (Cfr. IV Conc. Lateranense (1215), const. IV: Mansi 22, 990; II Conc. Lugdunense, Profissão de fé de Miguel Paleólogo: Mansi 24, 71 E; Conc. Florentino, Ses. VI, definição Laetentur Coeli: Mansi 31, 1026 E.)

Mas é evidente que o trabalho de preparação e reconciliação dos indivíduos que desejam a plena comunhão católica é por sua natureza distinto da empresa ecumênica: Entretanto, não existe nenhuma oposição entre as duas, pois ambas procedem da admirável Providência divina.

Desde que os fiéis da Igreja Católica prudente e pacientemente trabalhem sob a vigilância dos pastores, tudo isto contribuirá para promover a equidade e a verdade, a concórdia e a colaboração, o espírito fraterno e a união. Assim, palmilhando este caminho, superando pouco a pouco os obstáculos que impedem a perfeita comunhão eclesiástica, todos os cristãos se congreguem numa única celebração da Eucaristia e na unidade de uma única Igreja. Esta unidade, desde o início Cristo a concedeu à Sua Igreja. Nós cremos que esta unidade subsiste indefectivelmente na Igreja católica e esperamos que cresça de dia para dia. até à consumação dos séculos.

De fato, é prudente e pacientemente que os fiéis trabalhem sob a vigilância dos Pastores, assim como estes também estejam preparados para orientar o seu rebanho nesta caminha da ecumênica. Para isso temos inúmeros documentos do magistério eclesial, dentre os quais, ressalto o que foi publicado recentemente a Santa Sé “O Bispo e a unidade dos cristãos”, um vade-mécum para ensinar aos pastores, mas também ao povo de Deus, em um mundo dividido como o de hoje, como construir e reconstruir o diálogo com os irmãos “separados”. Quase 30 páginas para lembrar aos bispos que o “compromisso ecumênico” não é opcional, mas um dever do seu ministério.

O documento foi publicado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e apresentado na Sala de Imprensa do Vaticano pelo presidente, cardeal Kurt Koch, junto com outros três cardeais à frente de importantes dicastérios: Marc Ouellet (Congregação dos Bispos); Luis Antonio Tagle (Propaganda Fide); Leonardo Sandri (Igrejas Orientais).

O vade-mécum se apresenta como um apoio aos bispos “para ajudá-los a compreender e a implementar melhor a sua responsabilidade ecumênica”. O bispo, afirma um dos primeiros pontos, “não pode considerar a promoção da causa ecumênica simplesmente como uma das tantas tarefas do seu ministério diversificado, uma tarefa que poderia ou deveria ser adiada perante outras prioridades aparentemente mais importantes. O compromisso ecumênico do bispo não é uma dimensão opcional do seu ministério, mas sim um dever e uma obrigação”.

Como se dá hoje esse caminho ecumênico, há 25 anos, a encíclica de São João Paulo II sobre o ecumenismo, “Ut Unum Sint”, pôs um selo de aprovação papal em uma mudança ocorrida na abordagem católica em sua busca pela unidade dos cristãos. Durante os trinta anos desde o Concílio Ecumênico Vaticano II até a publicação da encíclica de João Paulo II, em 25-05-1995, os diálogos ecumênicos oficiais tenderam a comparar e contrastar os ensinamentos ou práticas católicas com os ensinamentos ou práticas dos parceiros de diálogo.

A busca pelo que os cristãos tinham em comum era o primeiro passo necessário para o reconhecimento entre si como cristãos, chamados por Jesus a serem um.

Mas em “Ut Unum Sint” (latim para “sejam um só”), São João Paulo II diz que o diálogo é mais do que “comparar as coisas”, o diálogo, segundo São João Paulo, é “um intercâmbio de dons”. Nesta nova abordagem, que ficou conhecida como “o ecumenismo receptivo”, os cristãos dizem uns aos outros: “O que tenho é um presente para ti, e o que tens é um presente para mim. Reconhecer que os demais cristãos têm dons e estar disposto a aceitá-los como algo que pode ajudar a nossa própria comunidade a crescer na fé requer uma conversão individual e coletiva.

Nos ensina o Decreto Unitatis Redintegratio (UR 4) que o modo e o método de formular a doutrina católica de forma alguma devem transformar-se em obstáculo por diálogo com os irmãos. É absolutamente necessário que toda a doutrina seja exposta com clareza. Nada tão alheio ao ecumenismo como aquele falso irenismo pelo qual a pureza da doutrina católica sobre detrimento e é obscurecido o seu sentido genuíno e certo. Ao mesmo tempo, a fé católica deve ser explicada mais profunda e corretamente, de tal modo e com tais termos que possa ser de fato compreendida também pelos irmãos separados.

Ademais, no diálogo ecumênico, os teólogos católicos, sempre fiéis à doutrina da Igreja, quando investigarem juntamente com os irmãos separados os divinos mistérios, devem proceder com amor pela verdade, com caridade e humildade. Na comparação das doutrinas, lembrem-se que existe uma ordem ou «hierarquia» das verdades da doutrina católica, já que o nexo delas com o fundamento da fé cristã é diferente. Assim se abre o caminho pelo qual, mediante esta fraterna emulação, todos se sintam incitados a um conhecimento mais profundo e a uma exposição mais clara das insondáveis riquezas de Cristo (Cfr. Ef. 3, 8.).

A conturbada Campanha da Fraternidade Ecumênica deste ano, cujo tema é: “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor” e o lema: “Cristo é a nossa paz. Do que era dividido fez uma unidade”,  (Ef 2,14a), segue esse percurso ecumênico querido pela Igreja e sinal da vontade de Cristo. De fato, o documento reafirma a Campanha da Fraternidade como uma marca e, ao mesmo tempo, uma riqueza da Igreja no Brasil que deve ser cuidada e melhorada sempre mais por meio do diálogo. Iluminado pela Encíclica Ut Unum Sint, de 1999, do Papa São João Paulo II, o texto aponta também ser necessário cuidar da causa ecumênica.      

O texto-base da CFE deste ano, os bispos afirmam que a publicação seguiu a estrutura de pensamento e trabalho do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), conselho responsável pela preparação e coordenação da campanha da fraternidade em seu formato ecumênico. “Não se trata, portanto, de um texto ao estilo do que ocorreria caso fosse preparado apenas pela comissão da CNBB”, que nos traz o desafio imposto por São João Paulo, “o intercâmbio de dons”, como disse antes “o ecumenismo receptivo”: “O que tenho é um presente para ti, e o que tens é um presente para mim. Reconhecer que os demais cristãos têm dons e estar disposto a aceitá-los como algo que pode ajudar a nossa própria comunidade a crescer na fé requer uma conversão individual e coletiva.

Portanto, o texto da CFE não traz uma linguagem predominantemente católica, mas uma contribuição a nossa reflexão e os obriga a aprofundar a nossa catolicidade fundando-a no mandamento do amor. Não é fácil! Neste sentido Papa Francisco reflete na Encíclica “Fratelli Tutti”(sobre a Fraternidade e a amizade social) que o amor universal pressupõe uma capacidade de nos abrirmos para o próximo. Para o Papa, Jesus não nos ensinou a perguntar quem é nosso vizinho, mas sim a nos tornarmos vizinhos próximos dos outros. A própria CNBB – nesta semana – em nota oficial, afirmou que o texto base da CFE deve ser iluminado pela Encíclica “Fratelli Tutti” quando somos convidados a construirmos pontes e não edificarmos muros.

O desafio maior na verdade é que para muitos, o ecumenismo é apenas a reunião de determinadas igrejas cristãs que se toleram em alguns pontos de fé. Para outros, ecumenismo é, de fato, um bonito ideal, mas que nunca será alcançado. Porém, muito mais que a reunião de igrejas, e bem mais que um mero ideal, o ecumenismo é a concretização da prática cristã alicerçada no amor, aquele sentimento que “nunca falha” (1 Cor 13, 8).

A última geração de católicos e de teólogos católicos não estudou a fundo os documentos e a mensagem do Concílio Ecumênico Vaticano II. Muitos não o conhecem, e, para outros, existe uma era pré-Vaticano II e uma era pós-moderna, e o Concílio se situa em uma “terra de ninguém”. Não conhecer o Concílio Ecumênico Vaticano II impossibilita compreender o Papa Francisco.

Há uma tentativa lastimável de deslegitimar a figura do Sumo Pontífice. As oposições desse mundo nasceram logo depois da sua eleição; já nas primeiras semanas isso estava muito claro. Com o passar do tempo elas se radicalizaram, mas também se circunscreveram, ou seja, estão numericamente mais isoladas e radicalizadas, por serem reflexo de um mundo menor, mais isolado. Creio, por isso, que o Papa está vencendo esse desafio, porque quem fala de cisma não sabe do que fala, isto é, se, para alguns, bastam quatro cardeais que não concordam com o ministério Petrino para fazer uma cisma, então, tudo bem, mas o cisma é uma coisa bem diferente.

Falando sobre os desafios do ecumenismo: O Papa Francisco trouxe consigo um vento novo! Faz parte do seu carisma, a radiosidade, a capacidade de acolher com estilo cordial e fraterno cada pessoa com a qual ele se encontra, seja ela católica, ortodoxa ou evangélica ou de outras religiões ou mesmo de nenhuma religião. Ele tem e vive um sentido de diálogo. Precisávamos desse estilo.

A ocasião da audiência do Papa Francisco, na manhã do passado dia 30 de janeiro de 2021, aos membros do Escritório Catequético da Conferência Episcopal Italiana é o 60º aniversário do início de sua atividade, destinada a apoiar a Igreja italiana no campo, precisamente, da catequese após o Concílio Ecumênico Vaticano II. E a propósito do Concílio, acrescentou uma extensa reflexão: “O Concílio é magistério da Igreja. Ou você está com a Igreja e, portanto, segue o Concílio, e se não segue o Concílio ou o interpreta à sua maneira, à sua própria vontade, você não está com a Igreja. Temos que ser exigentes e rigorosos neste ponto. O Concílio não deve ser negociado para ter mais destes... Não, o Concílio é assim. E este problema que estamos enfrentando, da seletividade do Concílio, se repetiu ao longo da história com outros Concílios. Para mim, isso me faz pensar tanto num grupo de bispos que depois do Vaticano I foram embora, um grupo de leigos, grupos ali, para continuar a "verdadeira doutrina" que não era a do Vaticano I. "Nós somos os verdadeiros católicos" ... Hoje eles ordenam mulheres. A atitude mais severa para custodiar a fé sem o magistério da Igreja, nos leva à ruína. Por favor, nenhuma concessão para aqueles que tentam apresentar uma catequese que não esteja de acordo com o Magistério da Igreja.”

O diálogo teológico deu passos significativos para frente: a partir do Concílio Ecumênico Vaticano II, a Igreja católica está recuperando a consciência da importância da colegialidade e da sinodalidade. Enquanto isso, as Igrejas ortodoxas começam a ver com um olhar diferente o primado e seu exercício em um mundo cada vez mais globalizado. O Papa Francisco fala de um “ecumenismo do povo”. Enquanto se dá a paciente espera dos passos concretos para chegar a compartilhar o cálice no altar, é importante multiplicar as oportunidades para trabalhar juntos.

A visão do papado e o próprio compromisso ecumênico da Igreja Católica originam-se no entendimento do Concílio Vaticano II sobre o que é a Igreja. De fato, mudou a perspectiva da Igreja, de ser uma instituição estruturada, sustentada por suas leis mais do que qualquer outra coisa, para ser Igreja como comunhão de todos os que professam a fé e vivem a vida cristã.

A visão que o Papa Francisco tem de sinodalidade decorre dessa noção de Igreja como comunhão. Este termo significa “caminhas juntos” com todos os membros da Igreja, reconhecendo que a graça do batismo torna a pessoa parte do Corpo da Igreja e, portanto, responsável por sua vida e missão.

Muitos dos parceiros ecumênicos da Igreja Católica veem o foco do Papa Francisco na sinodalidade como um sinal de esperança de que, quando os cristãos chegarem ao ponto de declararem a plena comunhão uns com os outros, uma verdadeira “unidade na diversidade” será possível.

O Santo Padre o Papa  Francisco está passando da “pedagogia dos gestos” de João Paulo II, -  que traduzia a trajetória inaugurada pelo Nostra Aetate – , e do “diálogo das culturas” de Bento XVI, -  que respondia ao enrijecimento causado pelo medo de um choque de civilizações após o 11 de setembro de 2001 -, para a atual “teologia de gestos” do Papa que veio “quase do fim do mundo”, redesenhando o paradigma do encontro das Igrejas, procurando concentrar-se nos traços da experiência espiritual, da oração, da escuta, do caminhar juntos.

Numa palavra, passando para a teologia, não aquela dos manuais, mas para aquela da vida vivida. Isto não exclui ações de grande envergadura, como na Basílica de São João de Latrão, dia 12 de junho de 2015, no contexto do retiro mundial dos presbíteros, onde o Papa não só confirmou que a divisão entre os cristão é um escândalo, e o ecumenismo não é tanto somente mais uma tarefa, quanto um preciso mandato de amor que Jesus confiou a todos os cristãos; a partir disso logo se começaram a levantar hipóteses de que em pouco tempo todos os cristãos poderiam celebrar a Páscoa no mesmo dia, "sinal tangível para os fiéis e para todos os outros".

Na manhã radiosa de Pentecostes, a Igreja fundada na cruz de Cristo, confirmava-se radiosa com a presença do Espírito, o enlace da Divindade. Compreende sua missão de catolicidade e apostolicidade para anunciar a salvação a todo o universo. Todos aqueles que ouvem a Palavra e por ela recebem a vida do manancial eterno se tornam um, como disse Jesus: “Eu e o Pai somos um” e assim quis que também nos tornássemos um com Deus.

O Ecumenismo deve ser a expressão desta unidade. Superando as divisões, frutos do pecado, deixemo-nos impregnar do Espírito Santo e, unidos, pela força redentora, transformemos o mundo, antecipemos e vivamos o glorioso dia do Deus Uno e Trino. Por isso vamos, apesar das polarizações que vão na contramão do Evangelho, construir pontes de misericórdia e de diálogo para “Que todos sejam um”(Jo 17,21).

 

 

 

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15 fevereiro 2021, 11:20