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Missionário ajuda mulheres vítimas de violência na República Democrática do Congo

“Na cultura congolesa humilhar a mulher significa humilhar seu clã, porque é ela quem dá vida e educa a prole”. A obra do missionário belga Padre Bernard Ugeux para resgatar as jovens que sofreram violência

Vatican News

Com as roupas estão rasgadas, os pés descalços, elas mantêm o olhar cabisbaixo. Como se tivessem vergonha das feridas que carregam. Feridas no corpo, mas também na alma. E estas são as mais profundas, as que demoram a curar. É por isso que se fecham. Não querem falar com ninguém sobre isso, menos ainda para sua comunidade e nem mesmo em família. Às vezes conseguem desabafar no confessionário. Confessam ao padre o sequestro que sofreram, os abusos que foram submetidas, a marginalização a que muitas vezes são forçadas em seus próprios vilarejos.

Futuro sereno

Padre Bernard Ugeux, um belga de 74 anos, missionário na República Democrática do Congo, descobre assim um mundo de abusos e estende a mão a essas jovens. Ele as ajuda a sair desse pesadelo e começar uma nova vida olhando para o futuro de uma forma mais serena. Padre Ugeux, dos missionários da África (Padres Brancos) vive e trabalha em Bukavu, Kivu do Sul. O Kivu, como todas as regiões do leste do estado africano, há anos é dominado por uma forte instabilidade.

Abusos de milícias

Grupos armados, estima-se cerca de130 milícias, saqueiam as riquezas do território e agridem abertamente a população civil com incessantes abusos. As mulheres são vítimas de uma guerrilha generalizada iniciada em 1997 com a queda do ex-Zaire. Desde então, nas florestas do Kivu Norte e Sul, que o governo está lutando para manter sob controle, tem havido casos sistemáticos de violência e abuso. As Nações Unidas contaram mais de quinze mil estupros em um ano no país: o maior número de crimes sexuais registrados no mundo. Segundo o Kivu Security Tracker, somente nos últimos meses de 2019, 1.275 pessoas foram sequestradas e 720 foram mortas em Kivu. Muitas das jovens raptadas são abusadas. Mas com poucas denúncias: a impunidade para os responsáveis é quase garantida.

Humilhar a mulher, humilhar o clã

A violência é a marca permanente de uma guerra sem fim. As vítimas são quase sempre meninas, as mais fracas e vulneráveis. Na cultura tradicional, a mulher é considerada como mãe e goza de grande consideração e respeito porque ela dá vida e representa tudo o que é sagrado na África. Humilhá-las significa humilhar seu clã diretamente, porque na cultura congolesa fazer violência a uma mulher significa fazer violência a sua mãe, porque é ela quem dá vida e educa a prole. Portanto o estupro é planejado como uma tática de guerra por pessoas que conhecem bem a comunidade local.

Ajudas iniciadas em 2017

Nesta realidade a Igreja Católica se viu na linha de frente diante de tanta brutalidade. Em abril de 2017, a União Internacional de Superiores Gerais, com o apoio da Embaixada Britânica, formou cerca de quarenta consagrados (incluindo alguns sacerdotes) para ajudar as mulheres vítimas de violência sexual. Um dos motivos da vulnerabilidade é também a miséria na qual a maioria da população se encontra. Centenas moram nas ruas, onde sofrem todo tipo de abuso porque seus pais estão doentes ou morreram ou simplesmente não têm meios de alimentá-los.

Vítimas duas vezes

O missionário explica: “As meninas são vítimas inocentes por duas vezes. Depois de serem abusadas, são consideradas culpadas pelo que lhes aconteceu: são repudiados pelas comunidades e ficam abandonadas". Eles não falam sobre isso e vivem esse ultraje ao seu corpo e alma como uma culpa. O Padre Bernard ouviu as mulheres que, no segredo do confessionário, lhe contaram sobre os abusos a que foram submetidas. “Quando elas vêm confessar as agressões que sofreram", diz ele, "tenho que lhes explicar que elas não têm nenhuma culpa, nenhuma responsabilidade”.

A reintegração na sociedade é fundamental

Para os religiosos, é indispensável adotar uma abordagem psicossocial. "Não basta ser empático e permitir que as vítimas expressem emoções e memórias dolorosas", diz ele. "É necessário oferecer recursos materiais e sociais para a reintegração em sua comunidade". É necessário dar à vítima um lugar e um papel, com respeito e total segurança". Padre Bernard promoveu assim, junto com uma equipe de leigos congoleses e as Irmãs Doroteias, um caminho de resgate para 250 meninas que fogem do horror. "São ex-meninas de rua, vítimas de abuso e violência, órfãs ou filhas de pais que são muito pobres ou impossibilitados de criá-las", observa o religioso. "Todos os dias as jovens frequentam o centro, que oferece assistência social e psicológica, educação e treinamento vocacional. Nas aulas ensinamos francês, matemática, corte e costura, culinária. Apoiamos as meninas em sua reintegração na sociedade, procuramos famílias adotivas dispostas a ajudá-las, tentamos quanto possível autofinanciar-nos com a venda de doces ou roupas feitas pelas próprias meninas".

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25 junho 2020, 11:09