Busca

Dom Erwin Krautler: os 80 anos de um dos maiores bispos brasileiros

Desde criança ligado a Santa Terezinha de Lisieux, padroeira dos missionários, o bispo nascido austríaco vive na Amazônia há 54 anos e se naturalizou em 1981. É membro do Conselho Sinodal para a Amazônia e coordena a REPAM-Brasil.

Cristiane Murray - Cidade do Vaticano

Ainda hoje, pisando o solo brasileiro – terra escolhida para ser a sua – Dom Erwin é aguardado por dois ‘amigos’ da escolta policial com quem convive e que o protege das ameaças de morte que vem sofrendo há 30 anos. O bispo nascido austríaco completa neste dia 12 de julho 80 anos.

Juventude e formação

Aos 19, ingressou na Congregação dos Missionários do Preciosíssimo Sangue em Schellenberg, Liechtenstein. Jovem ativo, Erwin tocava violão, cantava, fazia teatro... e sonhava ser padre, missionário; queria um mundo justo, fraterno, solidário, cristão. O jovem que já conhecia Santa Teresinha de Lisieux, cuja imagem vira quando menino na Igreja Matriz da aldeia natal Koblach, a reencontrou anos mais tarde, diante de sua primeira crise vocacional, e se apaixonou definitivamente.

Dom Erwin chegou à Amazônia em fins de 1965
Dom Erwin chegou à Amazônia em fins de 1965

Estudou Filosofia e Teologia em Salzburgo, onde se ordenou padre em 1965. Celebrou sua primeira Missa em 18 de julho, com o povo de Koblach; e em 25 de novembro daquele mesmo ano já estava no Pará. Lá, no Xingu, seu tio Eurico era bispo e era para onde seus sonhos de criança o levavam, quando ouvia com a família os relatos sobre os índios Kayapó.

Embarcou em um navio cargueiro de Hamburgo, no norte da Alemanha, e desceu em São Luís do Maranhão. De lá para Belém e, em seguida, Altamira. Beirando a costa francesa, prometeu a si mesmo que voltaria ali para visitar a terra de Teresa.

Prelazia do Xingu era a maior circunscrição eclesiástica do Brasil, com 365 mil quilômetros quadrados

Lá, Padre Erwin foi vigário, pároco, reitor, professor de Filosofia Educacional e Psicologia Educacional; ecônomo ; encarregado pastoral. E descobriu que a primeira capela construída pelos Missionários do Sangue de Cristo era dedicada a Santa Teresinha. Seu primeiro barquinho também recebeu este nome.

Aos 41 anos, em novembro de 1980, Papa João Paulo II o nomeou bispo coadjutor da Prelazia do Xingu. No ano seguinte, recebeu a cidadania brasileira e foi nomeado bispo, sucedendo a seu tio Dom Eurico. Visitou comunidades em todas as partes da imensa Prelazia, viajando de barco, de jipe, de avião e a pé, onde não havia estrada nem rio. Viveu os sofrimentos do povo simples, abandonado e oprimido; à margem, excluído do “banquete da vida“. Virou ‘parente’ dos indígenas; em 1983 foi jogado no chão, humilhado e preso pela polícia militar enquanto defendia canavieiros em um acampamento na Transamazônica. Eram agricultores que haviam trabalhado e não recebiam salário. O bispo não os deixou sozinhos.

Na mira dos poderosos

De 1983 a 1991, Dom Erwin foi Presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI): outros tempos difíceis. O bispo falou no Congresso, contatou deputados e senadores, tentando convencê-los de que os índios precisavam ser considerados cidadãos adultos, donos de sua história, brasileiros e brasileiras com todos os direitos respeitados, inclusive em relação às suas terras ancestrais, suas línguas, expressões culturais e tradições, suas organizações. Começaram as ameaças de morte. Em 1987, um acidente de carro suspeito quase lhe tirou a vida e provocou a morte instantânea do Padre Salvador Deiana, missionário xaveriano que o acompanhava. Dom Erwin passou 6 semanas internado, velado por Santa Terezinha.

Em 1992 foi enviado como Delegado da CNBB à IV Conferência Episcopal Latino-Americana e do Caribe em Santo Domingo; em 1995 eleito responsável pela Dimensão Missionária da Igreja no Brasil, cargo que ocupou até 2003; em 1997, participou do Sínodo da América no Vaticano.

Martírio de Dorothy e Padre Tore

Dom Erwin acolheu a missionária estadunidense Irmã Dorothy Stang em 1982 e a sepultou em 12 de fevereiro de 2005, barbaramente assassinada por combater com o bispo pelos direitos das comunidades camponesas e indígenas e pela preservação ambiental na região amazônica.

Em 2007 foi Delegado da CNBB na V Conferência Episcopal Latino-Americana e do Caribe em Aparecida; e eleito presidente do CIMI por mais um quadriênio, missão que se renovou em 2011.
Pioneiro na denúncia da exploração sexual de adolescentes, do assassinato de meninos no estado; da ação ilegal de latifundiários, grileiros, madeireiros e fazendeiros com práticas de trabalho escravo e de destruição ambiental, Dom Erwin lutou com tudo o que lhe foi possível contra a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que afeta comunidades indígenas e camponesas.
A trajetória de Dom Erwin é reconhecida por entidades de todo o mundo; recebeu dezenas de prêmios de direitos humanos e títulos doutor honoris causa, fala tão bem o grego clássico quanto a língua dos Kayapó, e é autor de publicações em alemão e português.

Com o Card. Cláudio Hummes, Presidente da REPAM, e Dom Sérgio Castriani, arcebispo de Manaus (AM)
Com o Card. Cláudio Hummes, Presidente da REPAM, e Dom Sérgio Castriani, arcebispo de Manaus (AM)

Hoje Dom Erwin Krautler é o coordenador para o Brasil da Rede Eclesial Pan-amazônica e membro do Conselho Sinodal para o Sínodo Especial dos Bispos para a Pan-amazônia, programado para outubro de 2019.

E por fim, Dom Erwin é também amigo da equipe do Programa Brasileiro da Rádio Vaticano há décadas e somos muito orgulhosos que ele seja um bispo brasileiro, por escolha.

Com amigos, recentemente, em Roma
Com amigos, recentemente, em Roma

Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui

12 julho 2019, 12:00