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Familiares rezam pelos detentos do massacre Familiares rezam pelos detentos do massacre 

Privatização é apontada pela Pastoral Carcerária como um dos grandes problemas das cadeias

O coordenador da Pastoral Carcerária do Amazonas, Pe. João Poli, denuncia a situação de clima pesado, além de pessoal reduzido no serviço às cadeias, como um dos estopins para o segundo massacre de presos registrado no Estado em menos de três anos: isso “cria uma carga de agressividade que depois explode. Nós, aqui em Manaus, apontamos a privatização um dos grandes problemas das cadeias brasileiras”.

Andressa Collet – Cidade do Vaticano

O Pe. João Poli, italiano da Diocese de Trento há mais de 15 anos trabalhando a serviço da Arquidiocese de Manaus e coordenador da Pastoral Carcerária do Amazonas, conhece bem a realidade brasileira e afirma que, depois da rebelião de janeiro de 2017, a crise profunda do sistema carcerário nacional se tornou “muita pesada para os presos e famílias que acompanham do lado de fora”. No último domingo e segunda-feira (26 e 27), Manaus registrou o massacre de 55 detentos em diferentes presídios. A suspeita das autoridades é que uma disputa pelo comando de uma mesma facção que controla o tráfico de drogas tenha motivado os conflitos internos.

Ouça a reportagem com a entrevista a Pe. João

O segundo massacre de presos no Amazonas em menos de três anos, comenta Pe. João, não contabiliza os feridos, “e a gente reconhece, nesse período, um clima muito mais pesado de agressividade da própria estrutura”. A situação dos internos piorou bastante, disse ele: “as famílias passaram tempo sem poder visitá-los e as coisas que levam são selecionadas e até jogadas fora, independente do esforço de se levar”.

“Com frequência, os Corpos Especiais da Polícia entram e destroem ou tiram as coisas que as famílias, com esforço, compraram pra deixar lá dentro: ventilador ou aparelho de TV, alguma coisa que possa aliviar um pouco o clima tenso e pesado da prisão.”

Na escuridão das celas, fora do espetáculo dos massacres

Além dos fatores externos que comprometem a rotina dos presos, Pe. João afirmou que os detentos têm sofrido, com frequência, “com intoxicação alimentar, há um alto índice de tuberculose” e os horários de sol foram reduzidos. Além disso, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, em visita à estrutura do Compaj, em fevereiro de 2018, constatou racionamento de água, ausência de oferta de trabalho, insuficiência de colchões, falta de medicação, má qualidade dos kits de higiene e irregularidade na entrega, falta de horário e espaço adequados para a realização de visitas íntimas e religiosas com a privacidade e tempo necessários, “cenário semelhante ao que se observa no cotidiano em cada presídio pelo país, na escuridão das celas, fora do espetáculo dos massacres”.

“Nós, aqui em Manaus, apontamos a privatização um dos grandes problemas das cadeias brasileiras”

A nota pública divulgada pela Pastoral Carcerária Nacional e do Amazonas corrobora acrescentando que, “mesmo com grandes volumes de verbas, as unidades privadas se encontram em condições absolutamente degradantes. [...] As mortes destes últimos dias ocorrem em diferentes unidades prisionais privatizadas, todas administradas pela mesma empresa, a Umanizzare. [...] Em nota, a Umanizzare afirmou que ‘trabalha em conjunto com a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP), no apoio necessário à retomada da normalidade dentro das unidades’.

“O fato que o presídio seja privatizado se torna uma máquina para lucrar. Se o objetivo da prisão não é corrigir, mas é lucrar e faturar,... Como na época da escravidão: quanto mais presos, mais lucro. Os trabalhos direcionados aos presos que tinha lá dentro, por exemplo, foram reduzidos. E quando visitamos, não vemos uma proposta significativa feita aos internos. Do ponto de vista até da segurança: o pessoal foi reduzido, inclusive em relação a advogados e na enfermaria."

“O serviço disponível reduzido cria uma carga de agressividade que depois explode.”

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30 maio 2019, 16:10