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Entrevista analisa a relação entre a Igreja e a promoção dos Direitos Humanos Entrevista analisa a relação entre a Igreja e a promoção dos Direitos Humanos 

Direitos Humanos e Igreja: dar voz a quem não tem voz

Ouça e leia a entrevista com o Pe. Wellistony Carvalho Viana, Diretor Espiritual do Colégio Pio Brasileiro, em Roma, pós-doutor em Filosofia Contemporânea e trabalhou muitos anos na comissão de DH da Arquidiocese de Teresina (PI).

Bianca Fraccalvieri - Cidade do Vaticano

No dia em que celebramos os 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos, o VaticanNews/Rádio Vaticano entrevistou o Pe. Wellistony Carvalho Viana. Ele é o Diretor Espiritual do Colégio Pio Brasileiro, em Roma, pós-doutor em Filosofia Contemporânea e trabalhou muitos anos na comissão de Direitos Humanos da Arquidiocese de Teresina (PI).

Nesta entrevista, Pe. Wellistony fala de modo especial da relação entre os Direitos Humanos e a Igreja.

“A Declaração está fundada na história do Ocidente, que tem basicamente duas grandes fontes: a razão grega e a fé cristã, Atenas e Jerusalém. Destas duas raízes é que surgiram os grandes valores da nossa civilização.”

O sacerdote ressalta que as pautas da luta pelos Direitos humanos vão mudando de acordo com o ritmo das agressões. “Hoje, por exemplo, há o fenômeno das migrações que exige uma atenção maior da sociedade e a Igreja é chamada a dar voz àqueles que não tem voz.”

Ouça a reportagem completa

Qual a relação da Igreja com os Direitos Humanos?

A Declaração universal dos Direitos Humanos, assinada no dia 10 de dezembro de 1948, foi um fruto imediato do pós-guerra, mas suas raízes são muito mais antigas. De fato, a Declaração está fundada na história do Ocidente, que tem basicamente duas grandes fontes: a razão grega e a fé cristã, Atenas e Jerusalém. Destas duas raízes é que surgiram os grandes valores da nossa civilização. Sem dúvida, o entrelaçamento do Cristianismo com a cultura grega nos fizeram elaborar o conceito de pessoa e a ideia de dignidade humana, baseada na revelação de somos “imagem e semelhança de Deus”. É esse conceito de pessoa humana, portador de uma dignidade inviolável e inalienável que vai ser desenvolvido no Ocidente. Certo que houve embates entre a Igreja e os movimentos que surgiram em defesa de alguns direitos, mas ninguém duvida que o valor que o Ocidente dá à pessoa humana está radicada na própria valorização que Deus faz da humanidade ao se fazer homem como nós. A Igreja foi cada vez mais tomando consciência das consequências do fato de Deus se tornar pessoa humana para as sociedades. Lembremos dos Padres dos primeiros séculos da Igreja: Ambrósio, Agostinho, Basílio, Atanásio, João Crisóstomo, que clamavam o direito do pobre e do indigente. Lembremos o ensinamento dos papas: o Papa Gregório XVI, que condenou a escravidão dos negros com a Bula In Supremo Apostolatus (1839), o Papa Pio XI, que lutou contra os totalitarismos com a encíclica Non abbiamo bisogno (contra o fascismo italiano) e Divini Redemptoris (contra o comunismo soviético), lembremos de Pio XII, que foi pregador incansável da dignidade da pessoa, João XXIII, que escreveu a encíclica Pacem in Terris no aniversário de 15 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU e muitos outros documentos que ratificam a convicção da Igreja de que a pessoa humana é imagem e semelhança de Deus e possui direitos universais, inalienáveis e invioláveis.

Como se tem dado a defesa dos Direitos Humanos por parte da Igreja?

Na história recente, a Igreja tem se preocupado mais com alguns temas. Isto devido ao movimento da sociedade e às ameaças a alguns direitos fundamentais. Embora alguns direitos sociais, econômicos e políticos estejam sempre em pauta, devido ao nível de agressão em toda parte do mundo, sobretudo na América Latina, na África e na Ásia, alguns outros temas têm se tornado urgentes, como por exemplo, o direito do embrião, a liberdade religiosa, a luta contra a pena de morte e direitos à vida dos mais fracos, doentes e portadores de deficiência. Lembro, por exemplo, que a Igreja do Brasil na década de 70 combateu fortemente a tortura nas cadeias, a pobreza, a agressão aos povos indígenas e aos direitos à saúde, moradia e à liberdade política. Estas lutas nunca vão se encerrar. Mas, as contínuas tentativas de descriminalização do aborto pelo mundo e também no Brasil, as perseguições religiosas e morte de muitos cristãos em muitos países como Nigéria, Índia, China, Egito, Vietnã (mais de 50) tem exigido uma defesa mais enérgica por parte da Igreja. É interessante que algumas destas agressões são incentivadas até por organismos da ONU, como é o caso da liberalização do aborto. Na luta pelos Direitos humanos está sempre o problema do reconhecimento. Nesse caso concreto do aborto, enquanto uns afirmam defender o direito das mulheres de decidirem sobre seu corpo, outros, como a Igreja, defendem que o bebê no ventre da mulher não é mais um pedaço de seu corpo, mas uma pessoa com o mesmo direito à vida. Isto pra dizer, que as pautas da luta pelos Direitos humanos vão mudando de acordo com o ritmo das agressões. Hoje, por exemplo, há o fenômeno das migrações que exige uma atenção maior da sociedade e a Igreja é chamada a dar voz àqueles que não tem voz. Assim, aconteceu com os negros, com os índios, com os pobres, com os não nascidos, com os migrantes etc.

O senhor falou que um problema básico na luta pelos Direitos humanos é a questão do reconhecimento. Pode explicar melhor?

Direito é algo que as pessoas têm por natureza, por ser pessoa humana. Daí que os direitos humanos são inalienáveis e invioláveis. Não é a sociedade que dá estes direitos à pessoa. Ela já nasce com eles por pertencerem à família humana. Mas, é preciso que o Estado reconheça estes direitos e os defenda e os promova. O Estado não cria, nem inventa estes direitos. Seu papel é de reconhecê-los. Para isso é preciso que aqueles que defendem tais direitos possam esclarecer, mostrar sua validade ou fundamentar estes valores. Este é um problema difícil, sobretudo, quando tais valores são propostos para aquelas culturas que não tiveram a mesma história do Ocidente. No relativismo cultural em que vivemos e no enfraquecimento do conceito de razão, é bem difícil este diálogo da justificação destes valores. Há sociedades que dizem: “este é uma invenção do Ocidente, como por exemplo, a China”. Quer dizer, muitas sociedades ainda relutam no reconhecimento de alguns direitos. Pra citar um exemplo, peguemos o problema do direito à liberdade religiosa. Muitos países teocráticos simplesmente não aceitam que o indivíduo possa mudar a sua religião, aplicando inclusive penas capitais para estes indivíduos. Então, lutar pelo reconhecimento dos direitos humanos não é fácil. É preciso muita diplomacia, debate, educação e engajamento. A Igreja certamente tem ainda muito o que fazer, muito que falar e argumentar a fim de que os valores humanos sejam reconhecidos em sua objetividade e universalidade. Isto é, mostrar que os direitos humanos não são uma invenção de alguns, mas são uma realidade válida para toda pessoa, independentemente de cor, sexo, religião, nação ou estágio de vida.

O que significa comemorar estes 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos?

Significa louvar a Deus pelos frutos destes 70 anos de defesa da dignidade humana, seja por parte das nações, seja por parte da Igreja. É bom saber que as sociedades têm dado passos nesse sentido. Mas, não se pode comemorar esquecendo do imenso trabalho que ainda se tem pela frente. Por exemplo, o trabalho infantil atinge uma em cada dez crianças. Entre cada três pessoas reclusas atualmente, uma encontra-se detida sem processo. Além disso, há mais de 250 milhões de mulheres casadas que têm menos de 15 anos. Lembremos das dezenas de milhões de indivíduos vítimas do tráfico de pessoas, o problema do aborto em muitas nações, a pobreza extrema que ainda atinge grande parte da humanidade, sem falar dos direitos ambientais, devido ao sucateamento da natureza por parte do mundo industrializado. Lembremos que em várias regiões do mundo viver a própria fé ainda é motivo de condenação à morte e de discriminação. Tudo isso é motivo para não apenas celebramos as conquistas ao longo destes 70 anos, mas também para não relaxar na luta pela promoção humana.

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10 dezembro 2018, 09:53