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Papa Francisco na Audiência Geral Papa Francisco na Audiência Geral 

Igreja tem que ter como critérios a verdade, a bondade e a misericórdia

O padre José Maria Pacheco Gonçalves, que foi durante muitos anos jornalista da Rádio Vaticano, reflete sobre os últimos tempos do pontificado de Francisco.

Rui Saraiva – Porto

Não têm sido fáceis os últimos tempos do pontificado do Papa Francisco, sobretudo devido ao escândalo dos abusos sexuais a menores por parte de membros do clero. Difícil situação em 2018 foi aquela que aconteceu no Chile e que levou a um pedido de desculpas do próprio Papa e a várias renúncias de bispos daquele país.

Em particular, no final da viagem do Santo Padre a Dublin na Irlanda onde esteve no IX Encontro Mundial das Famílias, ganhou especial relevância a surpresa de uma tomada de posição de um bispo. D. Carlo Maria Viganò, ex-Núncio Apostólico nos Estados Unidos da América pediu a renúncia do Papa invocando que Francisco teria alegadamente encoberto denúncias de abusos sexuais cometidos pelo cardeal Theodore McCarrick. O Papa não comentou a declaração do bispo Carlo Maria Viganò, mas convocou os bispos de todo o mundo para uma reunião inédita no Vaticano para os próximos dias 21 a 24 de fevereiro de 2019. O tema será a prevenção dos abusos sexuais.

Têm sido muitos os comentários e reflexões sobre estes acontecimentos e sobre o estado atual do pontificado e da reforma que o Papa quer imprimir à Igreja. Para refletir sobre este tema pedimos uma reflexão ao padre José Maria Pacheco Gonçalves, redator durante muitos anos da redação de língua portuguesa da Rádio Vaticano e um atento comentador da atualidade da Igreja. Esta é a primeira parte da entrevista que nos concedeu.

P: Como caracteriza esta fase do pontificado de Francisco e no fundo da vida da Igreja?

R: Há que reconhecer que, de facto, são tempos difíceis para a Igreja e para o Papa em particular. De qualquer modo, há que manter a cabeça fria e saber distinguir as pequenas coisas das grandes coisas. O que é preocupante, em relação à pessoa do Papa, é este atrevimento do desafio lançado pelo ex-Núncio em Washington, D. Carlo Viganò, por visar pessoalmente a figura do Papa. Mas, apesar de tudo, já houve outras duas intervenções suas e ele já baixou um bocadinho o tom dizendo que, se calhar, não seria necessário eleger outro Papa, mas que o Papa reconhecesse que havia coisas que não correram da melhor maneira.

No entanto, à parte disso, por exemplo, esta referência a que o Papa se enganou no caso do Chile sobre uma pessoa, são coisas que acontecem no quotidiano, na vida normal. Claro que o Papa foi, se calhar, imprudente quando tentou defender uma pessoa de cuja inocência ele estava convencido… mas eu não sei como é que ele poderia agir de outra maneira! Eu quando, dos dados que tenho, estou convencido da inocência de alguém não posso precipitar-me a condenar ou a admitir isso…

Se há alguma coisa que é difícil neste momento é encontrar a forma mais adequada de reagir a coisas que exigem uma reação forte e clara mas, ao mesmo tempo, não incriminar pessoas que podem estar inocentes. Esta é uma questão que já se põe desde o ano 2000 com João Paulo II, quando a Igreja começou a ter uma atitude forte, a tal tolerância zero, em relação aos casos de abusos a menores por parte do clero. Isso tem que ser assim. Mas por outro lado, os canonistas já na altura chamavam a atenção, para o direito de defesa. E para a situação de não vir a condenar pessoas inocentes.

Neste momento a posição, mesmo de um ponto de vista internacional e mundial, perante esta pressão permanente que existe, é de dar toda a prioridade em relação à problemática das vítimas. E por outro lado, a grande novidade está em que a tolerância zero passou também para outra coisa que se tinha mantido que era esta tentação por parte dos responsáveis de encobrir, de evitar aquilo a que se chamava escândalo. E isso é a grande novidade deste último ano a partir da tomada de posição muito firme na Carta ao Povo de Deus.
Neste momento deu-se um passo positivo na vida da Igreja, que era aquilo que o Papa Francisco, precisamente, desde o início do pontificado tem dito: a Igreja não pode ser auto referencial, não pode estar a defender-se como instituição, tem que ter como critérios a verdade, a bondade, a misericórdia.

P: O que é que têm feito as hierarquias, em particular os bispos, para ajudarem o Papa a enfrentar estes acontecimentos, estas revelações? Fica-se um pouco com a ideia que o encobrimento ainda possa ser uma regra na cabeça de alguns…

R: Penso que, apesar de tudo, a gravidade do que aconteceu e da situação que se criou leva atualmente todos os episcopados, todos os bispos, todos os pastores, a perceberem que não há outro caminho e, atualmente, creio mesmo que já nos últimos dez anos, os casos de alguém que tenta encobrir são raríssimos. Se calhar, foi isso que explica que o Papa Francisco não lhe passava pela cabeça que no caso do Chile, por exemplo, houvesse um número tão grande de casos que continuavam a manter encobrimentos.

A outra questão é a da conversão pessoal e do dinamismo de uma atividade centrada não na auto defesa da instituição, mas na realização daquilo que se deve fazer. E agora aí o que se nota é que a clivagem ao nível do episcopado é entre aqueles que aceitam o Papa Francisco e o desafio de conversão da Igreja que ele propôs e mantêm desde o primeiro dia do pontificado. No fundo, é ter como critério não o prestígio, não o poder, o abuso do poder e a vaidade dos prestígios mundanos mas sim que, efetivamente, o Evangelho existe.

Eu, não há muito tempo, em conversa com uma pessoa na Itália, era um leigo e disse-me assim: ‘eu tenho muita dificuldade em aceitar o Papa Francisco, é um pauperista.’ Eu fiquei a olhar para ele e só lhe disse: ‘o Papa tenta promover o Evangelho e no Evangelho constantemente Jesus é pauperista, Jesus toma a defesa nas bem-aventuranças e em tudo no seu comportamento e de certeza que é alguém que busque o prestígio…’

Há pessoas que se entusiasmam mais com o Papa Francisco com tudo o que tem de opção radical pelo Evangelho e outros que são mais reticentes, mas, se calhar, quem está por trás da posição de D. Carlo Viganò são lobbies, efetivamente, que, nomeadamente, nos Estados Unidos nunca suportaram que o Papa tivesse posições tão claras e tão evangélicas.
Era o padre José Maria Pacheco Gonçalves que voltará com as suas reflexões, sobre o momento atual do pontificado do Papa Francisco, em próximas edições desta nossa rubrica “Sal da Terra, Luz do Mundo”.

Laudetur Iesus Christus

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22 novembro 2018, 13:04