Papa Francisco e secretário geral do Conselho Mundial de Igrejas, Rev. Olav Kykse Tveit Papa Francisco e secretário geral do Conselho Mundial de Igrejas, Rev. Olav Kykse Tveit  

Papa em Genebra: exemplo à tolerância e ao diálogo, diz membro brasileiro do CMI

O Papa Francisco irá a Genebra em junho por ocasião dos 70 anos do Conselho Mundial de Igrejas. Thomas Kang, único membro brasileiro do Comitê Central do organismo, considera a visita como "um passo em direção à tolerância, um passo em direção ao entendimento mútuo, em direção ao diálogo, ao testemunho conjunto"

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

O Papa Francisco irá a Genebra em 21 de junho, por ocasião dos 70 anos do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), com o qual a igreja Católica tem há muito tempo uma grande colaboração.

“Uma bela oportunidade para dizer obrigado a essa colaboração, para celebrar este aniversário e desejar um bom futuro para a colaboração entre o nosso Pontifício Conselho e o CMI”, afirmou o cardeal Kurt Koch (presidente do Pontifício Conselho para a promoção da Unidade dos Cristãos), ao comentar o anúncio da viagem na última semana.

Esta é mais uma etapa do caminho ecumênico que diferentemente do passado, tem voltado seu olhar mais ao que une do que ao que divide, dando assim um testemunho comum, também no “ecumenismo de serviço” – expressão cunhada pelo Papa Francisco - diante das tantas emergências humanitárias que se apresentam nos tempos atuais.

Mas o trabalho do Conselho Mundial de Igrejas - que congrega 348 Igrejas protestantes, luteranas, anglicanas e ortodoxas – ainda é pouco conhecido no Brasil.

O CMI, nascido em Amsterdã em 1948, representa mais de 500 milhões de cristãos em todo o mundo. A Igreja Católica participa como “observadora” e é membro a pleno título da Comissão “Fé e Constituição”.

O Conselho tem três grandes instâncias decisórias: a Assembleia, que se realiza a cada 7-8 anos, o Comitê Central, que reúne-se a cada 2, e o Comitê Executivo, que se encontra 2 vezes ao ano.

O Brasil tem diversos representantes na entidade, mas apenas um faz parte do Comitê Central. É o gaúcho de Porto Alegre Thomas Kang, 32 anos, professor de Economia na Escola Superior de Propaganda e Marketing e doutorando em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O filho de coreanos, que já foi membro do Comitê Executivo, explicou ao Vatican News que “o CMI tem algumas Igrejas brasileiras que são membros, são Igrejas de modo geral pequenas, Igrejas protestantes históricas”.

“No Comitê Central tem só um representante brasileiro, porque são 150 membros, as Igrejas protestantes históricas na América Latina já são pequenas, a ICLEB, Igreja da qual faço parte, tem cerca de 800 mil membros e é a maior Igreja do CMI na América Latina. Por isto tem poucos representantes latino-americanos. Por isto o Brasil tem só uma vaga”.

Thomas nos contou como foi recebido o anúncio desta viagem do Papa Francisco a Genebra:

Na verdade esse anúncio foi recebido com muita alegria pelo CMI. A Igreja Católica ela já tem participado, há muito tempo na verdade, de alguns Comitês do CMI, em particular a Igreja Católica é membro permanente desde a sua criação da Comissão de Fé e Constituição do CMI: discute assuntos teológicos, a questão da Eucaristia, enfim, uma série de questões em que é necessário ainda um maior entendimento entre as Igrejas, então a Igreja Católica tem participado. Mas o anúncio de que o Papa vai participar de uma celebração, ela é vista com muita alegria, inclusive porque além da questão histórica, neste momento em que os ânimos políticos estão efervescentes em vários lugares do mundo, em que a intolerância parece que está crescendo, isso ameaça as instituições democráticas em várias partes do mundo, me parece que é um passo, entre as Igrejas, e um passo na outra direção, um passo em direção à tolerância, um passo em direção ao entendimento mútuo, em direção ao diálogo, ao testemunho conjunto, me parece uma... importante fundamental neste momento de certo perigo.

O Papa Francisco, seguindo os passos de seus predecessores, tem dado um grande impulso ao ecumenismo.  Como você vê este novo passo do Papa, ao festejar em Genebra os 70 anos do Conselho Mundial de Igrejas?

Eu acredito que a presença do Papa Francisco em Genebra, ele dá visibilidade ao trabalho do Conselho Mundial de Igrejas, que não é um trabalho tão visível, muitas pessoas particularmente na América do Sul conhecem bem pouco, até por esta questão demográfica, (...)  pequenas (...) no continente latino-americano. Então o Papa Francisco simplesmente ao participar de uma celebração como esta, ele dá uma visibilidade ao trabalho ecumênico, que para mim, creio que pode gerar muitos frutos. É um evento histórico. Infelizmente ainda não sei se poderei estar presente, embora seja membro do Comitê Central. O Papa é um líder de grande importância no mundo, então creio que isso pode gerar frutos incomensuráveis. Espero que seja assim um grande impulso ao trabalho ecumênico.

A divisão entre os cristãos é um “escândalo” e um contratestemunho. Mas os desafios atuais existentes hoje no mundo, especialmente humanitários, convidam a um trabalho comum entre as diferentes Confissões cristãs e também entre as religiões, que devem ser mensageiras de paz. Qual a importância deste testemunho comum Thomas?

A questão do testemunho conjunto é fundamental na medida em que o testemunho separado entre Igrejas mostra um conflito. Na verdade, ela enfraquece o centro da nossa fé que é a fé em Jesus Cristo, uma vez que trabalhou pela justiça e também trabalhou pela importância da paz entre as pessoas. Então, neste sentido, as Igrejas ao trabalhar de forma separada, de forma conflituosa, elas acabam tirando a credibilidade da fé cristã de certa forma. Na verdade, é muito importante que isto seja feito de forma conjunta. O Conselho Mundial de Igrejas não trabalha com a ideia de que nós vamos unir todas as instituições e organizações, não é essa a ideia. As Igrejas que fazem parte do Conselho, os membros todos, todos nós trazemos então as nossas identidades, as nossas tradições de diferentes Confissões cristãos,  a gente traz isto lá no Conselho, mas para trabalhar juntos, para ver o que é comum, para que nós possamos trabalhar juntos. Não significa que é uma união institucional, no sentido de se tornar uma coisa só, ou qualquer coisa assim. Mas a importância de se trabalhar conjuntamente, principalmente no instante em que a gente precisa ganhar mais força muitas vezes, tem questões humanitárias que são mais importantes Igrejas é mais importante do que ficar cada um puxando para um lado.

Você poderia exemplificar ao menos uma das grandes causas que tenha a atenção do Conselho Mundial de Igrejas neste percurso de 70 anos?

Posso dar o exemplo ali na época do apartheid lá na África do Sul,  em que o Conselho Mundial de Igrejas teveum papel super importante no combate ao racismo na África do Sul. Nelson Mandela, inclusive, já agradeceu ao Conselho Mundial de Igrejas pela participação importante. Desmond Tutu, arcebispo anglicano, teve um papel fundamental nisto, de como as Igrejas trabalharam juntas. Inclusive o CMI teve que excluir uma das Igrejas - a Igreja Reformada Holandesa da África do Sul, que apoiava o apartheid - por conta deste problema. Quer dizer, há momentos críticos em que o testemunho conjunto seria muito importante. E aí às vezes quando isto não acontece é muito triste.  Isto fere o testemunho cristão, isto traz questionamentos às pessoas, como pode uma Igreja fazer isto. Uma boa notícia disto é que há dois anos atrás, a Igreja Reformada Holandesa, da África do Sul, ela retornou então como um membro pleno do Conselho Mundial de Igrejas num processo de reconciliação, com as outras Igrejas da África do Sul e todas elas testemunharam para nós, em público, falando deste caminho de reconciliação que elas trouxeram, para que volta-se a ter um testemunho comum neste sentido e (...) então da Igreja Reformada, eles pediram perdão, várias vezes, e falaram de peito aberto sobre esta questão. Foi m momento muito bonito, um momento em que  gente pode de certa forma enxergar esta ideia de paz e justiça conjuntas e da importância de as Igrejas então poderem trabalhar no que é fundamental da nossa fé.

E em relação aos desafios atuais, que situações que você identificaria como mais urgentes?

Olha, tem uma série de trabalhos, em questões humanitárias, particularmente em conflitos, como na Síria, ou a questão de Israel/Palestina também, que a questão do testemunho conjunto é muito importante. São questões polêmicas, agora também na questão da política das duas Coreias, são questões bastante polêmicas em que as paixões políticas elas também muitas vezes entram neste processo. Então na minha visão é muito importante que as Igrejas, elas possam fazer um pouco as pontes, neste sentido, fazer um pouco o trabalho do diálogo, em que se busque a paz,  uma paz que esteja com a justiça. Acho bastante fundamental. Mas acho também, além das questões geopolíticas grandes, que são fundamentais, porque ferem matam e aniquilam vidas por aí, tem uma série de outras questões, mais locais. O trabalho conjunto a nível de comunidade, a nível de paróquia, em diversos locais, para tentar dar um testemunho conjunto entre católicos e protestantes, (...) no Brasil, seria muito importante, de várias formas. Estas questões mais micro, não sai na mídia, isto seria a base do ecumenismo autêntico, mais comum. Isto talvez ainda falte um pouco, este trabalho em resolver problemas locais do bairro, problemas da cidade possam dialogar. Muito comum cada Igreja ficar no seu canto”.

Na Europa a questão ecumênica deu grandes passos. Na sua opinião, como está o caminho ecumênico no Brasil?

Na verdade, ele é bem complicado. A Europa porque ela teve uma experiência com isso, até porque eles tiveram conflitos religiosos sangrentos por muito tempo, e acabaram então desenvolvendo uma capacidade de diálogo maior, depois de tantos traumas, de tantas vidas perdidas, e este tipo de coisa. Aqui na América Latina, no Brasil em particular, claro, a questão ecumênica é um pouco mais difícil, mais por uma questão demográfica mesmo, quer dizer, as Igrejas protestantes históricas são bastante pequenas, elas têm uma presença bastante reduzida no Brasil. A Igreja Católica ela é, ela ainda é a maior Igreja na cultura brasileira e tal. Então em muitos lugares no Brasil nem existe protestante. E tem um crescimento das Igrejas Evangélicas (...) se a gente (...) nem só históricas, mas as pentecostais, há uma grande diversidade, é difícil até colocar todas na mesma categoria.  Mas algumas delas, muitas delas,  às vezes até as mais proeminentes não têm uma disposição ao diálogo ainda. E são as que mais crescem. Então isso é uma coisa complicada, é perigoso, são muitas vezes algumas destas Igrejas fazem as agendas políticas bastante complicadas do ponto de vista de um ambiente democrático em que a tolerância, e não é só a tolerância, que as pessoas possam então viver a sua religião de forma livre isso é importante, é fundamental em uma democracia. Então muitas vezes estas Igrejas elas vão trazer uma agenda de tentar suplantar então visões divergentes, trazer uma agenda que é só dela. Então o ecumenismo seria bastante importante na América Latina  ser desenvolvido. Muitas vezes acaba sendo associado a uma agenda mais de esquerda, por exemplo - acho isso uma visão absolutamente equivocada - uma visão de diálogo não obedece uma visão ou desta ou daquela corrente política na visão justamente de que as correntes possam dialogar, sejam elas políticas ou religiosas, por isso eu acho que falta muito, tem que se caminhar muito ainda para que o ecumenismo tenha uma relevância maior no Brasil. Este trabalho do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs [Conic, ndr], que a Igreja Católica, a CNBB faz parte, então existe um trabalho e em relação a isso. A Campanha da Fraternidade que são ecumênicas - não me lembro de quanto em quanto tempo, mas são - então este trabalho é inicial, mas acho que deveria se investir mais nisto".

Ouça a entrevista!

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10 março 2018, 18:29