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O processo na Sala dos Museus Vaticanos por supostos negócios ilícitos com fundos da Santa Sé (Vatican Media) O processo na Sala dos Museus Vaticanos por supostos negócios ilícitos com fundos da Santa Sé (Vatican Media)

Processo vaticano, a declaração espontânea do cardeal Becciu

Na trigésima audiência na sala dos Museus Vaticanos, o cardeal replicou às declarações do comissário da Gendarmaria. Na sexta-feira (14/10), os depoimentos de Marco Simeon e Andrea Pozzi, ex-vice-presidente da Enasarco

Salvatore Cernuzio – Vatican News

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Uma nova e longa declaração espontânea do cardeal Angelo Becciu, em resposta às declarações no interrogatório de quinta-feira (13/10) feitas pelo comissário da Gendarmaria, Stefano De Santis, abriu na sexta-feira, dia 14, a audiência número 30 do processo pela gestão dos fundos da Santa Sé. Antes do exame das testemunhas, e após a leitura de duas ordens do presidente do Tribunal vaticano, Giuseppe Pignatone, o cardeal voltou à questão do encontro em 3 de outubro de 2020 em seu apartamento com o próprio De Santis e o comandante da Gendarmaria, Gianluca Gauzzi Broccoletti, que havia pedido ao cardeal que discutisse com ele pessoalmente uma série de questões. Entre elas, o fato de que a administradora Cecilia Marogna estava gastando em bens de luxo o dinheiro fornecido pela Santa Sé para uma missão humanitária. Segundo Becciu, Gauzzi havia pedido que o encontro fosse "protegido por um compromisso de máxima confidencialidade"; ao invés disso, o comissário disse que nunca foram impostas restrições de sigilo. "Confirmo no modo mais absoluto que me disseram para manter segredo e respeitei esse compromisso e mesmo nos momentos mais difíceis e atormentados nunca falei a ninguém sobre aquele encontro", afirmou Becciu na sexta-feira, dizendo ser "lamentável" as declarações do dia anterior.

O encontro na casa do cardeal

Na Sala dos Museus Vaticanos, o purpurado relatou algumas frases que De Santis teria pronunciado durante aquela conversação, tais como sugerir que ele voltasse para a Sardenha para viver "tranquilo" entre seu povo. "Não quer participar de um processo, quer? O senhor sabe quantas coisas negativas poderiam vir à tona", teria dito o dirigente da Gendarmaria, de acordo com o relato do cardeal. "Há dois anos me pergunto o significado dessas palavras", disse Becciu no tribunal, assegurando que continuaria a participar das sessões "até o final, de cabeça erguida, com a certeza de que a verdade aparecerá e minha inocência absoluta também".

O bem aos pobres

O cardeal também mencionou a questão do financiamento da CEI (Conferência Episcopal Italiana) para a Caritas da diocese sarda de Ozieri, depois dirigido para a Cooperativa Spes, da qual seu irmão Tonino era o titular. Eu não nego ter me ocupado disso, não vi e não vejo nenhum delito nisso, porque esta é uma prática normal na Igreja, a de ajudar uns aos outros", enfatizou Becciu. A Igreja, acrescentou ele, não é "uma empresa ou mesmo um escritório municipal", na Igreja "reina a lei do amor e do altruísmo... Ajudar a criar boas obras é o máximo que um cristão, um padre e mais ainda um bispo deve fazer". E no caso da Spes, mais de setenta pessoas seriam ajudadas a conseguir um emprego, sem jamais receber uma "advertência" ou "uma reprimenda" da CEI.

"Nunca enriqueci meus familiares"

O réu também deu espaço em sua declaração ao fato, que surgiu na audiência da quinta-feira, de que a Secretaria de Estado desembolsou 60 mil euros para a Cooperativa "Simpatia" de Como, onde trabalha o pai de monsenhor Alberto Perlasca, uma testemunha 'chave' do processo: "Por que Ozieri foi investigada e Como não? Por que Ozieri causou todo este barulho mediático?". A razão, disse Becciu, é que "se suspeitava que os meus familiares tinham se enriquecido". A este respeito, o cardeal convidou o comissário De Santis a declarar publicamente se as inspeções haviam encontrado alguma renda irregular nas contas dos membros da família: "Eu o autorizo a dizer isso! Jamais entrou um centavo no bolso de meus irmãos".

A operação humanitária

Por fim, quanto à operação humanitária que levou à libertação da freira colombiana sequestrada em Mali, Becciu - que havia sido liberado do segredo pontifício - disse que se sentia "ainda vinculado ao segredo" e que "não devia entrar em mais detalhes". Ele revelou apenas que naquela ocasião "um vazamento de informações foi evitado, no último segundo, o que teria colocado em perigo a imagem da Santa Sé e a segurança das missionárias e dos missionários engajados em territórios difíceis". Por este motivo, "somente por este motivo", no caso de Cecilia Marogna foi decidido "não falar sobre isso nem mesmo com a Gendarmaria".  Ainda sobre Marogna, o cardeal disse ter ficado "irritado" ao saber que "tinha começado a ser gasto o dinheiro daquela soma destinada a fins muito específicos": "Prometi a mim mesmo esclarecer o assunto imediatamente com a senhora. O que eu fiz, e ela me garantiu absolutamente que não era verdade. Eu não deixei de lhe dizer que se ela tivesse tirado daquele dinheiro não para as operações concordadas, ela teria absolutamente que colocá-lo de volta".

Duas ordens

No início da audiência, o presidente do Tribunal vaticano, Giuseppe Pignatone, leu duas ordens: a primeira, para rejeitar o pedido feito pela defesa do corretor Gianluigi Torzi sobre a possibilidade de ser interrogado remotamente, devido a impedimentos causados por pendências na Itália; a segunda, para rejeitar o pedido da testemunha Luciano Capaldo, engenheiro e consultor da Secretaria de Estado, residente em Londres, que apresentou como impedimento para comparecer no tribunal o risco de problemas de saúde devido ao voo em avião. Um impedimento indocumentado para Pignatone, que ordenou ao Promotor de Justiça que concordasse com a testemunha sobre uma data para vir testemunhar.

Simeon interrogado

A primeira testemunha da sexta-feira foi Marco Simeon, uma pessoa que mantém relações com a Santa Sé entre fundações e encargos desde 2000. Em particular, Simeon, que vive no Rio de Janeiro há muitos anos, foi questionado sobre seu papel na proposta de compra do prédio da Sloane Avenue, no valor de 315-330 milhões, apresentada pelo prestigioso grupo estadunidense Bizzi & Partners. Um tema já abordado na audiência do dia anterior. A proposta foi apresentada pelo ex-parlamentar Giancarlo Innocenzi Botti, com quem Simeon estava em contato há algum tempo; o representante do grupo era o embaixador Giacomo Castellaneta. A proposta veio um ano após a Santa Sé ter resolvido a questão imobiliária com Torzi e recuperado a propriedade total do prédio.

A proposta de compra do imóvel de Londres

Simeon foi questionado pelo promotor adjunto de Justiça, Roberto Zannotti, sobre a gênese do projeto e o envolvimento do cardeal. Becciu sempre ficou de fora das negociações, disse a testemunha, explicando que Innocenzi pediu uma conexão "para se aproximar" do cardeal e apresentar-lhe a proposta da Bizzi & Partners. Simeon, que tinha conhecido Becciu em 2018 e sempre manteve "relações cordiais", falou-lhe sobre isso e o cardeal disse que ele tinha recebido uma indicação de seus superiores que havia uma disponibilidade de avaliar a venda, mas "seguindo caminhos ordinários" e através dos "órgãos competentes". Neste caso específico, o padre Juan Antonio Guerrero, prefeito da Secretaria para a Economia, para a "parte operacional", e o secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin, representando a Secretaria de Estado que detém o imóvel. A proposta não foi aprovada, depois que Guerrero apontou algumas questões críticas. Além disso, a suspeita da acusação era de que Torzi ainda estava por trás disso e queria retomar o prédio. Se a transação tivesse acontecido, Simeon teria levado "3%": "Eu não estava trabalhando de graça".

Ainda, Simeon esclareceu que não havia relação nenhuma entre ele e Gianluigi Torzi (as informações sobre o corretor ele as recebia de Innocenzi Botti) e que ele só soube da existência do financiador em maio de 2020. "O único contato foi um telefonema para saber quem o havia chamado para trabalhar no Vaticano... Para mim ele era apenas um 'ponto crítico' na venda do imóvel".

Próximas audiências

Andrea Pozzi, ex-vice-presidente da Fundação Enasarco, também foi ouvido durante a audiência. Chamado pela acusação a respeito de alguns investimentos do fundo Athena reconduzíveis a Raffaele Mincione, seu interrogatório terminou em poucos minutos, após ter sido apontado que os fatos não estavam relacionados com as acusações. A próxima audiência será realizada na quarta-feira, 19 de outubro. Juntamente com três gendarmes, será ouvido o arcebispo Rocco Pennacchio.

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17 outubro 2022, 12:30