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O imóvel de Londres e a detenção de Torzi: primeiros resultados da investigação

As complexas investigações da magistratura vaticana realizadas pela Gendarmaria revelam os mecanismos de uma fraude e de uma extorsão relacionada à aquisição do prédio na Sloan Avenue

Vatican News

A detenção do corretor Gianluigi Torzi, ocorrida na sexta-feira, 5 de junho no Vaticano ao término de um longo interrogatório marca um avanço importante na longa e complexa investigação conduzida pela magistratura vaticana e levada adiante pelo Corpo da Gendarmaria, um processo que tem sob investigação cinco pessoas que trabalham na Secretaria de Estado (dois prelados e três leigos), mais um dirigente da Autoridade de Informação Financeira (AIF). A investigação se fundamenta num trabalho escrupuloso sobre papeis e documentos que atestam as complexas transações financeiras efetuadas pelos envolvidos e corroboram as hipóteses de delito e nos interrogatórios e nos testemunhos colhidos.

As denúncias do IOR e Revisor Geral

A investigação, como se há de recordar, teve início a partir de duas denúncias apresentadas pelo IOR e pelo Revisor Geral (respectivamente em julho e agosto de 2019). Em particular na segunda denúncia, a do Revisor, formulava-se a hipótese de gravíssimos delitos. Portanto, é baseada em assinalações internas e, por conseguinte, nos “anticorpos” ativos no próprio sistema vaticano, que a investigação tem início. O caso se divide em duas fases fundamentais. A primeira se dá em 2014 e diz respeito à subscrição por parte da Secretaria de Estado do fundo “Athena Capital Global Opportunities Fund”, administrada por uma Sicav controlada por Raffaele Mincione e proprietário do prédio londrino na Sloan Avenue. A segunda fase se dá entre o final de 2018 e a primeira metade de 2019, quando a Secretaria de Estado busca obter a disponibilidade do imóvel em questão liquidando as cotas do fundo de Mincione, mas acaba sofrendo – com a cumplicidade dos investigados – as ações extorsivas e fraude de Torzi, chamado em causa como intermediário.

O fundo de 2014

Em 28 de fevereiro de seis anos atrás a Secretaria de Estado financiava, com somas de dinheiro que ela detinha e vinculadas à sustentação das atividades do Santo Padre, o fundo “Athena Capital Global Opportunities Fund” de Raffaele Mincione, no valor total de 200 milhões e 500 mil dólares, obtidos de uma complexa arquitetura financeira, através da concessão de linhas de crédito da parte de Credit Suisse e Banco suíço italiano diante da constituição empenhorada de valores patrimoniais de um valor não inferior a 454 milhões de euros de posse da Secretaria de Estado e derivantes de doações. Os outros 200 milhões servem em parte para a aquisição de 45% do imóvel, e em parte para investimentos mobiliários. O imóvel da Sloan Avenue tinha um mútuo muito oneroso de 125 milhões de esterlinas. Mincione administrou os recursos financeiros investidos em conflitos de interesses, vez que esses foram utilizados para iniciativas especulativas, em contraste com as instruções da Secretaria de Estado, para financiar uma série de operações encabeçadas pelo próprio Mincione. Essas operações, realizadas com a cumplicidade dos investigados, tiveram a aquisição de sociedades, a subscrição de Bond emitidos pela sociedade do próprio Mincione, a aquisição de cotas societárias de sociedades do setor tecnológico cotadas na Bolsa e também a aquisição de ações do Banco Carige e Popular de Milão. As verificações efetuadas pela magistratura vaticana deram conta de que em setembro de 2018 as cotas do fundo tinham um valor de 137 milhões de euros, com a perda de mais de 18 milhões de euros em relação ao valor inicial relativo ao investimento mobiliário. Em novembro de 2018 a Secretaria de Estado, para buscar conter as perdas ingentes do investimento no fundo, decidiu resolver as relações com Raffael Mincione, através de uma operação que previa, de um lado comprar o imóvel de Londres, e do outro a cessão das cotas do fundo.

O intermediário Torzi

Um dos investigados da Secretaria de Estado, Fabrizio Tirabassi, responsável pelo Setor administrativo, naquele período buscou alguém capaz de abrir uma negociação com Mincione e através do advogado Manuel Intendente chegou a Gianluigi Torzi. Este último disse conhecer Mincione e se disponibilizou a ser intermediário. Em poucas horas, sem dificuldades, chegou-se a um acordo numa reunião que se realizou em Londres, também em consideração da imediata disponibilidade por parte de Tirabassi a reconhecer a Mincione 40 milhões de euros a título de correspondente liquidação. Esta fase do caso é ainda objeto de investigações, porque aparece a enorme desproporção entre o valor do imóvel (ademais com o peso de um mutuo oneroso de 125 milhões de esterlinas) e o preço correspondente. O despesa de 40 milhões faz subir para 350 milhões o preço pago pela Secretaria de Estado – entre investimento inicial no fundo, mútuo e liquidação a Mincione – para ter a disponibilidade do prédio de Sloan Avenue. Um imóvel que tinha sido adquirido por uma sociedade de Mincione em dezembro de 2012 por um valor de 129 milhões de esterlinas.

A trapaça do corretor

Infelizmente, o caso não acabou por aqui. De fato, para adquirir o imóvel de Londres, ao invés de proceder com a aquisição da “60 Sa Limited”, a sociedade com sede em Jersey que o detinha através de uma cadeia de ulteriores sociedades, a Secretaria de Estado, representada por Fabrizio Tirazassi ed Enrico Crasso (este último, delegado e operador nas contas da Secretaria de Estado com a sua sociedade “Sogenel Capital Holdig), decidiu – por razões ainda a ser esclarecidas – triangular a aquisição através da “Gutt Sa” encabeçada por Torzi. Foi, portanto, subscrito um contrato quadro (framework agreement) com o qual se provê a aquisição da parte de “Gutt Sa” de toda a cadeia societária proprietária do imóvel londrino; são pagos ao fundo de Mincione 40 milhões a título de liquidação e se cedem ao fundo todas as cotas detidas pela Secretaria de Estado. Em 22 de novembro foi subscrito um segundo contrato (share purchase agreement) com o qual a Secretaria de Estado adquire de Torzi 30 mil ações da “Gutt Sa” no valor simbólico de um euro. São efetuados os pagamentos previstos. Mas naquele mesmo 22 de novembro, sem o conhecimento da Secretaria de Estado, Torzi modifica o capital da sociedade “Gutt Sa” introduzindo junto às 30 mil ações sem direito de voto, as 1000 ações com direito de voto, que não faziam parte do compromisso de cessão. Desse modo o corretor continuava tendo o pleno controle sobre o imóvel.

As pressões injustificadas

Resulta das investigações realizadas, das aquisições documentais e das numerosas fontes testemunhais, que a partir de dezembro de 2018 Gianluigi Torzi começou a fazer solicitações econômicas totalmente injustificadas e desproporcionais para transferir as cotas da “Gutt Sa” ou, em todo caso, da cadeia de sociedades que detinham o imóvel de Londres, de modo que a Secretaria de Estado pudesse ter a disponibilidade do prédio. Torzi pretende valores ingentíssimos para a cessão das cotas, apesar de o acordo prever que a Secretaria de Estado poderia a qualquer momento obtê-las no valor de um euro. O corretor agora detido no Vaticano, fazendo uso das 1000 cotas às quais tinha de modo fraudulento atribuído o direito de voto, entre o final de abril e início de maio de 2019, ao término de uma extenuante negociação conduzida por vários mediadores por conta da Secretaria de Estado, aceitou ceder as cotas da sociedade detentora do imóvel de Londres mediante o pagamento de 15 milhões de euros. Dinheiro efetivamente pago sem nenhuma justificação econômica e jurídica. Os dois pagamentos foram efetivados em 1º e 2 de maio de 2019, referente a duas faturas para prestações inexistentes emitidas no valor de 10 e 5 milhões. Segundo a magistratura vaticana, Torzi, com a cumplicidade dos outros investigados, comunicando seu entendimento de não ceder à Secretaria de Estado a cadeia de sociedades detentoras do imóvel de Londres “incutia temor de graves danos ao patrimônio da Secretaria de Estado e a obrigava a uma longa negociação por parte de vários emissários”. Negociação concluída com o pagamento de outros 15 milhões de euros.

As declarações dos defensores

Na tarde de sábado, 6 de junho, os advogados de Torzi se pronunciaram sobre o caso. “Consideramos que esta medida seja fruto de um grande mal-entendido determinado por declarações em causa que podem ter deturpado uma correta interpretação do caso por parte dos investigadores”, comentaram Ambra Giovane e Marco Franco, advogados do corretor detido. “Efetivamente, não há dúvida de que Gianluigi Torzi permitiu à Secretaria de Estado vaticana recuperar um prestigioso imóvel londrino cujo ingente valor corria o risco de se perder e sucessivamente evitou que o mesmo pudesse tomar caminhos pouco claros. Torzi jamais teve a intenção de agir contra os interesses da Santa Sé e desde o início desta investigação, através de seus defensores, manifestou constante disponibilidade aos investigadores para a reconstrução dos fatos produzindo dezenas de documentos, memórias e, por fim, com o interrogatório de ontem, que durou 8 horas, para o qual exclusivamente nosso assistido veio do exterior. Estamos certos de que a posição de Gianluigi Torzi será brevemente esclarecida com reconhecimento de ser alheio às acusações que lhe são feitas.”

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08 junho 2020, 14:04