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Crianças sírias sendo retiradas de Ghouta Crianças sírias sendo retiradas de Ghouta 

Editorial: Uma gota no oceano

Outro drama no drama na Síria é o das crianças sem uma identidade, sem nenhum registro de nascimento, crianças às quais foram negadas a infância e a educação, rejeitadas pela sociedade.

Silvonei José – Cidade do Vaticano

Os dramas vividos por milhões de pessoas em várias partes do mundo foram recordados pelo Papa Francisco em sua mensagem Urbi et Orbi na Páscoa da Ressurreição. Mas mesmo diante disto,  existe a esperança, pois "a morte, a solidão e o medo não têm a última palavra".

Ao recordar da “amada e martirizada Síria, cuja população está exausta por uma guerra que não vê fim”, o Pontífice pediu que “a luz de Cristo Ressuscitado ilumine as consciências de todos os responsáveis políticos e militares, para que coloquem fim imediatamente ao extermínio em andamento”, respeitando o direito humanitário e facilitando o acesso das ajudas humanitárias aos “nossos irmãos e irmãs que têm necessidade urgente” e assegurando condições adequadas para o retorno dos deslocados.

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Tempos atrás o cardeal Mário Zenari, núncio apostólico em Damasco levantou a sua voz para pedir que “não se esqueçam da Síria”. De fato, a Síria ainda é um “campo de batalha”, submetido a um “dilúvio de fogo”, com grande parte da população ao extremo de suas forças. “É preciso estar atento inclusive para sair de casa”, relatou o cardeal. Muitos pais decidiram não mandar mais as crianças para a escola. O risco é demasiado elevado. Também as escolas cristãs fecharam. Há realmente muito medo.”

Na região leste de Damasco, uma população de cerca de 400 mil habitantes vive há anos sob ataque. E ultimamente transcorrem os dias sob as bombas e entre o fogo cruzado. As ajudas humanitárias conseguem chegar com o conta-gotas. Prova disso são os contínuos apelos do Unicef. Centenas de crianças vivem numa situação de absoluta desnutrição. As pessoas sobrevivem cozinhando sopas feitas com as folhas das árvores, de ervas. Cerca de 70% da população síria vive em condições de extrema pobreza. E mesmo assim parece que a imprensa internacional colocou a situação do país em segundo plano.

Outro drama no drama é o das crianças sem uma identidade, sem nenhum registro de nascimento, crianças às quais foram negadas a infância e a educação, rejeitadas pela sociedade, porque nasceram no período da violência jihadista de casamentos temporários, casamentos forçados, estupros. Pelo menos três mil, e vivem em particular na periferia leste de Aleppo: para elas e para todos as crianças da Síria martirizada por sete anos de guerra foi criado o projeto: “Um nome e um futuro”, realizado pelo Vigário Apostólico de Aleppo dos Latinos, Mons. George Abou Khazen, pelo padre franciscano Firas Lutfi, superior do Colégio Santo Antônio, e o Grande Mufti, Mahmoud Akkam através de uma coleta de fundos coordenada pela Associação Pro Terra Sancta.

São crianças nascidas durante a guerra, de casamentos que duraram apenas alguns meses entre os jihadistas; há também as crianças órfãs de pais durante o conflito ou cujos pais voltaram para suas cidades de origem; também as mães, às vezes existem, ou morreram ou ficaram seriamente feridas pelas violências.

Na Síria, sete anos de guerra contínua, entre os mais terríveis, deixaram marcas indeléveis. É uma guerra que parece ter acabado - as bombas cessaram - mas permaneceram as feridas que exigem uma intervenção de emergência, disse padre Lufti. Essas crianças vivem quase todas “na rua”. “Às vezes - poucas - têm um lar onde moram com a mãe ou com os parentes: um avô ou uma avó. Em todo caso, no entanto, elas têm uma grande violência dentro delas”, os traumas físicos e psicológicos do conflito.

Iniciado há alguns meses, o projeto “Um nome e um futuro”,  toma forma dia após dia, graças à colaboração com a comunidade muçulmana. Esta é também uma bela característica: o projeto originou-se de um diálogo entre o mundo muçulmano e o cristão, que nasceu, se fortaleceu e cresceu durante estes anos de guerra.

Uma certeza, essa, celebrada em plena guerra que, apesar das incertezas, há uma esperança. “Olhemos para a graça de Deus, de um Deus que já se fez homem por nós, que morreu e também ressuscitou, de um Deus que não nos abandona. Nós realmente acreditamos que podemos pelo menos mitigar e aliviar o peso deste conflito. É claro que não podemos cobrir todas as necessidades de uma sociedade despedaçada, destruída e flagelada pela guerra”, afirmou o franciscano Firas Lutfi. No entanto, como Madre Teresa de Calcutá dizia, a nossa é uma gota no oceano mas, sem essa gota, o oceano não seria o mesmo.

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07 abril 2018, 08:24