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Papa com autoridades do budismo da Mongólia, recebidas  em audiência em 28/5/2022 Papa com autoridades do budismo da Mongólia, recebidas em audiência em 28/5/2022 

Papa na Mongólia, o culminar de decênios de encontros entre budistas e católicos

A Mongólia estabeleceu relações diplomáticas com o Vaticano em 1992. É o maior país sem acesso ao mar do mundo, com uma população de apenas 3,3 milhões de pessoas. De acordo com o censo nacional de 2020, 52% da nação é budista, 41% se considera "não religiosa", 3,2% é muçulmana e 1,3% é cristã. A peregrinação do Santo Padre ao país, de 31 de agosto a 4 de setembro, é o culminar de décadas de encontros entre budistas e cristãos.

por Victor Gaetan*

A iminente viagem do Papa Francisco à Mongólia é saudada como uma primeira vez, já que nenhum Papa jamais viajou a esse país. Mas décadas de trabalho missionário e diplomático lançaram as bases para esta peregrinação, que acontecerá de 31 de agosto a 4 de setembro.

A dimensão budista-cristã do encontro é uma razão crucial pela qual o Papa Francisco priorizou a Mongólia. Sabemos que ele dá atenção ao diálogo inter-religioso, visto como um antídoto para os conflitos e a demonização dos adversários praticada por tantos políticos.

Traçando três linhas de compromisso de longo prazo da Igreja para encontrar um terreno comum com as comunidades budistas e, em seguida, atestando como Francisco tenha ativamente acelerado essas tendências, vemos como missionários e diplomatas estejam em harmonia, especialmente sob sua liderança. É uma liderança poderosa, que será colocada em destaque também na Mongólia.

Por meio do Dicastério para o Diálogo Inter-Religioso (DID), da Federação das Conferências Episcopais Asiáticas (FABC), do Dialogue Interreligieux Monastique-Monastic Interreligious Dialogue (DIM-MID)) e de personalidades que deram suas vidas por uma maior compreensão recíproca, foi feito um enorme progresso rumo à construção de uma “cultura da compaixão”, título de um excelente livro sobre o encontro entre budistas e católicos (Urbaniana University Press, 2020) com uma valiosa introdução do estudioso da Universidade de Georgetown, John Borelli.

Mensagens do Vesak

 

Monsenhor Indunil Janakaratne Kodithuwakku, do Sri Lanka, é secretário do Dicastério para o Diálogo Inter-religioso (DID), nomeado em 2019, depois de ter sido subsecretário desde 2012. Ele se descreve como "nascido no diálogo inter-religioso" porque sua mãe cresceu em uma família budista família e tornou-se católica quando se casou. Entre seus vizinhos e colegas havia budistas, muçulmanos e cristãos.

"Cresci em uma cultura pluralista e esse pluralismo moldou minhas atitudes, minhas percepções, minha visão de mundo", explica. Enquanto ensinava missiologia na Pontifícia Universidade Urbaniana, levou seus alunos a um templo budista em Roma para encontrar monges budistas.

Monsenhor Kodithuwakku diz que o diálogo inter-religioso é um "processo evolutivo". Ele atribui ao Concílio Vaticano II, em particular à Declaração Nostra Aetate, o principal impulso para a promoção deste processo. Em 1986, os budistas participaram da Oração de Assis liderada pelo Papa João Paulo II.

Duas iniciativas do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso de 1995 - a primeira mensagem pelo Vesakh e o colóquio teológico - oferecem o exemplo de encontros regulares e respeitosos que constroem relações ao longo do tempo.

A lua cheia de abril a maio é um feriado sagrado para os budistas de todo o mundo, para celebrar o nascimento, a iluminação e a morte de Gautama Buda. Sob a liderança do cardeal Francis Arinze, o Pontifício Conselho (agora Dicastério) para o Diálogo Inter-religioso começou a celebrar o Vesak enviando saudações dirigidas aos "amigos budistas", por meio dos núncios apostólicos em quase todos os países. As saudações são traduzidas e divulgadas nos idiomas locais.

Recentemente, em 21 de abril, o prefeito do Dicastério para o Diálogo Inter-religioso, cardeal Miguel Angel Ayuso Guixot, e monsenhor Kodithuwakku, enviaram uma saudação por ocasião do Vesak intitulada “Budistas e cristãos: Curar as feridas da humanidade através de Karuna e Agape”.

Diálogo teológico

 

O mesmo tema será abordado no sétimo colóquio budista-cristão patrocinado pelo Dicastério, a ser realizado em novembro em Bangkok, Tailândia, na Maha Chulalongkorn Raja Vidhyalaya University, uma universidade budista Theravada. Mas a organização do evento é também coordenada pela Universidade Budista Maha Makut, associada à tradição Mahayana, pelo que estarão representadas as duas mais importantes escolas budistas.

O primeiro colóquio budista-cristão patrocinado pelo Dicastério para o Diálogo Inter-religioso foi realizado em 1995 pela Ordem Budista Fo Guang Shan em seu mosteiro em Kaohsiung, Taiwan. Três anos depois, o segundo colóquio foi realizado em um mosteiro beneditino em Bangalore, na Índia.

“Vivemos numa época em que o tribalismo está crescendo”, observa monsenhor Kodithuwakku. “Na sociedade tribal, a pessoa está ligada ao próprio grupo. Pensa-se somente ao próprio grupo. Outros podem existir, mas são secundários. Em vez disso, o Papa Francisco está promovendo uma sociedade fraterna”. Em que “busca-se tratar o outro como irmão e irmã, é exatamente o oposto da sociedade tribal. E o diálogo religioso, desde o início, promoveu a convivência fraterna. Mesmo que todos estejam profundamente enraizados em sua própria identidade, procuramos nos abrir uns aos outros com respeito e compreensão. Isso não significa esconder ou anular nossas diferenças. As diferenças permanecem. As religiões não são equivalentes. Mas, ao mesmo tempo, respeita-se a diversidade e, com base em valores universais, tenta-se fazer deste mundo um lugar melhor."

O cardeal Marengo e a FABC

 

Um alto representante da Igreja que aprecia a série de diálogos budistas-cristãos é o cardeal Giorgio Marengo, prefeito apostólico de Ulaanbaatar. Em entrevista por ocasião da reunião da FABC de 2022, o purpurado refletiu sobre sua participação nas conversas budistas-cristãs.

"Isso me deu uma grande oportunidade de aprender mais sobre o mundo budista. Participei da edição de 2015 em Bodh Gaya, na Índia, e para mim foi realmente uma abertura para um horizonte mais amplo, pois na Mongólia conhecia somente a realidade do budismo mongol. O encontro de 2015 era mais centrado na tradição Theravada”, explica o cardeal Marengo, que continua: “Depois, em 2017, em Taipei, Taiwan [no mosteiro budista Ling Jiou], novamente, foi uma iniciativa frutífera. Pedi aos organizadores que convidassem um monge budista da Mongólia porque ele não havia participado dos encontros anteriores. fPortanto, também foi uma experiência de amizade. O monge que participou é um conhecido guia de um grande mosteiro na Mongólia. Essas ocasiões me deram a possibilidade de aprender mais sobre o budismo em geral". (O budismo na Mongólia, como no Tibete, está mais alinhado com a tradição Mahayana, enquanto o budismo Theravada é praticado no sudeste da Ásia - Laos, Mianmar, Sri Lanka, Tailândia e Vietnã).

A FABC tem sua própria história de desenvolvimento das relações com a fé majoritária na Ásia. Em sua primeira assembléia plenária em 1974 em Taipei, a Federação das Conferências Episcopais Asiáticas assumiu como princípio orientador a imagem da Igreja asiática como uma Igreja de diálogo. Quatro anos mais tarde, a FABC instituiu um Escritório de Assuntos Ecumênicos e Inter-religiosos, que promoveu o envolvimento local.

Aquilo que a FABC compreende do budismo é lindamente expresso em um artigo de 1997 sobre como o Espírito Santo anima a fé:

"Por tantos séculos, o budismo alimentou a vida espiritual de quase toda a Ásia, levando os frutos do amor solidário, compaixão, alegria e paz de espírito para a vida de milhões de pessoas na Ásia. Quando os cristãos vêm para compartilhar algo da visão e da experiência de Buda vividas na vida das pessoas... o que elas podem perceber senão a obra do Espírito que também eles experimentaram?”.

Personalidades extraordinárias

 

A Ordem Beneditina formalizou intercâmbios entre monges cristãos e budistas nas décadas de 1960 e 1970. O secretariado do Dialogue Interreligieux Monastique-Monastic Interreligious Dialogue (DIM-MID) apresenta até mesmo um logotipo que incorpora uma cruz e o "enso" (círculo) Zen. (O DIM-MID é uma comissão da Confederação Beneditina com vínculos formais com os dois ramos da Ordem de Cistersiense).

Pelo menos 15 intercâmbios nos últimos 30 anos levaram monges budistas para estadias prolongadas em comunidades monásticas cristãs e vice-versa.

O venerável Phra Dr. Anil Sakya é um estudioso budista e assistente do chefe do monastério real de Wat Bovoranives Vihara em Bangkok, Tailândia, onde o encontrei.

Sakya nasceu no Nepal em 1960 e aos 14 anos foi enviado por seu pai, um sacerdote budista, para estudar na Tailândia. Ele foi o primeiro monge a receber uma bolsa do rei tailandês para estudar antropologia social na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, onde era o único monge budista da escola e talvez da cidade.

"Eu era um alienígena onde quer que fosse", conta o pensativo Phra Sakya. Desde então, tem transitado entre países e tradições. Ele descreve calma e liricamente como trabalhou em estreita colaboração com o patriarca supremo da Tailândia, encontrou o Papa Francisco quando o Pontífice estava na Tailândia e participou de uma conferência sobre desenvolvimento sustentável na Santa Sé.

“Entre os sacerdotes católicos que encontrei, há uma abertura para conhhecer o dharma”, explica o monge. "Essa abertura é retribuída pelos budistas. Tivemos muitos encontros maravilhosos."

Papa Francisco e a fraternidade

 

Foi um monge budista o primeiro a congratular-se com o bispo Marengo quando o Papa o escolheu como membro do Colégio dos Cardeais em 2022.

"Eu estava na Itália e fui à Missa dominical com dois sacerdotes católicos mongóis que viajavam comigo, junto com um monge budista", contou Marengo.

“Depois fomos visitar uma comunidade de missionárias da Consolata fora de Roma. Tivemos um belo encontro. Neste meio tempo, o anúncio [dos novos cardeais] era  feito no Angelus. O abade foi o primeiro a me felicitar. Claro que foi uma grande surpresa para mim, mas sabemos o quanto o diálogo inter-religioso é importante para o Papa Francisco”.

Com efeito, a visita do Papa à Mongólia é o culminar de quase 60 anos de crescente fraternidade com os nossos irmãos e irmãs budistas.

Como escreve o prefeito do Dicastério para o Diálogo Inter-religioso, o cardeal Miguel Ayuso Guixot: "Acompanhados pelo diálogo de fraternidade e respeito do Papa Francisco, budistas e cristãos de todo o mundo puderam encontrar formas criativas de compartilhar as alegrias e os mistérios de vida juntos e cooperar para o bem comum de todos e a sobrevivência da nossa casa comum". 

*Victor Gaetan é correspondente sênior do National Catholic Register e trabalha com questões internacionais. Ele também escreve para a revista Foreign Affairs e colaborou com o Catholic News Service. A Associação de Imprensa Católica da América do Norte concedeu a seus artigos quatro prêmios, incluindo um de excelência individual. Gaetan possui uma licenciatura (B.A.) em Estudos Otomanos e Bizantinos da Universidade Sorbonne em Paris, um M.A. pela Fletcher School of International Law and Diplomacy e PhD em Ideology in Literature pela Tufts University. Ele é o autor do livro God's Diplomats: Vatican Diplomacy, and America's Armageddon (Rowman & Littlefield, 2021). Seu site é VictorGaetan.org

*Publicado por Agência Fides

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17 agosto 2023, 08:36