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A formação à Vida Consagrada e Presbiteral

Caminhar com determinação e um olhar para o futuro. Uma investigação sobre o contexto formativo na Vida Religiosa

Frei Vagner Sanagiotto

A formação à Vida Consagrada e Presbiteral é um assunto muito pesquisado, mas não deve ser considerado esgotado. Em termos gerais temos a firme convicção de que o presente e o futuro de nossa missão dependem da formação que recebemos ou oferecemos aos nossos formandos. De fato, a formação é a chave que abre as portas para uma vida e uma missão significativas nas nossas Congregações. Sem contextos formativos adequados que correspondam às necessidades atuais, o risco de nos repetir, parar e perder o senso de quem somos e o que fazemos, é mais do que apenas uma hipótese de pesquisa.

A formação para a Vida Religiosa e Presbiteral no Brasil, principalmente após o Concílio Vaticano II, buscou entender a realidade formativa nos seminários e conventos, para atualizar o caminho formativo da maneira mais realista possível, com os olhos voltados para o futuro. Não faltaram pesquisas sobre a identidade espiritual e pastoral dos padres e religiosos – muitas delas baseadas na construção de um perfil ideal a ser alcançado – assim como também os caminhos da construção de subjetividade nos seminários.

A nossa pesquisa, que será em breve publicada, parte do pressuposto que o contexto formativo oferece toda uma estrutura com o objetivo de formar os futuros Padres, Irmãos e Irmãs que estarão à frente das comunidades religiosas, obras sociais, colégios, paróquias, etc. A literatura especializada no assunto nos oferece pesquisas que se concentraram, sobretudo nos processos formativos institucionais, nos projetos e interventos sobre o modus operandi estrutural dos ambientes de formação, embora isso possa negligenciar os outros aspectos relevantes, como por exemplo, a preparação dos formadores, a pedagogia formativa e o modelo eclesial. Parece-nos urgente que as intervenções no campo da formação sejam abertas aos diferentes desafios que a Vida Religiosa e Presbiteral nos apresenta em seus diferentes aspectos.

A formação como itinerário de vida é um caminho de maturação que se desenvolve em uma dinâmica de contínuo crescimento humano e espiritual. Para atingir esse objetivo, o percurso formativo pressupõe uma etapa inicial e outra permanente que se complementam, com a consciência de que a formação é por toda a vida. A nossa pesquisa se concentrou na etapa da formação inicial em perspectiva da formação permanente. Entre os diferentes métodos de pesquisa com os quais podemos abordar a Vida Consagrada, optamos por uma pesquisa experimental que descreva o contexto formativo nas etapas da formação inicial, isto é, postulantado, noviciado e juniorato.

A pesquisa se desenvolveu em uma amostra representativa de religiosos que estão no período de formação inicial – delimitada do Postulantado ao Juniorato – e seus respectivos formadores. Os formadores e os formandos responderam à pesquisa quando participaram dos encontros do Postulinter, Novinter e Juninter promovidos pela Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB-PR).  Responderam à nossa pesquisa 27 formadores e 138 formandos.

O ponto relevante que tornou a pesquisa válida foi recolher informações dos formadores(as) e dos formandos(as) em suas respectivas comunidades formativas. O método do “espelho” nos permite, por um lado, “refletir” como e em que medida as propostas formativas oferecidas pelas Congregações correspondem àquilo que entendem e vivem os formandos(as); por outro lado, procuramos entender em que medida os formadores(as) conseguem observar as reais necessidades que vivem os formandos e transformar isso em conteúdo formativo. Além disso, responderam à pesquisa formandos(as) e formadores(as) de todo o arco formativo inicial, do postulantado ao juniorato. Isso nos permite compreender as transformações que ocorrem no percurso formativo, ou seja, se é possível observar diferença no entusiasmo de formar-se naqueles que passam da formação inicial à formação permanente.

A análise estatística das respostas fornecidas pelos formandos e pelos formadores que responderam à pesquisa nos permitiu construir um panorama amplo de como eles se descrevem nos contextos formativos aos quais estão inseridos. Os dados recolhidos nos ofereceram elementos suficientes para propor algumas possíveis implicações formativas.

A pesquisa sociodemográfica nos indica um perfil formativo composto de vocações vindas de diversos contextos culturais do Brasil, sendo que timidamente começa a se tornar internacional. O perfil das vocações, partindo dos dados da nossa pesquisa, nos indica que aqueles que procuram os conventos/seminários são jovens (64% com até 21 anos de idade), porém a média de idade cresce gradativamente, sendo que nos contextos formativos temos a presença de vocações com significativa diferença de idade e etapas do desenvolvimento humano. Sobre o ambiente familiar indicamos a pluralidade de experiências. Gradativamente, os formandos tendem a vir de ambientes familiares marcados pela separação dos pais, de sensível situação financeira e de práticas religiosas plurais.

Percebemos que o contexto formativo é descrito em termos positivos pelos formandos e pelos formadores (77%). Os índices indicam que existe um clima de fraternidade e solidariedade nas comunidades formativas. Um dado relevante a ser exaltado é que 45% dos formadores e dos formandos consideram que precisa amadurecer as relações entre os membros das comunidades. A compreensão que os formandos e formadores têm da vida espiritual é muito satisfatória e 95% consideram que há interesse no desenvolvimento espiritual nas comunidades. Sobre o contexto formativo, analisado por nós, indicamos algumas implicações formativas:

a)      A necessidade de que os projetos formativos se desenvolvam considerando a cotidianidade na qual vivem os formandos e os formadores. Alguns assuntos do contexto formativo são percebidos de maneira muito diferente pelos formadores e pelos formandos: a relação com os superiores, o protagonismo formativo e a afetividade. Abordamos essa temática para indicar que o momento histórico em que vivemos e as experiências da vida que temos, precisam ser transformados em conteúdo formativo, pois a valorização da realidade dos formandos implica desenvolver neles a capacidade de ressignificarem suas experiências existenciais. A formação para o carisma das Congregações e as doutrinas eclesiásticas terão sentido quando encontrarem ressonância na vida dos formandos;

b)      A necessidade da preparação dos formadores(as): a pesquisa nos indicou que a formação não é somente conhecer as regras de “o que devo fazer como formador”, mas como ser formador para superar os desafios que a prática impõe. A preparação dos formadores não é somente uma dimensão intelectual, mas desenvolver a sensibilidade para “lidar” com o humano. Indicamos que os formadores não sejam escolhidos improvisamente e que os futuros formadores sejam inseridos gradualmente na prática formativa;

c)      A nossa pesquisa indicou que o discernimento é importante no ciclo da formação inicial. Os dados recolhidos indicaram que os formandos, do postulantado ao juniorato, fazem o discernimento de maneira gradual. As respostas dos formandos, principalmente no final do período da formação inicial, indicam que o discernimento vocacional os conduziu a uma opção de vida que pressupõe perseverança na proposta assumida. Por outro lado, percebemos formadores que conhecem as diretrizes do discernimento vocacional, os critérios que orientam o discernimento, mas ainda sentem insegurança em decidir sobre a aptidão vocacional. Enfatizamos a importância da equipe de formadores que ajuda no discernimento das vocações;

d)     A formação humano-afetiva é importante para saber amar de todo o coração; faz crescer a capacidade do diálogo consigo mesmo e com os outros. A pesquisa indicou que a formação sobre o conteúdo humano-afetivo é eficaz, porém, precisa ir na direção em desenvolver capacidade de construir relações interpessoais positivas;

e)      O modelo de relação com a autoridade. A pesquisa indicou a relação com os superiores se desenvolve como submissão. Isso não significa obediência cega, visto que os dados indicaram que os formandos buscam protagonismo. São diversas as interpretações que podem ser dadas para essa conclusão. Ser submisso, mas não ser passivo, pode indicar religiosos que, por exemplo, aceitam sem discutir as “pistas de ações” da província, mas no cotidiano não as realizam. Em outras palavras, se obedece por formalidade sem identificar-se com o projeto. Esse é um dado que merece mais aprofundamento;

f)       Por fim, a pesquisa indicou abertura das Congregações para a contribuição de outros saberes ao interno do contexto formativo. Esse é um dado importante porque contribui para o crescimento humano e espiritual dos seus membros.

Esperamos que a partilha dos resultados obtidos com a pesquisa possa indicar alguns pontos de reflexão que nos ajude a pensar pistas formativas. Além disso, esperamos ter oferecido uma contribuição útil para a formação religiosa, tendo um olhar com determinação para o futuro.

Frei Vagner Sanagiotto, frade carmelita (Comissariado Geral do Paraná), psicólogo, doutorando em Psicologia (Pontifícia Universidade Salesiana – Roma/Itália).

E-mail: vsanagiotto@yahoo.com.br.

 

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15 junho 2020, 11:00