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O Reverendo Pastor Eric Nsenga, Secretário geral e porta-voz da Igreja de Cristo no Congo (ECC) O Reverendo Pastor Eric Nsenga, Secretário geral e porta-voz da Igreja de Cristo no Congo (ECC) 

Na RD Congo, o ecumenismo acompanha os processos sócio-políticos

Durante a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, que se celebra de 18 a 25 de janeiro, colocamos o nosso olhar na colaboração entre as Igrejas Católica e Protestante na República Democrática do Congo (RDC), partindo de uma experiência significativa: a missão de observação conjunta das últimas eleições de dezembro.

Stanislas Kambashi, SJ – Cidade do Vaticano

A Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos reveste-se de grande importância na República Democrática do Congo. Neste país da África Central, o trabalho do ecumenismo é particularmente visível no trabalho realizado pelas Igrejas Católica e Protestante face aos desafios geoestratégicos e geopolíticos; a missão de observação eleitoral das duas Igrejas no processo eleitoral de 20 de dezembro de 2023 é um exemplo. É o que explica o Pastor protestante Eric Nsenga, Secretário-geral, porta-voz e chefe da Comissão de Justiça, Paz e Salvaguarda da Criação da Igreja de Cristo no Congo.

Reverendo Eric Nsenga, como vê o ecumenismo na sua Igreja?

Para a Igreja de Cristo no Congo (ECC), a celebração da unidade cristã envolve três considerações. A primeira é o reconhecimento e a celebração da obra de salvação realizada por Nosso Senhor Jesus Cristo. Isto lança as bases para o reconhecimento da identidade de todos aqueles que acreditam nele como Senhor e Salvador, qualquer que seja a sua tendência, corrente doutrinal ou orientação disciplinar. É o caso, por exemplo, da Confederação das Igrejas Protestantes, onde se encontram pentecostais, evangélicos, baptistas, metodistas, discípulos, presbiterianos, etc. Mas nesta diversidade, nós consagramos a unidade. De facto, o nosso lema é "unidade na diversidade". Mas para além dos nossos limites. Como cristãos protestantes, também temos tido o que chamamos de ecumenismo, com a nossa igreja irmã católica ou outras denominações religiosas, mas com as quais partilhamos a mesma base bíblica e o mesmo fundamento de unidade, reconhecendo o Senhor Jesus Cristo como nosso Senhor e Salvador. Por isso, para nós, este é, antes de mais, o elemento dos fundamentos da identidade.

A segunda coisa é a abertura do diálogo e, portanto, a alteridade que a unidade cristã nos concede no sentido de nos olharmos como nós próprios. A Bíblia diz-nos, pela boca do apóstolo Paulo, quando lemos a primeira epístola aos Coríntios, capítulo doze, o estilo de unidade que ele propõe, tendo em conta o corpo humano com as suas múltiplas partes. E isto dá-nos também o reconhecimento e o respeito pela vocação, o chamamento de cada um para contribuir para a vida da Igreja universal.

E a terceira dimensão desta unidade é também a missão profética que realizamos como um serviço à sociedade. Nesta dinâmica, trabalhamos como um só corpo para responder às necessidades fundamentais da nossa sociedade. No caso da Igreja no Congo, por exemplo, temos a Igreja Católica Romana e a Igreja Protestante nascida da Reforma, que constituem hoje um vetor importante na ação da sociedade ou para a sociedade, no sentido da promoção da justiça, da promoção da paz, da promoção da verdade, e acrescentamos ainda a salvaguarda da criação.

Um dos três postulados que mencionou é o ecumenismo. Celebrar a unidade dos cristãos é celebrar o ecumenismo. Qual é a importância desta Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, e do ecumenismo em geral, para a Igreja Protestante, particularmente no Congo?

É necessário sublinhar que esta unidade, ou a unidade que se celebra este ano, se insere no contexto particular que o nosso país está a atravessar. Por isso, damos-lhe muita importância na medida em que o trabalho da Igreja hoje, desta unidade dos cristãos ou do ecumenismo, demonstra suficientemente o grande contributo das Igrejas na vida e na salvaguarda do nosso planeta em geral, mas também e sobretudo do nosso país. Perante os desafios geoestratégicos e geopolíticos da atualidade. Saudámos o trabalho feito, por exemplo, pelas duas Igrejas no apoio ao atual processo eleitoral, que está a chegar a uma certa fase. Vimos, por exemplo, a constante atenção à verdade e à promoção da justiça.

Através do seu instrumento, a Missão de Observação Eleitoral Cenco-ECC (MOE CENCO-ECC), temos visto grandes contributos a serem dados na ideia de manter um equilíbrio entre as opiniões dos vários partidos e, sobretudo, assegurar a respeitabilidade dos princípios e das normas na organização do processo eleitoral. Para além deste processo eleitoral, ou seja, da fase visível do processo eleitoral, este ecumenismo permitiu também que as Igrejas mantivessem um diálogo, eu diria um diálogo indireto, porque ainda não conseguimos um diálogo direto entre os actores políticos, mas um diálogo indireto com diferentes actores. E conseguimos aproximar as pessoas e persuadi-las a abandonar o caos que alguns viam como a via real. Dada a situação atual, portanto, existe muito trabalho por fazer. O sentido ecuménico das nossas duas Igrejas aqui no Congo.

Referiu a possibilidade de diálogo entre os actores políticos. Como tenciona apoiar os actores políticos do seu país, a República Democrática do Congo, com base nesta missão eleitoral em que o senhor mesmo participou?

É certo que os contextos se tornam cada vez mais sensíveis e complexos no que respeita aos resultados tal como foram publicados, e mesmo ao próprio processo tal como decorreu. Temos também de salientar o facto de várias recomendações feitas pelas nossas duas Igrejas através da sua missão conjunta, a missão de observação eleitoral, não terem sido tidas em conta. Permitam-me que vos dê alguns exemplos claros do processo. Foi-nos pedido, por exemplo, que tivéssemos em conta a publicação dos resultados compilados nos centros locais conhecidos como CLC, mas isso não foi feito. Foi-nos pedido, nomeadamente para as eleições legislativas, que garantíssemos a transparência ou um mecanismo de transparência no cálculo do limiar de representatividade e na distribuição dos assentos.

Tínhamos insistido em que não deveria haver pressões políticas de determinados grupos e partidos políticos sobre a escolha de deputados eleitos em detrimento de outros deputados menos eleitos. Assim, quando analisamos, há muitas coisas hoje que não parecem corresponder às nossas recomendações. Isto significa que vamos assistir a um aumento da taxa de contestação, quer em termos do procedimento institucional conhecido como tratamento de litígios, é muito claro que o volume de litígios continuará a ser muito elevado, mas fora dos procedimentos institucionais, uma vez que algumas pessoas não quererão recorrer à autoridade destes tribunais, seja o Tribunal Constitucional ou mesmo os tribunais de recurso. Quanto às outras eleições, será mais uma vez deplorável assistir a manifestações e protestos políticos. Mas, para além das manifestações, para aqueles que participaram nessas eleições e que se sentirão frustrados com a forma como os diferendos foram resolvidos e os resultados publicados.

Temos outro grupo de pessoas que não participou nas eleições e que, pura e simplesmente, rejeita tudo. Assim, temos, por exemplo, o caso da FCC e do ramo político-militar que acaba de se desenvolver no Leste do país. Atualmente, há uma figura notável. É o antigo presidente da CENI, Corneille Nangaa, para não falar de outros. Portanto, tudo isto significa que temos três pólos de protesto: o pólo dos que participaram nas eleições e que parecem estar frustrados, o pólo dos que não participaram nessas eleições e que apenas pedem a sua anulação; e o pólo dos que hoje pegaram em armas. Ontem, falávamos do M23, com protestos baseados naquilo a que eu chamaria questões étnicas e de identidade, ou mesmo questões de terras.

Mas, atualmente, estas reivindicações estão a transformar-se em reivindicações políticas baseadas na recusa do reconhecimento legítimo das instituições. Portanto, há uma ligação entre os três pólos de protesto, o que, como eu disse, torna a tarefa um pouco mais complexa, mas não impossível. Por isso, as igrejas estão a pensar e a rezar sobre o assunto, especialmente durante esta Semana da Unidade. As duas instituições eclesiásticas do país estão em processo de reflexão ao nível dos seus órgãos. É muito provável que as mensagens sejam transmitidas tanto a nível oficial como não oficial. Continuamos a dialogar com o regime em vigor, e também com os outros pólos, para identificar, com a graça de Deus, as formas e os meios de perspetivar este quadro de diálogo.

Reverendo, com estes pólos de tensão que acaba de referir, não teme que a situação no seu país se torne cada vez mais tensa? Como é que vê o futuro próximo do país em relação a esta situação?

Nós pensamos que precisamos de uma estratégia coordenada com a comunidade internacional. Estou a falar de organizações internacionais, neste caso as Nações Unidas, que também deveriam apoiar o país. Como disse, o que está no horizonte vai para além do jogo político, da arquitetura institucional, mas também das expectativas da população. Por isso, para nós, é necessária uma estratégia concertada, tanto a nível internacional como nacional. Quando falo do nível internacional, não me refiro apenas ao pólo diplomático representado pelas organizações internacionais, mas estamos também a pensar na diplomacia paralela e na diplomacia da igreja. Já tivemos várias experiências em que o apoio ecuménico internacional foi útil para resolver este tipo de problemas.

Em 2018, por exemplo, tivemos uma grande delegação do Vaticano, do Conselho Mundial das Igrejas para África e da AACC, a Conferência das Igrejas de Toda a África. Pensamos que também seria uma boa ideia considerar esta abordagem para encontrar um bom resultado. Não se trata necessariamente de deslocar delegações para as trazer para o Congo, mas de levar a voz das Igrejas a vários organismos internacionais ou a nível nacional. Como já disse, já iniciámos este trabalho. Teremos agora de identificar os resultados do atual processo eleitoral, ou seja, teremos de ver como serão tratados os diferendos e como serão criadas as instituições. Veremos também como reagirão os concorrentes, não para reagir depois das reacções, mas para situar os níveis de risco e avaliar as aberturas para uma saída definitiva da crise. Pensamos que a solução passa por recuperar o equilíbrio perdido no jogo ou na competição eleitoral.

Por exemplo, em relação aos resultados publicados para as eleições legislativas, já temos uma estimativa de quase 450 deputados que formarão a maioria governamental e quase menos de 30 deputados para a oposição. Estou a referir-me aos assentos reservados às províncias ou territórios que não participaram nas eleições. Assim, dos cerca de 460 deputados, excluindo os assentos reservados às regiões que não participaram nas eleições, já temos quase 85% da maioria. Como vêem, em termos de equilíbrio no jogo político, tendo em conta que o nosso sistema político é semi-presidencialista, como a maior parte dos sistemas do mundo, e que o papel do Parlamento, com base no princípio da separação de poderes, é controlar o jogo político ou controlar o exercício do poder e também controlar a gestão das empresas e mesmo do governo, penso que haverá um certo desequilíbrio nesse sentido.

Trata-se de uma questão que diz respeito ao futuro da democracia no nosso país. Portanto, se a arquitetura é esta, o melhor a fazer é ter um Parlamento, mesmo que tenha uma maioria numérica, mas que trabalhe muito mais na construção de consensos sobre as questões fundamentais da existência do país e das expectativas da população, o que não parece muito plausível até prova em contrário, conhecendo um pouco a forma como se faz política no nosso país. Portanto, tudo isto vai ter repercussões noutras instituições, assembleias, assembleias provinciais, províncias e o próprio Senado. Portanto, corremos o risco de ter uma arquitetura muito mais inclinada, para não dizer desequilibrada em termos de maioria, o que corre o risco de reforçar a tese da recusa de participação na gestão das instituições.

E o que temos a temer é que a oposição se torne muito mais extra-institucional. Já passámos por isso no passado, na década de 90, para chegarmos à Transição. O país passou por sete anos de transição sob o regime de Mobutu. A união sagrada radical da altura era também muito mais eficaz porque tinha operado na esfera extra-institucional. Assim, ao reduzir o espaço para o jogo político, para a oposição dentro das instituições, corre-se o risco de criar as bases para uma oposição extra-institucional, ou mesmo uma oposição político-militar que, como disse anteriormente, é suscetível de causar muito mais danos em termos de governabilidade.

Portanto, é provável que o segundo mandato do Presidente passe muito mais tempo a tentar preservar o poder do que a gerir o Estado. No entanto, as expectativas são enormes, tanto para os que votaram nele como para os que não votaram. As questões geopolíticas, internas e geoestratégicas que hoje nos rodeiam, e com as quais o país se confronta, não oferecem oportunidades suficientes para que o atual regime seja confrontado com várias esferas ou flagelos de resistência. Deveria, em nosso entender, reduzir significativamente o espaço para todo o tipo de protestos comprovados que correm o risco de minar a própria possibilidade de uma governação racional e estável. Porque se o país se tornar instável e se a legitimidade for posta de parte, será obviamente difícil governar bem.

Ouvindo tudo isto, podemos dizer que o ecumenismo no Congo é já uma realidade, e é ilustrado em particular no acompanhamento sócio-político do vosso país ...

Este é um valor acrescentado que estamos a experimentar como país, como Congo. Porque também temos de sublinhar que os nossos próprios valores culturais são a base deste ecumenismo. Partilhamos uma história comum enquanto confissões religiosas, enfrentamos os mesmos desafios. Mas também tivemos muitas outras aproximações que vão para além, diria eu, das relações ecuménicas. É também a interpersonalidade que entra em jogo. Assim, o ecumenismo no Congo, podemos saudá-lo, está a tornar-se o acordo, a estrada real ou mesmo o último bastião em que a República se apoia para acções que são benéficas para o nosso país.

"Amarás o Senhor teu Deus... e ao teu próximo como a ti mesmo" (Lc 10,27): este versículo do Evangelho de São Lucas foi escolhido como tema da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos deste ano. O que é que este tema inspira em si?

A verticalidade e a horizontalidade da nossa fé como tal. Este tema leva-nos a compreender que tudo o que podemos fazer, só o podemos fazer melhor com o apoio e a ajuda do Senhor. Ajuda-nos a voltarmo-nos, a fixar os nossos olhos no centro da nossa fé, que é o nosso Senhor, e a reconhecer nele a sua qualidade de Pai e de Bom Pastor, para nos assegurar que, apesar de todas as dificuldades que enfrentamos, só nele devemos confiar. Devemos amá-lo porque ele nos amou primeiro e pagou o preço mais alto por nós na cruz do Gólgota. É esse o laço que hoje partilhamos com ele, tal como ele partilha com o seu Pai. E isso tranquiliza-nos ainda mais quanto ao facto de estarmos sob um quadro de referência. A segunda dimensão deste versículo é a horizontalidade.

Isso leva-nos a ultrapassar as divisões étnicas, religiosas e políticas, de modo a olharmos uns para os outros como irmãos e irmãs. E gostaria apenas de salientar que, durante a campanha eleitoral, se desenvolveu uma narrativa muito perigosa que está no epicentro de muitos dos conflitos do país. Trata-se da identidade: quem é congolês e quem não é. Com este versículo, podemos ainda renovar os nossos sentimentos de afeto e de fraternidade para nos vermos, como disse na introdução, como filhos e filhas do país. Portanto, este versículo ajudar-nos-á a fortalecer e a reforçar os nossos laços para além das nossas diferenças, para além das nossas divisões. E eu digo, como protestantes, unidade na diversidade. As nossas diferenças não devem justificar as nossas divisões. Ao sermos diferentes, enriquecemos o nosso ser e viver juntos.

Falou da verticalidade e horizontalidade quando explicou este versículo. O que é que pode minar esta verticalidade e horizontalidade no mundo de hoje?

Os anti-valores, questões de identidade, distanciamento da verdade que nos traz a luz da Palavra; isso desnatura-nos como imagem de Deus e conduz-nos de novo a práticas contrárias à vontade de Deus. Em segundo lugar, a nível horizontal, é precisamente esta batalha desordenada de interesses pessoais, esta recusa de ver o outro como a si mesmo e o egoísmo que tem produzido consequências desde o capítulo 4 do Génesis, onde Caim acabou por matar o seu irmão devido à sua incapacidade de aceitar a graça e os méritos ou a diferença que o seu irmão era capaz de mostrar.

Como tencionam celebrar esta Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos? Que actividades estão previstas?

Há actividades em diferentes paróquias da nossa igreja. Isto em geral. É também o caso da Igreja Católica. Portanto, são momentos de oração, mas também momentos de encontro, como disse, para reflectirmos juntos sobre o sentido da nossa missão profética e ecuménica para o futuro do país.

Teria alguma palavra para terminar?

Gostaria de aproveitar esta oportunidade para convidar os cristãos de todo o mundo a rezar pela RDC. Vamos ter de atravessar tempos que não serão necessariamente fáceis para nós, mas esperamos contra a esperança, como a Bíblia nos pede que façamos. Assim, esperamos e contamos com a unidade na oração de todos os cristãos do mundo a favor do Congo, que é um país estratégico no coração de África.

 

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23 janeiro 2024, 16:07